Eleição em Dados: Recadastramento biométrico é um passo à frente

CEPESP  |  18 de outubro de 2018
COMPARTILHE

biometria

A grande novidade da Justiça Eleitoral para as eleições de 2018 foi a obrigatoriedade do recadastramento biométrico em quase metade dos municípios do país. No entanto, antes de qualquer voto ter sido computado, houve um intenso debate acerca do cancelamento do título de eleitores que não realizaram o cadastramento biométrico.

O PSB pediu a liberação da participação dos eleitores com título cancelado. Segundo a argumentação, o cancelamento teria afetado os mais pobres pois estes teriam pouco acesso à informação para cumprir a formalidade. Consequentemente, haveria um prejuízo para os partidos de centro-esquerda que os teriam como principal base de apoio.

O pedido foi negado pelo Superior Tribunal Federal. No entendimento da Corte, a revogação da decisão comprometeria o andamento das eleições, podendo até mesmo causar um caos no processo eleitoral.

Passada a contagem de votos do primeiro turno, podemos avaliar os reais efeitos do recadastramento sobre os resultados das eleições. Em primeiro lugar, é importante lembrar que o recadastramento biométrico tem por objetivo impossibilitar que um eleitor vote no lugar de outro. Em segundo lugar, ele retira do cadastro eleitoral pessoas que já faleceram, mas que ainda constam na lista. Isto é importante para corrigir as taxas inflacionadas de abstenção eleitoral.

Comparando os percentuais de não comparecimento às urnas nas cidades onde houve e não houve obrigatoriedade, o veredicto é positivo. Em média, as taxas de abstenção foram de 16,8% nas cidades com biometria obrigatória e 24,4% nas cidades sem obrigatoriedade.

Se olharmos apenas cidades que tinham 10% ou mais dos seus eleitores com no mínimo 70 anos, a diferença é ainda maior: 16,6% de abstenção nas cidades com recadastramento obrigatório e 26,2% nas cidades sem. Este resultado indica que boa parte da abstenção é de eleitores para quem o voto já não é mais obrigatório, ou até morreram.

biometria-fgv_site
Créditos: Valor Econômico

O número nacional de abstenção para o primeiro turno foi de aproximadamente 20,3% de eleitores. No entanto, usando a diferença nos níveis de abstenção e o tamanho de cada cidade, calculamos que este valor teria sido em torno de 23% sem a obrigatoriedade e 16,4% se o recadastramento tivesse sido feito em todo o país.

Assim, as análises de que a alienação do eleitorado com as eleições está crescendo não estão necessariamente precisas. Uma segunda, e talvez melhor, forma de pensar no engajamento dos eleitores com as eleições é comparando as taxas de votos brancos e nulos. Neste ano, o total de votos inválidos foi de 8,8%, um valor abaixo de 2014 (9,6%) e parecido com 2010 (8,6%).

Voltando para a questão do cancelamento de títulos, o argumento contrário era o de que a obrigatoriedade prejudicaria os partidos à esquerda no espectro político. Se realmente isso tiver acontecido, deveríamos esperar que o percentual de votos para o candidato do PT seria mais baixo nas cidades com recadastramento do que nas cidades sem. Isto é, o PT deveria perder mais votos nestas cidades por conta do impedimento de algumas pessoas votarem nestas cidades.

Os números refutam esta ideia. Fernando Haddad, candidato do PT, recebeu 33% dos votos válidos no total das cidades com biometria obrigatória e 26% nas cidades sem recadastramento mandatório. Quando comparamos os resultados deste ano com a última eleição presidencial, votos para o PT caíram 6,3% nas cidades com obrigatoriedade e 7,3% nas cidades sem obrigatoriedade. Ou seja, o PT foi, na média, melhor nas cidades com recadastramento.

Quanto controlamos estatisticamente por outros fatores municipais, não há diferenças entre os dois grupos de cidades, indicando que o recadastramento não teve efeito algum sobre os resultados da eleição presidencial.

Portanto, não há evidências de que o recadastramento tenha prejudicado qualquer grupo político. Por outro lado, o voto biométrico retira do cadastro eleitoral indivíduos que já morreram. Isso não apenas reduz os custos das eleições, mas também afasta a possibilidade de fraude na identificação de eleitores. Sem dúvidas, é um importante passo para o fortalecimento da democracia brasileira.

Texto originalmente publicado no site Valor Econômico.

****

Guilherme A. Russo é doutor em Ciência Política pela Vanderbilt University e pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV)

Maurício Izumi é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV)

Este artigo é de responsabilidade do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (Cepesp/FGV) faz parte da parceria “Eleição em Dados”. Publicado nesta terça-feira em versão digital no Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, será veículado na quarta-feira em versão impressa pelo “Valor Econômico”

Deixe seu comentário