Por Lara Mesquita
Fechadas as urnas, contados os votos, agora é hora de analisarmos os resultados. Como as mudanças recentes na legislação eleitoral operaram? Essa avaliação é crucial pois, é função direta do tamanho das bancadas eleitas pelos partidos a fatia que terão direito do Fundo Partidário nos próximos quatro anos, assim como a distribuição do horário de propaganda gratuita no rádio e na televisão nas eleições de 2020 e 2022.
Recapitulando, foram duas mudanças que impactaram diretamente na fórmula que define a distribuição das cadeiras entre os partidos para os cargos proporcionais. A primeira delas foi ocorreu em 2015, quando os congressistas brasileiros aprovaram mudança na redação do artigo 108 do Código Eleitoral (Lei Nº 4.737 de 1965), estabelecendo que apenas candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral estariam aptos a ocupar as cadeiras que cada partido tenha recebido na eleição.
Diferença entre a bancada eleita em 2018 e a bancada simulada com as regras vigentes até 2014
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Fonte: Elaboração por Lara Mesquita a partir de dados do TSE
O objetivo da mudança é impedir que se repita o episódio ocorrido em 2002, quando Enéas Carneiro, do PRONA, que conquistou mais de 1,5 milhões de votos carregou consigo mais 5 candidatos, sendo que 4 deles receberam menos de mil votos. Embora tenha sido exceção, o caso entrou para o anedotário político e passou a figurar em todo discurso que esbraveja sobre os absurdos e singularidades que acometeriam nosso sistema eleitoral.
A segunda mudança, que passou desapercebida por muitos analistas, aconteceu em 2017. Os parlamentares alteraram o Parágrafo 2º do Artigo 109 do mesmo código, que passou a permitir que todos os partidos que apresentem candidatos nas eleições proporcionais de um determinado estado a participação na distribuição das cadeiras não alocadas com a aplicação dos quocientes partidários, antes restrita apenas aos partidos que conseguissem pelo menos uma cadeira na aplicação do Quociente Partidário, as chamadas sobras.
O relaxamento dessa regra fez parte do acordo que permitiu abolir as coligações nas disputas proporcionais a partir da eleição municipal 2020, uma vez que ela abre a possibilidade de que partidos pequenos conquistem uma cadeira no legislativo. Foi devido a essa alteração que a Rede conseguiu eleger sua única representante para a Câmara dos Deputados nas eleições desse ano, Joênia Wapichana (REDE-RR), a primeira deputada federal indígena do País. A despeito de a coligação da qual a REDE participava em Roraima ter tido uma votação inferior ao Quociente Eleitoral, a cadeira foi conquistada na distribuição das sobras. A mesma regra também favoreceu a Democracia Cristã, que elegeu seu único representante pelo RJ, embora a coligação tenha obtido votação inferior ao quociente eleitoral do estado.
Essas duas mudanças operaram de forma conjunta pela primeira vez no pleito desse ano, e efetivamente afetaram a distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados.
O partido do presidenciável Jair Bolsonaro foi quem mais sofreu com os efeitos da mudança de legislação, uma vez que, no agregado, perdeu 6 cadeiras com a adoção das novas regras bem como a oportunidade de sair das urnas como o maior partido da Câmara dos Deputados.
O PSL só elegeu 10 dos 17 deputados a que teria direito eleger no estado de SP. O corte foi feito devido à falta de candidatos que cumprissem a regra de ter obtido pelo menos 10% do quociente eleitoral, o que corresponde a 30.146 votos. O partido também perdeu uma cadeira no Rio de Janeiro. Por outro lado, o partido se beneficiou das novas regras no Ceará e em Rondônia, elegendo um deputado em cada estado, quando não teria eleito nenhum caso fossem mantidas as regras de 2014.
O PDT foi o maior beneficiado, ganhando 3 cadeiras no arranjo atual. O PT, PSB e PRP também foram beneficiados pela mudança e receberam 2 cadeiras a mais cada.
É importante ressaltar que são grandes as chances de o PSL superar a bancada petista antes mesmo da posse dos deputados em fevereiro, uma vez que é facultado aos 32 deputados eleitos pelos 9 partidos que não atingiram a cláusula de desempenho de 1,5% dos votos nacionais mudar de partido sem prejuízo do seu mandato.
A exceção dos 9 deputados eleitos pelo PCdoB, e da única representante da Rede na Câmara, os demais 22 deputados eleitos por partidos nessas condições não devem ter muitas objeções ao partido do ex-capitão.
O que não muda em 2018 em relação a 2014 é a necessidade de o presidente eleito terá, quem quer que seja, de construir alianças com outras legendas no Congresso Nacional para conseguir as maiorias necessárias para aprovar as reformas e implementar a sua agenda.
Texto publicado originalmente no O Globo.
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Lara Mesquita é doutora em ciência política pelo IESP/UERJ e pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público – CEPESP/FGV.