Gustavo Fernandes: Por uma política nacional para ampliar a participação

CEPESP  |  30 de agosto de 2014
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O professor do Departamento de Gestão Pública da EAESP-FGV Gustavo Andrey Fernandes publicou recentemente um artigo no jornal Valor Econômico em que defende ser fundamental que o aumento da participação passe a ser discutido como política de Estado, acima de disputas partidárias.

Segundo Fernandes, que escreveu o artigo em parceria com o brasilianista Brian Wampler, as manifestações de junho do ano passado mostraram que o cidadão não aceita mais ser relevante nas decisões da administração pública apenas nas eleições.

Leia o artigo completo abaixo ou no site do Valor.

Por uma política nacional para ampliar a participação

A segunda metade do século XX marcou a consolidação da democracia no mundo ocidental como a única forma legítima de organização do Estado. Ao longo dos séculos, a conceituação de democracia evoluiu, ampliando-se as oportunidades para as pessoas influenciarem seus governos. No mundo, as mudanças mais significativas decorreram da expansão do universo de votantes, dos direitos garantidos aos cidadãos, bem como do aparecimento de instituições que permitem às pessoas participarem na definição de quais políticas públicas serão implantadas pelo Estado.

No Brasil, o processo de democratização evoluiu substantivamente nos últimos 30 anos. Na década de 1980 foram construídas as bases para o sufrágio universal que, apesar da derrota momentânea do movimento das “Diretas Já”, tornou-se inevitável. Assim, em 1989, foram realizadas as primeiras eleições gerais em que todos os maiores de dezoito anos votaram, inclusive os analfabetos.

Além da extensão do voto, os municípios, Estados e o governo federal adotaram, ainda que timidamente, várias instituições visando à incorporação dos cidadãos no processo de elaboração das politicas públicas. Atualmente, em muitas partes do país, os cidadãos podem acessar o Estado e, logo, os governantes por meio de conselhos, de conferências, de práticas de Orçamentos Participativos, de ouvidoria pública, entre outros mecanismos.

Não obstante, a democratização de um Estado não se limita à expansão do universo de votantes, com a criação de algumas instituições participativas. As manifestações de 2013 reforçaram justamente este ponto: o cidadão não aceita mais ser relevante nas decisões da administração pública apenas quando é eleitor, perdendo depois sua voz. Como então a democracia brasileira poderia incorporar estas novas demandas e estes novos atores?

É evidente que a democracia representativa brasileira precisa evoluir, por meio de mais participação. Não se trata, contudo, de democracia direta, mas de democracia participativa, ou seja, da devolução da tomada de decisão sobre as políticas públicas para a sociedade, por meio de espaços definidos pelo Estado, controlados conjuntamente por cidadãos e funcionários do governo.

Um bom exemplo de democracia representativa com ampla participação é os Estados Unidos, em que há mais de 500.000 cargos eletivos. A grande maioria destes cargos é ocupada por cidadãos, predominando o trabalho voluntário, buscando melhorar a qualidade da governança. Essas centenas de milhares de representantes eleitos exercem o controle sobre os recursos públicos, principalmente na área local, (e.g., conselhos escolares, comitês de planejamento, água).

A experiência no EUA indica claramente que o trabalho de construção de uma sociedade democrática e do Estado é feito pelos esforços de um grande número de cidadãos de boa vontade e engajados. A participação dos cidadãos americanos evoluiu bastante ao longo destes dois séculos, tendo sido estabelecida antes mesmo da promulgação da Constituição dos EUA em 1789. A inovação mais famosa, que continua a ser utilizada até hoje, foi as Assembleias Municipais da Nova Inglaterra, em que os cidadãos se reúnem anualmente para discutir e votar sobre a alocação de bens públicos.

No Oeste dos EUA, a década de 1920 viu o surgimento de “referendos”, que eram uma tentativa dos reformadores políticos de contornar o poder político de grupos entrincheirados na administração municipal. Os anos 1960, por sua vez, foram marcados pelo surgimento de novas formas de instituições democráticas em áreas urbanas, em que reformadores políticos tentaram quebrar o poder de máquinas clientelistas. Atualmente, vários municípios (Chicago, Nova York, San Francisco), estão implantando o Orçamento Participativo, que foi criado no Brasil nos anos 1980 e 1990.

Em outro exemplo importante, na Coreia do Sul, três diferentes presidentes introduziram um conjunto de políticas inéditas de participação nos últimos 20 anos. Em particular, eles criaram um sistema em que os “policy experts” estão envolvidos na formulação de orçamento nacional à qual os cidadãos têm a oportunidade de participar no nível local.

A participação da população nos processos de formulação de políticas tem o potencial para produzir ao menos três benefícios. Em primeiro lugar, torna mais claros os sinais que estão sendo enviados dos cidadãos para os políticos. Além disso, cria espaços públicos para que as pessoas expressem as suas demandas e seus interesses. E, por fim, aperfeiçoa os mecanismos de controles sobre a alocação dos recursos públicos, vez que, dá voz ao seu destinatário final.

A atual iniciativa do governo federal de promover a participação direta dos cidadãos, por meio do Decreto nº 8.243/14, deve ser vista como parte de um processo maior, no sentido da ampliação dos canais institucionais do Estado. É importante discuti-la, transformando-a em uma questão suprapartidária, fundamental para o aperfeiçoamento da democracia representativa no Brasil.

Para aprofundar a debate sobre o orçamento federal no Brasil, por exemplo, seria interessante se os líderes no Congresso Nacional e a Presidência se inspirassem em instituições já criadas em países como Coreia do Sul e EUA. Além disso, uma maior participação pode ser um importante instrumento para tornar mais eficaz o funcionamento dos Tribunais de Contas, das Polícias Militares, visto que o envolvimento do cidadão amplia a capacidade de monitoramento das atividades desempenhadas pelo gestor público.

De todo modo, é fundamental que a ampliação da participação seja incorporada na agenda do país, passando a ser discutida como política de Estado, acima de disputas partidárias. Apenas com uma maior participação do cidadão é que o Estado Brasileiro irá tornar-se de fato moderno, pronto para vencer os desafios do século que se inicia e, acima de tudo, cumprir as tarefas ainda incompletas do século XX, em termos de direitos básicos.

Brian Wampler é brasilianista e professor do Departamento de Ciências Políticas da Boise State University

Gustavo Andrey Fernandes é professor do Departamento de Gestão Pública da EAESP-FGV

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