Uma das principais propostas do governo do presidente Bolsonaro é a realização da reforma da Previdência, para combater o crescente déficit orçamentário do governo, influenciado, principalmente, pelo rombo no sistema previdenciário.
As mudanças foram apresentadas recentemente, e o projeto tramita no Congresso, em que será aprovado ou não. Mas, afinal, como esse processo ocorre?
A reforma da Previdência (PEC 6/19) é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), ou seja, busca alterar ou incluir algo na Constituição Brasileira. Inicialmente, uma PEC é apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. Nela, será avaliada a admissibilidade do projeto em termos técnicos e de constitucionalidade, ou seja, se a proposta está de acordo com os dispositivos constitucionais que determinam o processo de modificação da própria Constituição.
O cientista político e pesquisador do Cepesp/FGV, Lucas Costa, explica que, uma vez que a CCJC conceda parecer pela admissibilidade, a presidência da Câmara cria uma Comissão Especial que examinará o mérito (conteúdo) da proposição, podendo também considerar emendas à proposta e a realização de audiências públicas.
A Comissão analisará um parecer do relator sobre o projeto e, caso ele seja aprovado, a proposta será encaminhada para discussão e votação no plenário da Câmara.
A votação ocorre em dois turnos, e, para que o projeto seja aprovado, ⅗ dos membros da Câmara (308 deputados) devem votar a favor. A partir daí, ele será enviado ao Senado, em que a PEC também será analisada pela CCJC, que dá parecer quanto à admissibilidade e mérito do projeto.
Se aprovada, a PEC é encaminhada para o plenário do Senado, em que ocorrerá a votação, também em dois turnos e dependente de ⅗ dos votos, para a aprovação (49 senadores).
Com isso, o projeto é promulgado pelo presidente do Congresso (o presidente do Senado Federal), entrando em vigor.
Ao longo do processo, é possível realizar alterações numa PEC, o que pode ocorrer em alguns momentos da tramitação. Na CCJC da Câmara, segundo Lucas Costa, são “admitidas apenas alterações de caráter saneador, isto é, emendas que visem corrigir erros técnicos que impediriam a admissibilidade da proposta.”
Já na Comissão Especial, podem ser apresentadas emendas de mérito (conteúdo), nas suas dez primeiras sessões, a partir de requisições com apoio de ao menos 171 deputados (⅓ da Câmara).
As mudanças também podem ocorrer no Senado, tanto na sua CCJC como ao longo do primeiro turno de votações. Em ambos os casos, é necessário o apoio de ⅓ dos senadores. Já no segundo turno, são apresentadas emendas de mérito, podendo ser alterados elementos de redação ou de caráter técnico. Caso seja aprovada alguma emenda que modifique o texto, ele será enviado novamente para a Câmara, onde será analisado pela CCJC da casa.
Costa destaca que, para ele, em caso de modificações, o processo não recomeça do zero, já que “serão apreciados apenas os elementos alterados pelo Senado, sendo possível afirmar que o projeto se encontra num estágio mais avançado do que quando foi apresentado originalmente pelo Presidente da República”.
Todo esse processo de tramitação está detalhado no artigo 60 da Constituição Federal de 1998, bem como pelos regimentos internos da Câmara (artigos 201 a 203) e do Senado (artigos 354 a 373). Os dois regimentos foram definidos em 1989, por meio das resoluções 17 (Câmara) e 18 (Senado). Todas as etapas são obrigatórias, e não podem ser evitadas.
Uma figura central nesse processo é a do relator. Tanto nas comissões da Câmara quanto nas do Senado, ele é responsável por analisar o texto do projeto a partir de determinados aspectos e emitir um parecer sobre isso. A escolha do redator segue uma negociação entre as lideranças partidárias, com o presidente da comissão indicando um membro da mesma para o cargo. O presidente de uma comissão é eleito pelos seus membros. O atual presidente da CCJC da Câmara é o deputado Felipe Francischini (PSL/PR), e a do Senado é a senadora Simone Tebet (MDB/MS).
Além disso, os presidentes de cada casa legislativa também são muito importantes. Eles são responsáveis por receber e despachar as propostas para a CCJC e por conduzir os trabalhos durante as fases de Plenário, nos dois turnos da votação. São eles que determinam quando a proposta será enviada para uma comissão, e quando a votação irá ocorrer, podendo barrar, ou não, a proposta.
Costa explica que um grande desafio para aprovar qualquer PEC é a conquista de maioria de ⅗ dos membros de ambas as casas. Ele ressalta que isso seria especialmente desafiador para o governo atual, “por conta de sua inexperiência em negociações com o Legislativo, expressa na escolha de manter alianças com as bancadas temáticas, ao invés de negociar apoio diretamente com as lideranças partidárias, visando uma coalizão majoritária mais estável no Congresso”.
Outro fator importante é a impopularidade tradicionalmente atrelada a propostas de reforma da Previdência, com forte resistência por parte de vários setores da sociedade. Costa comenta que “a situação se agrava por conta da estrutura previdenciária brasileira, caracterizada por regimes desiguais que privilegiam alguns setores sociais, gerando um elemento maior de complexidade quanto aos diferentes interesses envolvidos”.
Um último fator limitante para a aprovação desse tipo de proposta é a popularidade do presidente. Um presidente popular consegue aglutinar mais partidos e políticos, facilitando a aprovação. Já um presidente impopular dificilmente conseguirá aprovar o projeto, o que ocorreu recentemente com o ex-presidente Michel Temer, mesmo tendo, em teoria, uma base grande o suficiente para aprovar uma PEC (como o que ocorreu com a chamada PEC do Teto).
Escrito por João Pedro Malar