As eleições municipais de 2020 foram adiadas para os dias 15 e 29 de novembro. Mas deveriam ser feitas? Pela segurança sanitária da população não era melhor adiar a escolha dos novos prefeitos e vereadores? Apesar do risco, cientistas políticos e da área de saúde concordaram que a democracia brasileira vale o risco em debate organizado por Natália Pasternak e Mauricio Nogueira, organizadores do “Diário da Peste”, que na edição 21 reuniu George Avelino, professor da FGV EAESP, e Lorena Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da USP, ambos pesquisadores do Cepesp e cientistas políticos. O debate foi ao ar no Youtube na sexta-feira, 4 de setembro e pode ser assistido na íntegra aqui.
“Eu tenho mais de 60 anos, sou do grupo de risco, mas eu vou votar, a democracia vale o risco. E sair para votar não é uma flexibilidade ou uma aglomeração de pessoas pensando apenas em si mesmas, você está pensando no coletivo, é uma ação civilizadora”, ponderou Avelino. Nogueira foi na mesma linha: “Como cientista eu digo: não pode aglomerar, é arriscado, então, as eleições são um evento arriscado. Mas como cidadão eu digo que a democracia precisa destas eleições, chegou o momento de revalidarmos nossa democracia. A democracia e o Brasil estão passando por um momento muito crítico”, argumentou.
Barberia e Avelino traçaram um cenário para as eleições de 2020 com chances de maior abstenção (especialmente de pessoas mais idosas), mais favorável para os candidatos que já possuem mandatos e com menor chance de virada entre o primeiro e o segundo turnos. Barberia contou que nas eleições presidenciais da República Dominicana em julho deste ano foi registrada queda de 15% no comparecimento dos eleitores. “E uma menor participação pode fazer diferença no cenário político”, observou a pesquisadora.

Avelino explicou que essa eleição já seria muito diferente pela mudança na legislação eleitoral, com o fim das coligações para o legislativo e a cláusula de barreira progressiva, que será de 2% nas eleições de 2022. “Nesse momento a estratégia de todas direções partidárias é lançar o maior número de candidatos possíveis”, disse o professor da FGV EASP. TSE e TREs, acrescentou, têm se empenhado e estão preocupados com esse cenário e também com eleições seguras para a população. A estimativa é de um aumento de 50% no número de candidatos. Como em 2016 foram quase 480 mil candidatos, estima-se mais de 700 mil nestas eleições, o que também é um desafio para a justiça eleitoral que precisa avaliar todas as candidaturas para ver se estão aptas ou não.
“Essa vai ser uma eleição onde você não pode falar diretamente com o eleitor, não vai ter santinho, são 45 dias de campanha, 35 no rádio e na TV; é uma eleição mais curta, e haverá muitos candidatos. Tudo isso vai favorecer quem já está no cargo, os atuais prefeitos e vereadores”, explicou Avelino, lembrando que para o cidadão, a eleição municipal é muito importante, o que fica claro na menor abstenção nos pleitos locais (14,3% em 2016 na média de todos os municípios) em comparação às eleições presidenciais ou de governador (abstenção de 20,33% em 2018, no primeiro turno).
Barberia trouxe dados de Fabricio Vasselai que está analisando os locais de votação e concluiu que, na média, em cada local de votação votam 1517 eleitores, mas há locais com muito mais aglomeração. Na cidade de São Paulo, há locais que reúnem 25 mil pessoas. E no total, cerca de 20% dos eleitores possuem mais de 60 anos. Por isso, ponderou, “o gestor público precisa adotar medidas para proteger a população, para fazer uma eleição mais segura, montar uma boa logística, inclusive de transporte, e orientar bem a população, além dos mesários e outras pessoas que trabalharão nas eleições.” Ela lembrou que todo trabalho de segurança fica mais difícil quando o presidente é um negacionista da pandemia, como é o caso de Jair Bolsonaro. A organização das eleições nas cidades onde o prefeito também é um negacionista foi uma das preocupações trazidas por Natália Pasternak. “Precisamos encontrar o melhor jeito de dizer: fique em casa, mas saia para votar. E depois volte para casa e se mantenha em segurança”, defendeu a cientista.
Ao final, Avelino afirmou que a contradição entre os cientistas recomendarem às pessoas que fiquem em casa e também defenderem o comparecimento às urnas é apenas aparente. Tanto o combate à pandemia como a construção da democracia requerem ações coletivas e cidadãs. Assim como a pandemia não pode ser combatida de forma individual, a democracia também precisa o voto dos eleitores para prosperar.