Nos últimos anos, as mídias digitais se tornaram alvo das chamadas fake news, as notícias falsas ou manipuladas que se disseminam rápido pela internet e redes sociais. Em se tratando de política, porém, fake news é coisa do passado.
Historicamente, a veiculação de boatos faz parte da retórica político-partidária. Sobretudo quando a disputa política está acirrada como agora.
A corrida presidencial de 1910 é um bom exemplo. Naquela época, as elites costumavam negociar uma candidatura consensual à Presidência da República e lançá-la como a candidatura oficial apoiada pelo governo. Mas o então presidente Afonso Pena faleceu em 1909, antes de conseguir emplacar um nome consensual, e o seu vice, Nilo Peçanha, também falhou na tarefa.
Muito mais influente que Nilo, o senador Pinheiro Machado apresentou o general Hermes da Fonseca, ministro da Guerra, como candidato oficial à Presidência.
O senador Rui Barbosa resolveu desafiar Hermes nas urnas, criando a Campanha Civilista, pautada basicamente no repúdio à candidatura militar e na defesa da manutenção da Presidência da República nas mãos dos civis.
A disputa se tornou uma das eleições mais ferrenhas da história brasileira e deu margem a sucessivos boatos, como a suposta desistência de Hermes da corrida presidencial. A quantidade de rumores que chegou aos ouvidos do eleitor virou até charge d’O Malho em 1909, uma das maiores revistas satíricas do início do século XX.
Hermes venceu com 57% dos votos, e Rui Barbosa passou meses elaborando um recurso contra este resultado, para comprovar boatos de que era o verdadeiro eleito.
Outra corrida presidencial das mais disputadas da história brasileira teve início em 1921 e se individualizou por um boato histórico: o escândalo das Cartas Falsas atribuídas ao candidato do governo à Presidência da República, Arthur Bernardes, publicadas pelo Correio da Manhã.
Uma das cartas criticava os militares, e outra, o candidato da oposição, Nilo Peçanha. Bernardes conseguiu provar que as cartas foram forjadas por adversários políticos, para arruinar a sua candidatura, e se elegeu em 1922 com pouco mais de 55% dos votos. Contudo, não foi capaz de se conciliar com as forças armadas.
Ainda às vésperas da primeira experiência democrática (1946-1964), a mídia impressa era o principal meio de comunicação, e a maioria dos jornais pertencia a partidos políticos. Parcialidade, definitivamente, era a regra.
Evidência disso foi o que se passou na disputa presidencial de 1945 entre o brigadeiro Eduardo Gomes e o general Eurico Gaspar Dutra, candidato apadrinhado pelo ditador recém-deposto, Getulio Vargas. Há um mês das eleições, dava-se por certa a vitória do brigadeiro. Até a manipulação de uma declaração do presidenciável mudar o cenário eleitoral.
Gomes afirmou em comício que não precisava dos votos da “malta de desocupados” que apoiava o ditador. O principal sentido da palavra malta era “bando”, mas o jornalista getulista Hugo Borghi, do jornal “O Radical”, descobriu o outro significado menos conhecido desse termo: “operários que levavam marmitas”. Foi um prato cheio para o jornalista difundir o boato de que o brigadeiro dispensava o apoio dos “marmiteiros”, isto é, dos trabalhadores.
Borghi não parou por aí e chegou a publicar que Gomes também era contra as minorias, como protestantes e espíritas. Com fama elitista, o candidato amargou a derrota conquistando menos de 35% dos votos.
Levando em conta o histórico, a sucessão de fake news nas eleições de 2018 reflete o estímulo trivial desse tipo de boato: o acirramento político da corrida eleitoral. A grande diferença é a capacidade de disseminação desses boatos em tempo real, através das redes sociais e uso de bots.
Ainda é cedo para se tentar captar o peso das mídias digitais na formação das preferências eleitorais. Está claro, porém, que a produção de conteúdo sobre partidos e candidatos continuará se pautando pelo que tem de genuíno: a parcialidade.
Texto originalmente publicado no site Valor Econômico.
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Jaqueline Porto Zulini é cientista política e pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV)
Este artigo é de responsabilidade do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (Cepesp/FGV) faz parte da parceria “Eleição em Dados”, será publicado terça-feira em versão digital no “Valor PRO” e na quarta-feira em versão impressa pelo “Valor Econômico”