Por Patrícia Alencar Silva Mello*
Enquanto os holofotes pairam sobre as macro-decisões diariamente tomadas na política nacional por países em diversos estágios de desenvolvimento, pouco se fala sobre políticas de inovação mais regionalizadas, como as que estruturam parques tecnológicos.

Apesar de locais, são políticas que buscam efeitos que extrapolam barreiras nacionais. Prometem recombinar o conhecimento produtivo que se acumula nas regiões em que se implantam, de modo a permitir que conexões estratégicas sejam estabelecidas com as complexas redes globais de produção. Essas, por sua vez, propensas a se dispersarem espacialmente e se fragmentarem organizacionalmente, influenciam e são influenciadas por esse tipo de ambiente de inovação.
Antes restritos a regiões de países desenvolvidos, parques tecnológicos vêm sendo lentamente estruturados por governos locais de países em desenvolvimento, como o Brasil. A justificativa da opção é a potencial capacidade que teriam para promover desenvolvimento local em termos econômico, inovativo, acadêmico, de cultura empreendedora, urbano e social.
Para além disso, é esperado que esses ambientes promovam acoplamentos estratégicos às redes globais de que fazem parte, e ainda sirvam de acesso privilegiado das regiões de sua influência à economia global.
Conceitualmente falando, parques tecnológicos são uma espécie de ambiente de inovação. Desempenham atividades baseadas em ciência, tecnologia e inovação por meio da atuação interativa dos chamados elementos da tríplice hélice inovativa: (i) a academia empreendedora, produtora do conhecimento; (ii) o setor produtivo acadêmico com seus laboratórios e centros de pesquisa, que transformariam esse conhecimento em riqueza; e (iii) o governo com a missão de promover desenvolvimento regional no novo contexto global interconectado.
Tudo por meio de programas e incentivos, que criam o espaço urbano adequado e para atrair os demais entes cruciais para o bom funcionamento desse ecossistema.
O que destaca parques tecnológicos em comparação aos demais ambientes de inovação é o fato de se configurarem como um grande empreendimento imobiliário mas orientado para uma missão muito específica.
Previamente projetados, contam com atores selecionados, um detalhado planejamento urbano prévio e estudos de viabilidade técnica, financeira e jurídica. As áreas em que se instalam são desimpedidas de quaisquer ônus e grandes o suficiente para abrigar fisicamente os diversos residentes envolvidos. Suas dimensões são inferiores a um município, mas não dispõem de personalidade jurídica própria.
Também não há modelo jurídico próprio para os centros estratégicos, as chamadas entidades gestoras, que administram os parques tecnológicos e reúnem em seus conselhos representativos diferentes interesses.
No Brasil, os parques são em sua maioria constituídos como associações civis e qualificados como organizações sociais, um título atribuído pela Administração Pública a entidades privadas, sem fins lucrativos. O qualificativo assegura o acesso a recursos e equipamentos públicos necessários para os fins entendidos como de interesse social, sem a consequente submissão a exigências próprias do regime de direito público. Assim, conseguem se manter com recursos públicos, sem perder a flexibilidade que sua atuação complexa exige.
São, portanto, arranjos híbridos, não público ou privado. Não são regidos pela lógica hierárquica da Administração Pública ou pela de mercado do setor privado. Dependem tanto dos incentivos do setor privado, como do controle típico do poder público. Seu principal ativo, o conhecimento produtivo inovador, é considerado bem de interesse público.
Surgem em locais onde ativos específicos prévios foram acumulados ao longo do tempo, resultado de políticas específicas anteriores. São conjunturas prévias que lhes dão condições de existência – pré-requisitos necessários, mas não suficientemente capazes de catalisar uma nova dinâmica para o espaço e gerar os impactos que a atual sociedade interconectada do conhecimento exigiria. São capacidades, atores e culturas inovadoras que vão se aglomerando na região até serem potencializados e escalados por meio de um projeto urbano inovador de parque tecnológico.
Não são eles que criam esses fatores inicialmente. Eles podem ser uma das soluções suficientes de política pública para melhor explorar as vantagens já trazidas pelo fenômeno da aglomeração. Criam, a partir daí, novas soluções inovadoras, ao mesmo tempo em que atraem centros de pesquisa e desenvolvimento de empresas globais líderes e internacionalizam atores locais. Formariam ali o ambiente institucional que oferece segurança a relações estabelecidas, assegura o nível de confiança e o aprendizado coletivo.
Isso explica o fato desse projeto não ser viável em qualquer localidade, mas também não ser apenas o fenômeno da aglomeração capaz de esclarecer a essência e o eventual sucesso de um parque tecnológico. Não basta a junção de vários elementos para que ambientes de inovação surjam, apesar de demandarem as consequências do processo de aglomeração. Dependem também de sua atuação conjunta, de forma planejada, sinérgica e sistêmica, bem como de um espaço urbano predefinido para atividades de pesquisa e desenvolvimento, das relações dinâmicas e do aprendizado não linear, mas interativo, cumulativo e interdependente.
Na prática, os parques tecnológicos assumem a configuração do que atualmente se identifica como distrito de inovação, um arranjo urbano híbrido concretizado em um espaço pré-planejado e que transforma conhecimento em desenvolvimento por meio de atividades inovativas sistêmicas. Seu maior escopo consiste na criação de ambientes sustentáveis em que a classe criativa, seus usuários, trabalha, vive e tem lazer – work, live and play.
É nesses espaços que se consolidam os chamados local buzz e as global pipelines. O burburinho do encontro e também os vínculos internacionais. Atores locais e globais coexistem em um único espaço e criam as conexões que induzem confiança, que reduzem custos de transação, que promovam transbordamentos tecnológicos e o compartilhamento de ideias.
É por todo esse potencial que não mais se pode ignorar decisões políticas locais como a de parques tecnológicos que, carregando a bandeira do desenvolvimento, puxado pela sofisticação e progresso tecnológico inovador, espalham-se agora por territórios diversos de países em desenvolvimento. São regionais por sua própria natureza urbana, mas imbuídas de propósitos maiores, macro regionais e globais. Ignorá-los sob a justificativa de que podem beneficiar poucos é fechar os olhos para uma realidade aparentemente irreversível e que merece ser monitorada e reestruturada se necessário para então servir de alternativas ao desenvolvimento na atual conjuntura global em que todos estamos inseridos.
Texto publicado originalmente no portal Jota.
Patrícia Alencar Silva Mello – Pesquisadora do Cepesp/FGV, Doutora em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP) na linha de pesquisa Política e Economia do Setor Público. Guest PHD Scholar na University of Cologne – Alemanha. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da FGV-SP. Pesquisadora visitante da Wisconsin University Law School na cidade de Madison – Estados Unidos e da Universidade de Stanford em Palo Alto – Estados Unidos.