Enfrentamento à hepatite C no Brasil

CEPESP  |  6 de outubro de 2020
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Por Elize Massard da Fonseca

A pandemia do Covidd-19 chamou a atenção para doenças emergentes, que são problemas de saúde causados por um novo agente infeccioso, como a Zika, AIDS, Ebola, e a hepatite C.  O prêmio Nobel de fisiologia e medicina de 2020 foi concedido a dois pesquisadores – Harvey J. Alter  e Charles M. Rice – por suas contribuições para identificar o vírus da hepatite C, o HCV. Assim como o Covid-19, a hepatite C atinge milhares de pessoas, porém é uma epidemia silenciosa, pois a doença demora anos para se manifestar, e assim como a AIDS, é cercada de estigmas e preconceitos. Porém, desde 2013, a hepatite C tem cura e devido ao custo, o tratamento não está acessível para todos. O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que oferece acesso universal e gratuito aos novos antivirais de ação direta (DAA).

A principal forma de transmissão da hepatite C é pela via sanguínea, que pode acontecer através do compartilhamento de seringas infectadas, exposição a material hospitalar contaminado, transfusão de sangue. A transmissão sexual e vertical (mãe para filho) é menos comum. A hepatite C é uma doença silenciosa e que pode demorar anos para se manifestar. Portanto, pessoas com histórico de uso de drogas injetáveis, que realizaram transfusão de sangue no passado ou que foram vacinadas com seringas de vidro, por exemplo, podem vir a descobrir sua sorologia anos depois. Além disso, há um importante número de co-infecções entre HIV e HCV, principalmente em locais com alta prevalência de HIV entre usuários de drogas injetáveis. 

Em colaboração com a London School of Economics e Fundação Oswaldo Cruz, nossa equipe de pesquisa está desenvolvendo um estudo multidisciplinar para investigar a resposta do Brasil à epidemia de HCV. Em função da pandemia do Covid-19, a pesquisa – que teria início em fevereiro – foi adiada para setembro de 2020. A equipe da FGV e LSE são responsáveis por analisar a criativa estratégia brasileira de resposta à epidemia de HCV, que combina protocolos de tratamento baseados em evidências e iniciativas inovadoras para a produção local de versões genéricas de medicamentos DAAs no contexto dos conflitos sobre a proteção de patentes farmacêuticas.

Diferentemente das controversas alterações no protocolo clínico para tratamento da COVID-19, as diretrizes para o tratamento da hepatite C foram desenvolvidas com base em evidência científica e atualizadas na medida em que novas informações eram publicadas. Além disso, o Ministério da Saúde valeu-se da capacidade de produção local de medicamentos para conseguir negociar o preço dos DAAs e expandir a cobertura para todos os pacientes diagnosticados com HCV. A transferência de tecnologia da vacina para o Covid-19 segue uma trajetória semelhante e ilustra a importância da capacidade de produção local de produtos de saúde para a sustentabilidade do SUS. Em um momento em que cadeias globais de valor são interrompidas e há uma demanda mundial pela vacina, o SUS será capaz de produzir diferentes vacinas para o Covid-19 (como a da AstraZeneca e Sinovac), o que deve ser fundamental para aumentar a imunização da população brasileira.

Historicamente, as medidas adotadas no Brasil para o enfrentamento de doenças infecciosas e ampliação do acesso a medicamentos ressoam tanto nas agências internacionais como na Organização Mundial da Saúde (OMS), quanto em países em desenvolvimento. Portanto, estudos colaborativos, que investiguem sistematicamente a vigilância, controle e atendimento dos pacientes diagnosticados com hepatite C no Brasil, podem fornecer evidências sólidas, geradas por descobertas empíricas, modelagem matemática e análise política para orientar iniciativas governamentais e não governamentais no enfrentamento do HCV e outras doenças emergentes. 

Esta pesquisa tem o suporte do projeto Institutional Links, do Newton Fund, mantido pelo British Council. A bolsa é financiada pelo Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial do Reino Unido, Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz e Fundação Getúlio Vargas (FGV) e entregue pelo British Council. O Institutional Links fornece subsídios para o desenvolvimento de colaborações de pesquisa e inovação entre o Reino Unido e os países parceiros, através de instituições de pesquisa e ensino superior em todo o mundo.  

Fazem parte da equipe de pesquisa na FGV:

  • Elize Massard da Fonseca, professora da FGV EAESP e pesquisadora principal
  • Carolina Coutinho, pesquisadora pós-doutora FGV EAESP e co-investigadora principal
  • Andreza Davidian, doutoranda em Administração Pública e Governo FGV EAESP
  • Luísa Arantes, mestranda em Administração Pública e Governo FGV EAESP
  • Beatriz Portella, mestranda em Administração Pública e Governo FGV EAESP

Agradecemos a equipe da Rede de Pesquisa Aplicada da FGV pelo apoio no desenvolvimento desse estudo. 

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