CANDIDATAS EM JOGO: vereadoras eleitas em SP trazem capitais de movimentos sociais

CEPESP  |  4 de dezembro de 2020
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Por Vanilda Chaves, Catarina Barbieri e Luciana de Oliveira Ramos*

Em 2018 foi muito noticiado pela mídia que a Câmara dos Deputados passou por uma grande renovação política. Naquele pleito foram eleitos, aproximadamente, 15% de deputados e deputadas federais que nunca haviam exercido cargos na política institucional – grupo que chamamos de novatos na política. Esse fenômeno motivou a análise da trajetória e dos capitais políticos desses agentes, com o objetivo de compreender fatores que podem ter contribuído para essa entrada na política e as especificidades de gênero na incidência dos capitais. Em 2020, a taxa de renovação na Câmara Municipal de São Paulo foi de 32,7%, e entre as mulheres novatas destacam-se àquelas com capital político vindo de movimentos sociais.

O capital político pode aumentar a força de algumas candidaturas na disputa eleitoral e se expressa pela experiência e visibilidade, pelo prestígio ou reconhecimento conquistados por esses agentes durante sua carreira política e profissional. Para se desenvolver, esse capital depende do reconhecimento (prestígio) dos pares, ou seja, quanto mais capital político acumulado, maior autoridade os agentes possuem no campo político e, assim, conseguem galgar outros cargos. Eles são, portanto, uma das regras informais que regem o jogo eleitoral. 

Livro disponível para download gratuito

A pesquisa realizada pela FGV Direito SP, em parceria com o Centro de Política e Economia do Setor Público (FGV Cepesp), investigou qual o efeito das regras formais e informais na inserção de mulheres na política institucional brasileira. Esse foi o foco do livro “Candidatas em Jogo”, um estudo sobre o efeito das mudanças na legislação eleitoral sobre a representação de mulheres na política nacional. Dados trazidos no sexto capítulo mostram que, nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, a construção dos capitais políticos pelas novatas eleitas em 2018 passou por caminhos diferentes dos trilhados pelos homens, e que as mulheres encontram formas menos tradicionais de acessar o campo político. 

Naquele capítulo, a partir de um banco de dados original, mapeamos os seguintes capitais políticos para as deputadas e deputados federais eleitos em 2014 e 2018: (i) ocupação de cargos públicos, (ii) ocupação de cargos partidários, (iii) atuação em movimentos sociais, (iv) visibilidade midiática, (v) presença de familiares na política, (vi) liderança em religiões organizadas e movimentos leigos autorizados pela hierarquia religiosa, (vii) atuação como militares e outros agentes de segurança pública e (viii) atuação em sindicatos e associações (de trabalhadores e patronais).

Com a realização das eleições municipais, abre-se a possibilidade de pensar como se deu a entrada de candidatas e candidatos novatos na política municipal. Será que os mesmos resultados serão verificados para as novatas de 2020? Pensando nisso, realizamos uma análise com as novatas e os novatos eleitos para a Câmara municipal de São Paulo – o maior colégio eleitoral do país – e comparamos com os resultados encontrados para as deputadas e deputados federais novatos eleitos em 2018, que estão disponíveis no livro “Candidatas em jogo”.

Eleições 2020: os capitais políticos das vereadoras e vereadores novatos eleitos para Câmara Municipal de São Paulo

Enquanto o percentual de vereadoras eleitas em todo o Brasil aumentou de 13,5% para 16% nas Câmaras de Vereadores do país, em São Paulo, a representatividade de mulheres passou de 20% para 23,6%. A partir de janeiro de 2021, serão 13 vereadoras na Câmara Municipal de São Paulo. 

Em 2020, identificamos uma taxa de renovação de 32,7% na Câmara Municipal paulistana, tendo sido reeleitos 37 vereadores e vereadoras de um total de 55 cadeiras em disputa (o equivalente a 67,3%). Entre as candidaturas que conquistaram a reeleição há uma clara diferenciação por gênero: 32 homens (86,5%) contra 5 mulheres (13,5%) reeleitas.  

