Em seu novo livro “Globalization and Austerity Politics in Latin America”, o professor Stephen Kaplan, da George Washington University, explora como a relação entre os credores internacionais e países devedores afetam as escolhas político-econômicas na América Latina.
Em entrevista exclusiva ao blog do Cepesp, Kaplan, que esteve no Brasil em novembro do ano passado, conta que a sua pesquisa mostrou, por exemplo, que lembranças dolorosas de hiperinflação fazem com que políticos adotem medidas para evitar que o fenômeno volte, mesmo que isso signifique um menor crescimento econômico.
“O ex-presidente Lula encarnou essa nova maneira de pensar, quando disse, durante um programa de rádio em 2007, que ‘obviamente, nós poderíamos estar crescendo mais… Mas a distribuição de renda e o controle da inflação são tão importantes quanto crescer”, afirmou Kaplan.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
No seu livro, o sr. diz que austeridade pode ser imposta por fatores externos ou ser uma escolha doméstica dos governantes do país. Como isso funciona?
Quando me refiro à austeridade que é imposta externamente, estou me referindo ao papel dos mercados financeiros globais no processo de formulação de políticas. Eu acho que a mudança estrutural na arquitetura global das finanças, afastando-se de empréstimos bancários supranacionais (como do FMI, por exemplo) e aproximando-se da emissão de títulos globais, teve implicações importantes para nações devedoras. Minha pesquisa mostra que os governos que são altamente endividados com os mercados de títulos são mais propensos a frear gastos a fim de evitar a fuga de capitais. Quando me refiro à escolha pela política doméstica, estou me referindo ao legado político de crises econômicas. Em comparação com os países desenvolvidos, por exemplo, lembranças dolorosas de hiperinflação muitas vezes levam a uma maior aversão à volta da inflação e políticas econômicas mais restritivas nos países que sofreram com a inflação em espiral.
Um trecho do seu livro diz exatamente isso, que “o trauma inflacionário transforma o pensamento político nos países em desenvolvimento”. Foi o que aconteceu no Brasil?
Em geral, minha análise mostra que os governos estão mais propensos a apresentar disciplina fiscal e controle da inflação em países que sofreram com a hiperinflação. No Brasil, o trauma da inflação uniu os partidos políticos em torno de um objetivo comum, ajudando a produzir um novo consenso de governança durante os anos 90. Os políticos se tornaram mais tolerantes com um crescimento econômico mais lento e uma menor geração de emprego em troca de um maior controle da inflação. O ex-presidente Lula encarnou essa nova maneira de pensar, quando disse, durante um programa de rádio em 2007, que “obviamente, nós poderíamos estar crescendo mais… Mas a distribuição de renda e o controle da inflação são tão importantes quanto isso”.
Nos anos 80 e 90, organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial pautavam boa parte da agenda de política econômica no Brasil. Essa relação mudou?
Essas organizações internacionais foram muito influentes na América Latina durante os anos 80 e 90. Ao longo desses dois períodos, os acordos do FMI focaram a austeridade fiscal para ajudar a amenizar a preocupação dos credores com o pagamento. Mas acho que a mudança para o financiamento do mercado de títulos durante a década de 1990 (seguindo as reestruturações de títulos Brady) criou uma ameaça de saída de capital imediato que estimulou opções pela austeridade. Em comparação, era mais provável o risco moral contaminar novos empréstimos bancários nos anos oitenta, quando os elos entre credor e devedor eram mais difíceis de romper.
Você diz no livro que as políticas de austeridade fiscal ajudaram os países latino-americanos a sair da crise em 2008 e 2009…
Para muitos países latino-americanos, a disciplina fiscal ajudou a fornecer aos governos um espaço para adotar políticas anticíclicas durante a crise de 2008-2009. Esse aumento da margem de manobra em parte reflete os esforços de governos feitos para se isolarem da volatilidade financeira global: reduzir os seus encargos da dívida externa, fortalecendo seu estoque de reservas cambiais, aplicação de controles de capital, e em desenvolver mercados de títulos locais, que são menos suscetíveis a pressões especulativas de investidores estrangeiros. Com os países mais bem preparados para resistir a choques externos, os efeitos da crise foram menos sentidos.
O Brasil não adotou uma postura de austeridade nos últimos anos. Quais consequências podemos sofrer no futuro?
A resposta anticíclica do Brasil à crise foi pragmática do ponto de vista da economia política. No entanto, a questão mais importante agora é a forma como os líderes brasileiros irão ajustar o modelo de governança atual para permitir simultaneamente uma maior disciplina econômica, competitividade nacional e responsabilidade social. A história da economia política da região sugere que os políticos muitas vezes são avessos ao risco, preferindo não mexer com o status quo.
A presidente Dilma Rousseff tem sido bastante criticada internamente pela política econômica que está adotando. Como está a imagem do Brasil no exterior?
Ironicamente, a imagem do Brasil no exterior parece ser muito melhor do que a imagem que os brasileiros têm da situação da economia. Embora eu não tenha feito qualquer pesquisa de opinião nessa linha, a minha impressão geral é que os EUA tendem a ver o Brasil como uma potência econômica pragmática e em ascensão. Essa diferença pode, em parte, refletir a lente regional usada pelos EUA, que costuma agrupar o Brasil com países como o Chile, que demonstram uma governança mais prudente do que alguns vizinhos latino-americanos, que costumam adotar medidas mais intervencionistas e políticas que são menos amigáveis aos mercados, investidores e empresas.