Na segunda entrevista da série “CEPESP NAS ELEIÇÕES”, o cientista político e professor da FGV-SP, Cláudio Couto, aponta que a dificuldade da presidente Dilma Rousseff de se manter na liderança da corrida eleitoral vai muito além do desgaste do PT após 12 anos no poder.
Saiba mais:
1) Esta eleição presidencial tem sido uma das mais acirradas – e inusitadas – desde 1989. É um sinal de que estamos chegando à maturidade democrática?
Não creio que o acirramento da disputa, bem como o inusitado, sejam necessariamente sinais de maturidade. A meu ver eles espelham uma conjugação de fatores. Primeiramente, o desgaste do governo Dilma e do próprio PT, após tantos anos à frente da administração federal. Mas o tempo não explica tudo. Após um longo período de melhora das condições sociais e econômicas do país, desde o Plano Real, chegamos a um momento de estancamento. A combinação da melhora com o estancamento faz com que as expectativas cresçam, mas a capacidade de satisfazê-las diminua. Isso gera frustração, explicando junho de 2013, mas também a baixa aprovação do governo. Com isso, fica mais difícil para a presidente garantir sua reeleição. Contudo, nem os adversários não se mostraram tão fortes assim, ao ponto de suplantar a presidente, nem ela deixou de manter apoio considerável junto aos setores mais pobres da população – exatamente aqueles que foram mais fortemente beneficiados pelas políticas governamentais nos últimos 12 anos.
2) Temos visto um sentimento anti-PT muito forte. Depois de quase 12 anos, o partido ainda tem capital político para garantir a permanência no poder?
O sentimento anti-PT é um dos fatores que dificulta a reeleição da presidente, mas talvez não seja suficiente para inviabilizá-la. Principalmente porque esse sentimento não se distribui uniformemente pelos diversos segmentos da população. O PT se desgastou mais junto aos setores de médias e altas rendas. Isso decorre de dois fatores, não necessariamente vinculados, mas muitas vezes combinados. O primeiro foram os escândalos de corrupção protagonizados pelo partido. Eles desgastaram muito a sua imagem, sobretudo considerando-se que antes de chegar ao governo federal o PT posava de vestal. Daí, quanto maior a altura, maior o tombo. O segundo fator foi o efeito das políticas de redução da pobreza e combate à desigualdade sobre a autoestima das camadas médias e altas. Ao promoverem a ascensão social de amplos setores da população, fazendo-lhes ingressar em espaços antes exclusivos das camadas estabelecidas, as políticas do PT acenderam o ressentimento dos que perderam a sua distinção. Daí o desprezo que muitos dos que compõem esses segmentos expressam com relação às políticas sociais: “bolsa-esmola”, “assistencialismo”, “populismo” etc.. Os dois fatores são criticados duramente nas mídias sociais e também pelos publicistas simpáticos a esses setores, associando inclusive a corrupção às políticas sociais, como se fossem um amálgama só. Isso compõe o caldo ideológico de uma nova direita que alimenta e manifesta o antipetismo. O PSDB tornou-se o destinatário mais natural desse sentimento, inclusive reorientando-se à direita.
3) Qual a sua opinião sobre a “nova política” defendida por Marina Silva (PSB)?
A nova política é uma negação. Ela nega o status quo em suas diversas expressões: uma, estrutural, o presidencialismo de coalizão e as concertações que ele propicia; outra, conjuntural, a bipolarização PT/PSDB. A “nova política” tenta posicionar-se contra esse status quo, tanto pela negação das negociações que o presidencialismo de coalizão requer, quanto pela tentativa de propor políticas públicas que estejam a meio caminho entre as perseguidas pelos governos dos dois partidos. Mas ela o faz propondo uma política bem mais personalista e voluntarista, que me parece de difícil concretização. Por isso, falta à “nova política” uma dimensão positiva, que explique não só o que ela não é, mas o que ela viria a ser. Isto, até agora, não foi apresentado de forma crível.
4) Pela primeira vez o PSDB pode ficar de fora do segundo turno de uma eleição. O partido está perdendo força? Onde ele errou?
A fragilidade do PSDB constitui-se num longo processo. Ao adernar à direita para constituir-se no anti-PT, o partido deixou de reconhecer que o eleitor mediano brasileiro, que é quem decide a eleição, está à esquerda do antipetista mediano. Com isto, fragilizou-se. O PSDB apenas não vinha sentindo mais fortemente os efeitos disso porque não havia surgido uma alternativa plausível aos tucanos no plano nacional, o que ocorreu com Marina. Ademais, a entrada de Marina, do jeito como se deu, desorganizou as referências estabelecidas sobre a competição eleitoral presidencial na cabeça do eleitorado. Aécio foi a vítima circunstancial desse imbróglio, mas qualquer outro tucano poderia ter sofrido isto da mesma forma.
5) Faltam poucos dias para o primeiro turno das eleições. O que podemos esperar da campanha até lá?
Pelas circunstâncias, Marina Silva deve ser o pivô da disputa. Para os tucanos, é o caso de desqualificá-la para tentar retomar o lugar no segundo turno. Isso, porém, parece-me cada vez mais difícil, já que Aécio derreteu e fica difícil retomar o espaço perdido; ainda mais considerando-se o problema da opção do PSDB pelo antipetista mediano, mais que pelo eleitor mediano. Para o PT é o caso de desqualificar Marina para que ela vá mais enfraquecida para o segundo turno. O processo de desconstrução de sua imagem começa antes, para haver menos dificuldades depois. Ainda mais considerando-se que no segundo turno o PT perderá um grande trunfo de que dispõe agora, que é a descomunal vantagem no tempo de TV e rádio.