Por Juliana Fabbron Marin Marin, Catarina Barbieri e Luciana de Oliveira Ramos

“Há uma desigualdade entre quem esteve nos pleitos. Ter rede social e crescer na rede social dá muito trabalho e uma pessoa que não tem estrutura financeira, partidária, estrutura mínima de luz, de câmera de celular que seja mais ou menos boa, tempo para fazer os vídeos, se a pessoa trabalha de bico e fica trabalhando várias horas por dia, ela não vai ter esse tempo. Enfim, ser essa pessoa de mídia social dá trabalho.” Essa fala é de Carolina Iara, mulher intersexo, travesti, positHIVa, negra, cientista social, escritora e poeta. Foi candidata integrante da Bancada Feminista do PSOL e eleita co-vereadora nas eleições de 2020.
Embora pareça que ter um equipamento com acesso à internet seja o suficiente para o uso das redes sociais, a realidade não é tão simples assim. Dados da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicilio (Pnad) apontam que no último semestre de 2018, 79,4% das pessoas que residiam em área urbana utilizaram a internet, enquanto o percentual da população residente em área rural que utilizou a internet era de 46,5%. A indisponibilidade de acesso à internet (4,5%), razões econômicas (17,5%), falta de interesse em acessá-la (34,6%) e não saber utilizá-la (41,6%) são os motivos que levam parte significativa da população a não utilizar a internet.
Além da falta de acesso, há outros motivos que estão associados a diferenças sociais, econômicas e geográficas. O uso da internet também depende das habilidades específicas que a pessoa possui. O grau de domínio para melhor usufruir dos instrumentos oferecidos pelos ambientes virtuais varia de uma pessoa a outra, a depender, por exemplo, da condição socioeconômica de cada uma.
As desigualdades no uso das redes sociais em campanha eleitoral mencionadas por Carolina reforçam o que as eleições de 2018 já nos mostraram: as redes sociais não são tão democráticas como à primeira vista podem parecer.

Essa foi a conclusão do capítulo 5 do livro “Candidatas em jogo: um estudo sobre os impactos das regras eleitorais na inserção de mulheres na política”, que analisou o uso do Facebook pelas 465 candidatas que concorreram ao cargo de deputada federal pelo estado de São Paulo naquelas eleições.
Uma equipe de pesquisadoras e pesquisadores acompanhou o uso dessa rede social pelas candidatas durante todo o período de disputa eleitoral, buscando responder às seguintes perguntas: o uso das redes sociais durante a eleição independe da quantidade de recursos de campanha disponíveis? As desigualdades socioeconômicas existentes em ambiente offline são reproduzidas no espaço online?

