Cláudio Couto: não há motivo para impeachment

CEPESP  |  18 de agosto de 2015
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O PSDB, principal partido da oposição, ajudou a convocar os protestos do último domingo. Aécio Neves e José Serra participaram dos atos em Belo Horizonte e São Paulo, respectivamente. Mas a mobilização, embora muito expressiva, parece menor do que a de março.
É um paradoxo criado pelo sucesso do primeiro protesto. A manifestação de março foi tão grande que qualquer coisa que viesse depois muito provavelmente seria menor. Mas não podemos cair na ilusão de que o ímpeto para protestar está menor. É só uma questão de contraste. Se me permite uma analogia com o futebol, é como se um time vencesse o primeiro jogo do campeonato com uma goleada de 5 a 0, e depois continuasse a vencer as demais partidas, mas por um placar menor, 2 a 0 ou 1 a 0. Muita gente poderia dizer que o rendimento caiu, mas a equipe pode sair campeã invicta. Percebe? Não dá para menosprezar o número de pessoas que saiu às ruas.

 

De fato, a situação do governo Dilma Rousseff não é nada confortável. Diferentes pesquisas indicam uma reprovação superior a 70%, e cerca de dois terços seriam simpáticos à proposta de impeachment. Como é possível reagir diante desse cenário de insatisfação tão evidente?
A saída para o governo é continuar trabalhando, ter paciência e descentralizar as decisões, delegar funções a quem realmente pode manejar melhor a situação. Refiro-me, aqui, a duas questões centrais. A política econômica da gestão anterior é uma política fracassada. Quando a presidente delega ao ministro Joaquim Levy a tarefa de formular uma nova política econômica, capaz de ter maior respaldo do mercado, de levar os empresários a retomar os investimentos, que evite o colapso das contas públicas, ela abre mão do que acredita, mas não deu certo, para tentar salvar a economia.

A segunda abdicação se deu na articulação política. Foram tantas trapalhadas nas relações com o Congresso que a governabilidade ruiu. Antes de confiar essa tarefa ao ministro Aloizio Mercadante, que foi muito inábil, Dilma apostou em Ideli Salvatti, em Gleisi Hoffmann, no Luiz Sérgio, mas a nenhum deles ela deu autoridade de fato para selar acordos, sem antes conferir tudo o que foi negociado. Aí fica complicado travar qualquer tipo de negociação.

Diante desse fracasso, ela confiou a articulação política ao vice Michel Temer, presidente nacional do PMDB.

Sim, ela teve abdicar de todo esse controle que tinha para tentar obter algum sucesso com o Temer. O vice-presidente hoje pilota a articulação política porque o grupo mais próximo a Dilma era incapaz de fazê-lo. Acredito que, também nisso, a presidente está correta, pois era a única alternativa que lhe restava. A articulação com senador Renan Calheiros, para brecar a pauta do homem-bomba da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (risos), é indispensável para uma lenta recuperação. Tínhamos um governo nocauteado, que começa a esboçar uma reação. Evidentemente, ainda corre o risco de passar mais três anos fragilizado. Mesmo assim, tem condições de tocar o barco para frente.

As manifestações voltaram a dar muito destaque à bandeira anticorrupção, mas com um foco específico: a corrupção do governo petista. Eduardo Cunha e outros caciques do PMDB investigados pela Lava Jato quase não foram lembrados. Em alguns casos, chegaram até a receber mensagens de apoio. O que explica essa indignação seletiva?
No fim das contas, a maior parte das pessoas faz julgamentos morais sobre os outros de acordo com as suas preferências. Então, a corrupção dos meus desafetos políticos é grave. A corrupção dos meus preferidos é aceitável. Isso, de alguma maneira, os diferentes grupos políticos fazem. Essa intolerância contra a corrupção do PT tem, como contraparte, a tolerância que esses mesmos grupos tinham em relação ao Maluf ou a certos governos tucanos. Ao abraçar Cunha como aliado, esses grupos partem daquela velha premissa: “O inimigo do meu inimigo é meu amigo”. A bandeira anticorrupção, portanto, passa a ter importância secundária.

Após a sinalização de um acordo com o presidente do Senado, Renan Calheiros, em torno da chamada “Agenda Brasil”, e dos protestos de hoje, o movimento pró-impeachment ganha ou perde força?

Eu acho que o movimento perde força. O impeachment depende de uma série de fatores combinados. Um deles é a existência de uma razão jurídica forte. Parece-me não haver ainda uma razão jurídica suficiente para colocar a presidente contra a parede. Não há nada que a vincule diretamente aos problemas encontrados na Petrobras, não há nenhuma arma fumegante em relação às contas de campanha, nenhum indício de benefício pessoal da presidente de algum esquema ilícito.

E a questão das “pedaladas fiscais”, que me parece o aspecto mais forte do ponto de vista jurídico, carece de um novo entendimento do Tribunal de Contas da União. Aparentemente, o TCU aprovou em governos anteriores as mesmas práticas que hoje estão sendo questionadas. Então, se as pedaladas fiscais já eram praticadas antes, com a anuência do TCU, os ministros da corte não podem julgá-las irregulares retroativamente. Esse é um argumento levantado pelo governo que me parece bastante plausível.

E do ponto de vista político?
Se a presidente reconstruir a ponte com ao menos uma das Casas Legislativas, por meio dessa articulação com o senador Renan Calheiros, ela fica mais protegida. Quem realmente vem colocando Dilma contra a parede é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Se, nos desdobramentos da Operação Lava Jato, surgir coisas mais robustas contra ele, Cunha é neutralizado. Portanto, as condições políticas para o impeachment são mais frágeis do que as existentes algumas semanas atrás. Mas nada impede, evidentemente, uma mudança no cenário.

Basta o TCU jogar lenha na fogueira em relação às pedaladas fiscais ou a Lava Jato trazer novidades capazes de dinamitar essas articulações…
Ou mesmo se o governo voltar a fazer alguma trapalhada na articulação política. Dilma não precisava, por exemplo, de um aliado como aquele dirigente da CUT, que declarou estar disposto a “pegar em armas” para defender a presidente, durante um ato público, em prédio oficial. Parece até um infiltrado disposto a sacanear, pois é inconcebível um aliado, diante do atual cenário, dar uma declaração tão infeliz. Idiotices como essa só contribuem para avinagrar o caldo. Por outro lado, no PSDB ninguém se entende. Há setores que apoiam o impeachment, outros falam em exigir a renúncia de Dilma, tem até essa conversa maluca de antecipação de eleições. Como a própria oposição está dividida, fica cada vez mais complicado falar em impeachment.

(Entrevista a Rodrigo Martins, publicada em agosto no site da Carta Capital)

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