Como conter a curva da epidemia do Covid-19 no Brasil e, ao mesmo tempo, proteger os mais vuneráveis, que também são aqueles economicamente mais afetados pelos efeitos da restrição de mobilidade, que paralisa a economia? Essa é a pergunta que guia um novo estudo do Instituto de Estudos de Políticas de Saúde (Ieps). “Embora a recomendação pelas restrições de mobilidade seja clara, e sua efetiva implementação urgente, no caso brasileiro o desafio se mostra particularmente complexo”, pontuam os pesquisadores Beatriz Rache, Letícia Nunes, Rudi Rocha, Miguel Lago e Arminio Fraga, no trabalho “Como conter a curva no Brasil? Onde a epidemiologia e a economia se encontram”.

A população brasileira, mostram os autores, enfrenta enorme vulnerabilidade socioeconômica. “Cerca de 66 milhões de pessoas vivem em domicílios com renda per capita abaixo de meio salário-mínimo, 26 milhões estão ocupadas no mercado de trabalho como trabalhadores por conta própria, sendo 19,3 milhões deles informais”, pontuam os pesquisadores, acrescentando que, “neste contexto, restrições à mobilidade por um tempo prolongado podem agravar a pobreza, ou simplesmente serem ineficazes, pois milhões de pessoas continuariam a recorrer ao trabalho informal devido à falta de alternativas.” Para mostrar como a restrição à mobilidade é importante, os pesquisadores comparam evolução da doença em duas cidades italianas, Bergamo e Lodi, sendo que esta última decretou o distanciamentosocial social duas semanas antes da primeira.
Um segundo aspecto destacado é que existe “uma grande sobreposição entre vulnerabilidade no mercado de trabalho e em saúde”. De acordo com o estudo, “aproximadamente 50% dos portadores de doenças crônicas participavam do mercado de trabalho no Brasil em 2013”.
Os autores utilizaram os microdados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 (PNS 2013), focados na amostra dos moradores com mais de 18 anos. Foram considerados idosos àqueles com mais de 60 anos e foram listadas as doenças consideradas crônicas para identificar os trabalhadores portadores destas. A amostra considerou a população ocupada e os trabalhadores que procuravam emprego e os rendimentos (do trabalho principal) foram trazidos a valores presentes.
A tabela abaixo apresenta os resultados de uma análise descritiva dos dados. “As médias das características listadas nas linhas são reportadas respectivamente para os diferentes grupos populacionais listados nas colunas”, explicam os autores. De acordo com os resultados, os idosos representavam 18% da população, enquanto a parcela de pessoas com doenças crônicas representava 29.5% da população de 18 anos ou mais no Brasil de acordo com a PNS 2013. E entre estes, 23% dos idosos e 50,8% das pessoas com doenças crônicas participavam do mercado de trabalho. E como observam os pesquisadores, “são justamente esses grupos os mais vulneráveis em saúde e que devem permanecer prioritariamente isolados”.

Os pesquisadores também analisaram a inserção dos trabalhadores do mercado de trabalho, salário e vulnerabilidade social. De acordo com os dados, entre a população brasileira acima de 18 anos que participa do mercado de trabalho, “cerca de 27% o fazem como conta própria.” E essas pessoas, acrescentam, “têm um perfil mais baixo tanto de escolaridade como de rendimentos, sendo muitas delas idosas (12.8% dos trabalhadores por conta própria) ou portadoras de doenças crônicas (26.6%).”
Esse quadro, de “sobreposição de vulnerabilidades”, pontuam os pesquisadores, coloca a questão de “como implementar rapidamente medidas de contenção da curva de disseminação da doença que sejam não apenas efetivas do ponto de vista epidemiológico, mas que também protejam a população mais vulnerável da crise econômica”. E acrescentam que “evidências empíricas recentes indicam que recessões econômicas também podem causar óbitos, principalmente entre os mais vulneráveis.”
Entre as propostas defendidas pelos pesquisadores para lidar com os efeitos da pandemia do Covid-19 estão uma renda mínima temporária para todos os que estão no Cadastro Único e uma ampliação transitória deste benefício (em valor e número de famílias); gestão das políticas monetária, fiscal e da dívida ao menor custo possível, considerando que as prioridades de gastos devem ser a saúde e a assistência aos mais vulneráveis. “Não se pode, no entanto, parar nas emergências sociais, que se espera serão temporárias. Cabe um esforço para ajudar as empresas a navegarem o inevitável buraco nas suas receitas. Desta forma, se minimiza a perda de empregos no setor formal da economia”, observam, acrescentando que, “de fato, medidas que permitam um maior isolamento social fazem todo sentido do ponto de vista da saúde, por outro lado trazem problemas para a produção e a distribuição de produtos.”
O estudo completo pode ser acessado aqui.