Das 13 vereadoras eleitas, 4 são novatas na política (31%). Já entre os 42 vereadores eleitos, 5 são novatos na política (totalizando 11,9%).

Quando olhamos para os perfis das/os novatas/os eleitas/os em 2020, verificamos uma diferença bem acentuada: entre as deputadas e deputados federais eleitos em 2018 havia a predominância de pessoas brancas (85% das novatas e 72% dos novatos), enquanto em 2020 todas as novatas são negras e todos os novatos são brancos. Isso é um elemento importante para pensarmos sobre quem está acessando o legislativo na cidade de São Paulo, pois, como veremos a seguir, pesam tanto a dimensão de gênero como a de raça/cor na construção de capitais políticos entre as pessoas que disputam os cargos de deputado federal e vereador.

Enquanto em 2018 quase todas as deputadas novatas possuíam ensino superior (95%), em 2020 apenas metade delas tem essa escolaridade. Quanto ao estado civil, também identificamos diferenças entre deputadas/os e vereadoras/os novatas/os: todas as vereadoras novatas são solteiras, enquanto alguns homens são casados (40%), solteiros (40%) e divorciados (20%). Entre as pessoas novatas de 2018, predominavam as casadas (65% das novatas e 69% dos novatos).

A faixa etária também é um fator de diferenciação importante entre novatas e novatos eleitos em 2020. 75% das novatas (3 de 4) possuem menos de 30 anos e 25% (1 de 4) têm entre 31 e 39 anos; já entre os vereadores novatos, 20% (1) está nessa faixa etária. O restante dos novatos tem 40 anos ou mais (40% entre os 40 e 49 anos e 40% acima dos 60 anos). Isso mostra que as novatas eleitas são mais jovens do que os novatos. A média de idade delas é de 30 anos e a deles é de 50 anos.

No que diz respeito aos capitais políticos, também encontramos disparidades entre vereadoras/es e deputadas/os federais.

Enquanto as deputadas federais novatas possuíam uma incidência maior de capital político (95%) do que os novatos (87%), todas as novatas e novatos eleitos à vereança por São Paulo possuem algum dos capitais políticos mapeados. 

Semelhante à análise realizada no livro, encontramos uma diferença expressiva quanto aos capitais políticos que aparecem para homens e mulheres. Para elas, os mais frequentes foram o capital midiático (55%) e de movimentos sociais (40%), enquanto para eles os capitais ficam em torno dos 20%, como vemos no gráfico ao lado, reproduzido do livro. Entre homens e mulheres, há uma diferença na frequência de capitais, pois para eles foram mais frequentes os capitais de militares e outros agentes de segurança pública (25%) e de cargos internos do partido (15%) do que para as novatas. Enquanto o capital religioso, de movimentos sociais e midiático foram mais frequentes entre as novatas do que entre os novatos. 

Nas eleições municipais de 2020, os capitais mais frequentes para as vereadoras novatas foram o de movimentos sociais (38%), cargos públicos (25%) e midiático (13%) — ver gráfico 2 abaixo. Para os vereadores novatos, os capitais com maior incidência foram o midiático (33%), o capital de militares e segurança pública (22%) e o religioso (11%). Há uma mudança na incidência dos capitais de 2020 em relação a 2018, pois os capitais midiático e religioso, que agora aparecem mais para os homens, foram os mais frequentes para as deputadas novatas do que para os deputados novatos naquele pleito.

Em 2018, o capital familiar foi mais frequente entre as deputadas novatas (30%) do que entre os deputados novatos (18%). Uma das tendências já verificadas entre as deputadas novatas foi que, apesar de o capital familiar ter sido muito relevante para as deputadas novatas no pleito de 2018, ele deixou de ser o principal capital sustentando o ingresso delas em comparação a 2014. Nestas eleições, dois capitais tradicionais, o capital familiar e o de cargos internos dos partidos, não foram verificados para as vereadoras e vereadores novatos. Os capitais de sindicatos e associações patronais e de sindicatos e associações de trabalhadores também não apareceram para as vereadoras e vereadores novatos. 

