Embora o controle dos eleitores sobre o comportamento dos políticos seja imperfeito mesmo em democracias consolidadas e maduras, quando uma preferência se revela marcadamente dominante em uma sociedade seria no mínimo racional que políticos alinhassem o seu comportamento a tal preferência.
No início de abril, por exemplo, o Datafolha apontou que 63% dos eleitores brasileiros apoiam a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff a partir do que já fora revelado na operação Lava-Jato. De acordo com o mesmo instituto de pesquisa, mais de 60% dos eleitores consideram o governo Dilma ruim ou péssimo.
Passado mais de um mês da revelação dessas informações e mesmo após os grandes protestos dos dias 15 de março e 12 de abril e de vários panelaços, a oposição ao governo Dilma, especialmente o seu principal partido político (PSDB), ainda não deixou clara a sua posição em relação ao impeachment da presidente. Ora algumas de suas lideranças se posicionam favoráveis, ora outras lideranças se posicionam de forma mais reticente, afirmando que ainda não existiria elementos suficientes para o impeachment ou condições jurídicas para justifica-lo.
Como mais uma evidência dessa hesitação, uma parcela da oposição acaba de garantir, com 33 infidelidades, a vitória apertada do governo na Câmara dos Deputados do texto base da Medida Provisória que amplia o tempo de trabalho necessário para requisição do seguro-desemprego. Se a oposição tivesse sido coesa e disciplinada, o governo teria amargado mais uma importante derrota no Legislativo.
O que justificaria tamanha hesitação da oposição? Ao menos duas explicações se revelam possíveis.
Uma delas seria o cálculo estratégico entre os prováveis altos custos da liderança de um processo de impeachment em relação aos benefícios políticos dele decorrentes. Embora tenha perdido as eleições para a presidência em 2014, a oposição sentiu-se vitoriosa e competitiva diante da pequena margem de diferença. O escândalo de corrupção do petrolão, de cifras bilionárias, tem fragilizado não apenas ao governo Dilma como também afetado em cheio o próprio PT. Além do mais, a mudança radical de política macroeconômica empreendida pelo governo no início de seu segundo mandato, ancorado em um vigoroso ajuste fiscal, que gera perdas de curto prazo de formageneralizada, tem sido interpretada como um verdadeiro estelionato eleitoral.
Nutre-se, na oposição, interpretações de que esse ciclo político sob a liderança do PT estaria chegando ao fim e que o cambaleante governo Dilma seria seu ocaso. Além disso, a oposição dispõe de candidaturas críveis à Presidência da República em 2018. Portanto, nada mais racional do que esperar na “zona de conforto” que todos os custos recaiam no governo e no PT, enquanto a oposição permanece na espreita.
Uma segunda e possivelmente complementar explicação para a hesitação da oposição em relação ao impeachment seria o receio de ser confundida como uma saída de “direita” ou “autoritária”. Similar ao ocorrido com políticos conservadores após a redemocratização, que se envergonhavam do rótulo de “direita”, por ser esse termo associado com a ditadura e a repressão durante o regime militar, a oposição hoje tem receios de ser acusada de “golpista”, como se a defesa da legalidade democrática e a crítica radical à má gestão e à corrupção generalizada no governo Dilma só pudesse se configurar em uma plataforma política de “direita”.
Ou seja, a oposição parece ter perdido o debate público para o PT por não ter conseguido desvincular o impeachment de possíveis artifícios golpistas. Quando, na verdade, o impeachment é único instrumento constitucional e legítimo de democracias presidencialistas em situações extremas, para se livrar de um presidente que comete crimes de responsabilidade.
A democracia depende do debate, e todo debate se ancora em visões diferentes de mundo e de agendas. Situação e oposição não podem ser confundidos jamais com bem e mal ou com anjos e demônios. O PT é filho da democracia, e da existência de agendas de oposição depende a continuação dela. O papel da crítica e da chamada de responsabilidade dos governos eleitos é fundamental para a boa governança e a correção das ações irresponsáveis e desvios de conduta. Nenhuma hesitação deve se justificar por comportamentos avessos a risco. A política exige a capacidade de ser proativo, mesmo em zonas de desconforto.