O capítulo também gerou um vídeo, que pode ser acessado aqui.
Para responder a primeira pergunta, separamos as candidatas em cinco faixas distintas de acordo com a receita de campanha que receberam para a disputa eleitoral: até R$ 10 mil, entre R$ 10 mil e R$ 25 mil , entre R$ 25 mil e R$ 50 mil, entre R$ 50 mil e R$ 100 mil e mais de R$ 100 mil.
Os resultados mostraram que, para as páginas de Facebook, candidatas nos três maiores grupos de renda (mais de R$ 25 mil gastos na campanha) – cerca de 45% das candidatas analisadas – possuem médias de acesso (ter página), uso contínuo (manter página durante todo o período eleitoral) e foco (publicações de divulgação da própria campanha) mais altas que as dos dois níveis mais baixos. Ou seja, as candidatas que receberam mais do que R$ 25 mil de receita de campanha têm maior probabilidade de ter uma página, manter a página ao longo de toda campanha e possuem maior porcentagem de publicações de campanha.
Para as variáveis de intensidade (nº total de publicações) e impulsionamento, as médias passam a ser maiores a partir do quarto grupo (pelo menos R$ 50 mil gastos na campanha), com maior destaque para a diferença do grupo de candidatas que tinham mais dinheiro (mais de RS 100 mil ) e que representam apenas 20% do total de candidatas analisadas. As candidatas que receberam mais de R$ 100 mil de receita de campanha, portanto, são as que têm maior probabilidade de impulsionar postagens e as que postaram um maior número de publicações.
Para responder à segunda pergunta, cruzamos as variáveis sobre o uso do Facebook com informações socioeconômicas das candidaturas, como raça, grau de instrução, estrato sócio-ocupacional e idade. Com isso, observamos que candidatas com ensino superior e candidatas brancas possuem mais acesso ao Facebook e utilizam essa rede social de maneira mais intensa do que as mulheres sem ensino superior e mulheres negras presentes na disputa. Candidatas pertencentes a estratos sociais mais elevados, além de possuírem mais acesso, utilizam essa rede social com mais foco em sua campanha quando comparadas com candidatas de estratos mais baixos. E mulheres mais jovens utilizam de maneira mais intensa o Facebook do que as candidatas de mais idade.
Embora o uso das redes sociais possa trazer maior autonomia para as candidaturas, por não depender de decisão da executiva dos partidos – diferente do que acontece com a distribuição dos recursos tradicionais de campanha, como o tempo de rádio e TV e de dinheiro proveniente dos Fundos Partidário e Eleitoral – diversos fatores podem influenciar a forma como uma candidatura utiliza as redes. Receber parte dos recursos dos fundos públicos significa ter mais oportunidades de fazer uma boa campanha no Facebook, pois a candidata poderá contratar profissionais para cuidar da página e criar conteúdos focados na campanha, pensar em publicações específicas para o público que se busca atingir, além de abrir possibilidades de se utilizar o dinheiro para a realização de impulsionamentos, extrapolando os limites da rede mais restrita da candidatura, de modo a ampliar o contato com potenciais eleitores. De acordo com Carolina, “fazer uma página crescer dá trabalho. Em geral, você precisa de uma equipe de comunicação, que também dá gasto (…) Se você não tem essa equipe é óbvio que você não vai conseguir ter o know-how necessário, as coisas necessárias para disputar em pé de igualdade nas mídias sociais”.
Além disso, a forma como se utiliza uma rede social pode estar associada a outros fatores como menos habilidades de algumas pessoas para o aproveitamento de todas as funcionalidades que a rede tem a oferecer, a qual tipo de equipamento uma pessoa tem acesso e também se possui acesso à internet e a qual tipo de conexão (rede móvel ou banda larga). Também o escasso tempo para se dedicar a uma campanha online, que pode inclusive estar ligado com os papéis de gênero ainda reproduzidos na sociedade, como o maior cuidado da casa e dos filhos pelas mulheres. Isso pode restringir as possibilidades, principalmente das mulheres, de construírem uma boa campanha em ambiente online.
Nas entrelinhas do que à primeira vista parece uma performance democrática, ainda estão presentes diversas desigualdades que restringem as oportunidades de uma candidatura atingir maior visibilidade em ambiente virtual e, possivelmente, ampliar as chances de conquistar um espaço na política institucional brasileira.
Receber apoio financeiro dos partidos é essencial para as candidaturas construírem campanhas que gerem maior visibilidade por meio das redes sociais. E ter acesso à capacitação também, justamente para que possam adquirir habilidades e usufruir das funcionalidades disponíveis nessas redes. Esses fatores podem contribuir sobremaneira para que as candidatas alcancem mais pessoas, ampliem o seu eleitorado e tenham mais chances de conquistar uma vaga em uma Casa Legislativa.
Juliana Fabbron Marin Marin é doutoranda em Administração Pública pela EAESP/FGV e pesquisadora da FGV Direito SP; Catarina Barbieri e Luciana de Oliveira Ramos são professoras da FGV Direito e pesquisadoras do CEPESP/FGV.
Este é o quarto artigo da série “CANDIDATAS EM JOGO” que aborda (e em alguns casos atualiza para as eleições de 2020) temas presentes na pesquisa “Democracia e representação nas eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero”, da FGV Direito SP e do FGV Cepesp, que deu origem ao livro “Candidatas em Jogo”