Em termos mais gerais, os resultados encontrados na análise das vereadoras e vereadores novatos eleitos em 2020 estão em consonância com nossa pesquisa realizada com as deputadas e deputados federais novatos, pois desde lá foi verificado uma menor incidência de capitais tradicionais em relação a outros capitais, como o de movimentos sociais e o midiático.

Como verificamos com as deputadas e deputados federais novatos eleitos em 2018, há especificidades de gênero na mobilização de capitais: os homens novatos usufruem mais de capital de militares e outros agentes de segurança pública — delegado pela instituição policial. Em 2020 foram eleitos dois policiais civis, Delegado Palumbo e Felipe Becari; os quais também possuem capital midiático por sua atuação em programas de TV e na internet. Para os homens ainda aparecem as capitais de cargos públicos e o religioso. 

Entretanto, a mobilização de capitais para os vereadores novatos de São Paulo se dá em termos diferentes do que para os deputados federais novatos. As deputadas e deputados novatos possuíam, em geral, mais de um tipo de capital político, pois, para pleitear uma vaga na Câmara dos Deputados, os eleitos têm uma carreira política consolidada por já terem atuado em cargos públicos, partidários de instituições de segurança pública ou mesmo em movimentos sociais. Já as vereadoras e vereadores novatos usufruem de menos capitais, isto é, embora todos as eleitas e eleitos tenham algum dos capitais mapeados, muitas vezes possuem somente um deles.

Não sugerimos uma relação de causalidade entre os capitais e o sucesso eleitoral, mas é notável que há regras informais tanto as eleições nacionais como as eleições locais e, portanto, possuir mesmo que apenas um tipo de capital pode ter pautado o reconhecimento dentro do partido e a conquista do prestígio do eleitorado. 

Com relação à ausência do capital familiar entre as vereadoras e vereadores novatos podemos formular uma série de hipóteses. A principal delas é de que as pessoas que mais usufruem desse tipo de capital são aquelas que foram reeleitas, ou seja, que entraram na política há certo tempo e permanecem durante anos transitando entre a política local e a nacional, como as famílias Bezerra, Covas, Leite, Tatto e Tripoli, em São Paulo, assim como outras Brasil afora.

É significativo que as vereadoras novatas sejam negras e ligadas a movimentos sociais, sendo duas delas LGBTI+, o que sugere que a representatividade de certos grupos teve força nas urnas este ano. Para as vereadoras novatas, o principal capital foi o de movimentos sociais: Erika Hilton, Luana Alves e Elaine do Quilombo Periférico atuam nos movimentos LGBTI+, de mulheres negras e nas organizações estudantis, que reúnem pautas de diversos grupos marginalizados. Nesse sentido, uma outra novidade foi o boom de candidaturas coletivas (de 13 em 2016, passou-se a 257 candidaturas este ano, de acordo com dados do CEPESP/FGV). Por meio de uma proposta conjunta, em geral oriunda dos movimentos sociais, as candidaturas coletivas se apresentam como uma nova forma de acessar e disputar a política institucional, reunindo pessoas com trajetórias, experiências e capitais políticos distintos. Em 2020, diversos agentes legitimados pelos movimentos sociais disputaram espaços na política institucional e conseguiram ser eleitos. Isso demonstra — seguindo a tendência já verificada no livro “Candidatas em Jogo” — que as novatas eleitas para Câmara Municipal de São Paulo percorrem caminhos diferentes dos tradicionais para adquirir seus capitais políticos.

*Vanilda Chaves é doutoranda em Sociologia na USP e pesquisadora do Núcleo de Sociologia, Gênero & Sexualidade (NÓS/USP) e do projeto Mulheres Eleitas (LAPPCOM/UFRRJ); Catarina Barbieri e Luciana de Oliveira Ramos são professoras da FGV Direito e pesquisadoras do CEPESP/FGV.

Este é o terceiro artigo da série “CANDIDATAS EM JOGO” que aborda (e em alguns casos atualiza para as eleições de 2020) temas presentes na pesquisa “Democracia e representação nas eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero”, da FGV Direito SP e do FGV Cepesp, que deu origem ao livro “Candidatas em Jogo”

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