Artigo: Vocalizando os números das pesquisas eleitorais

CEPESP  |  1 de outubro de 2018
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Pesquisa qualitativa mostra diferenças no perfil de eleitores de Haddad e de Bolsonaro

Assisti no começo desta semana a dois grupos qualitativos de pesquisa. O primeiro grupo era formado por eleitores com renda e escolaridade mais baixas que os do segundo grupo. Em comum, Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad não eram os candidatos preferidos dos participantes de nenhum dos grupos.

Os eleitores foram estimulados a apresentar suas opiniões sobre: candidatos, campanha eleitoral, meios usados para se informar e pretensão de voto no primeiro e no segundo turno. Em ambos os grupos, os candidatos foram criticados de uma forma geral, assim como o nível da campanha: muita troca de acusações e poucas propostas. As diferenças mais marcantes apareceram quando os participantes foram incitados a apresentar qualidades e defeitos dos candidatos.

Marina Silva e Geraldo Alckmin não despertaram paixões entre os eleitores presentes em nenhum dos dois grupos. De forma geral são considerados honestos, calmos. Não apareceram críticas contundentes, mas ainda assim não entusiasmavam os eleitores presentes.

As paixões e posições acaloradas começaram a aparecer quando o candidato em questão é Ciro Gomes. Eleitores dos dois grupos demonstraram desconfiança com a promessa de Ciro Gomes de limpar o nome dos devedores, mas entre os eleitores de menor renda, sua avaliação foi superior a apresentada pelos eleitores mais abastados. Entre estes, Ciro foi taxado de grosseiro e pouco confiável.

As maiores diferenças de avaliação entre os dois grupos, no entanto, surgiram quando
foram avaliados os candidatos Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.

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Os líderes nas pesquisas de opinião para presidente, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)

Entre os eleitores do primeiro grupo, Haddad foi classificado como bom prefeito e bom ministro da educação, e foi o preferido quando perguntados sobre em quem votariam em eventual segundo turno entre os dois líderes nas pesquisas. O ponto negativo apontado por esse primeiro grupo em relação ao candidato petista foi que ele seria um presidente sem autonomia, submisso a Lula. Neste grupo houve quase uma unanimidade quanto ao ex- presidente Lula: “Cometeu erros, mas foi o melhor presidente que já tivemos”. A grande maioria dos presentes declararam que, se fosse candidato, Lula seria a sua escolha.

Os participantes do grupo com pessoas mais escolarizadas tiveram dificuldades de identificar qualidades do ex-prefeito de São Paulo, afirmaram que ele não foi um bom prefeito e não era confiável. Nenhum participante deste grupo declarou que votaria em Haddad em eventual segundo turno contra Bolsonaro.

O candidato do PSL, por sua vez, foi taxado de machista, preconceituoso e extremista nos dois grupos, e sua principal qualidade citada foi a sinceridade. Todavia, enquanto os eleitores do primeiro grupo se mostravam absolutamente desconfortáveis com a possibilidade do capitão reformado ser eleito, ele foi o preferido, quando perguntados em quem votariam em um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, pelos participantes pertencentes às classes A e B. A despeito das críticas ao capitão reformado do exército, a aversão ao PT e a demanda pelo “novo” foram preponderantes entre os eleitores desse grupo.

A grande rejeição a Bolsonaro entre as mulheres foi registrada nos dois grupos. Apenas uma das eleitoras presentes declarou intenção de votar no candidato. Todas as participantes apresentaram críticas muito contundentes ao ex-capitão, ressaltando o extremismo de seus eleitores. Uma das participantes, que declarou votar nulo em um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, relatou o desconforto da pressão que vinha sofrendo dentro de casa: seu marido, eleitor de Bolsonaro, queria obriga-la a votar em Bolsonaro e não aceitava sua decisão de apoiar outro candidato.

As mulheres não tiveram dificuldades para verbalizar a aversão e listar as posturas machistas e preconceituosas do candidato, não apenas com as mulheres, mas também com negros, homossexuais e outros grupos minoritários. A rejeição ao candidato apontada nas pesquisas tomou forma, e muito convicta, na fala das eleitoras presentes.

Embora resultados de grupos de pesquisa qualitativa não permitam fazer afirmações generalizadas para o eleitorado, são instrumentos importantes que ajudam a entender os resultados das pesquisas de opinião de questionário com perguntas fechadas. Grupos de discussão permitem antecipar ondas, identificar as prioridades dos eleitores e qualificar e compreender o conteúdo das rejeições e paixões. Observar e/ou participar deste tipo de
pesquisa é muito interessante, dá voz aos números apresentados pelas pesquisas de opinião, que muitas vezes parecem desprovidos de sentido ou de difícil compreensão.

Texto originalmente publicado no site O Globo.

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Lara Mesquita é doutora em ciência política pelo IESP/UERJ e pesquisadora do Centro de
Política e Economia do Setor Público – CEPESP/FGV

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