Por George Avelino, Ciro Biderman , Jairo Pimentel, Guilherme Russo e Lycia Lima*
A última eleição presidencial evidenciou um crescente processo de polarização política no Brasil capitaneado em boa medida pelo então candidato à presidência, Jair Bolsonaro. Utilizando-se das redes sociais, Bolsonaro apostou em sua liderança pessoal e em seu carisma e angariou com isso seguidores e detratores. Neste contexto, a emergência do “bolsonarismo” criou um polo balizador da opinião pública, marcado por traços anti-sistema e anti-petista.
Mas até que ponto um líder político como Bolsonaro tem impacto sobre este tipo de polarização no eleitorado? Em especial, a posição do presidente Bolsonaro é capaz de influenciar a polarização e causar divergência de opiniões entre grupos da sociedade?
Para responder essas questões, o CEPESP tem se debruçado sobre novas abordagens para compreender essa atual configuração da realidade política brasileira, em especial a partir dos chamados “experimentos de surveys“. Tal abordagem, uma das que mais cresceram nas últimas décadas, aprimora a capacidade de inferência causal das pesquisas na área da ciência política.
Mas afinal, como funciona o experimento de survey? E como ele pode ser útil para desbravar relações causais? Experimentos de survey são caracterizados por variação aleatória de um ou mais elementos durante a aplicação do questionário entre os respondentes. Desta forma, um grupo responde o survey do tipo “tratamento” (que pode ser mais de um tipo) e outro grupo responde o survey do tipo “controle”. Na hora de analisar, o contraste entre as respostas dos dois grupos é o efeito do “tratamento” testado.
A lógica é semelhante ao de um experimento farmacológico: um grupo de pessoas, selecionados aleatoriamente, recebe o tratamento com um remédio que está sendo testado, enquanto o outro grupo recebe um placebo (algo que pareça o remédio, mas que não tem efeito algum) ou não recebe nenhum tratamento. A eficácia do tratamento é justamente a taxa de resposta de melhora na saúde obtida pelo remédio comparativamente à ausência do tratamento (ou placebo). A diferença na metodologia discutida aqui é que se faz isso durante uma pesquisa de tipo survey. Isto é, o tratamento é algum tipo de estímulo presente na pergunta feito com o grupo selecionado a recebê-lo, enquanto o controle não recebe esse estímulo:
Figura 1: Como funciona um experimento de survey.

Nesse tocante, os experimentos realizados pela equipe do CEPESP buscam testar a hipótese de que o posicionamento de Bolsonaro tem um efeito persuasivo sobre a opinião pública, entretanto, este efeito é condicional a como as pessoas enxergam o presidente. Isto é, a opinião das pessoas sobre uma questão política é afetada pela posição do presidente, mas a direção do impacto – positivo ou negativo – depende do quanto as pessoas apoiam o presidente, fato que pode explicar o processo de polarização que observamos atualmente na política brasileira.
Para buscar entender esse ponto, nos debruçamos em uma questão política específica: a privatização da Petrobrás. Foram realizados três rodadas de pesquisa, em diferentes contextos, que mostram forte efeito do posicionamento de Bolsonaro sobre o posicionamento dos eleitores.
Na primeira rodada de pesquisa, como parte do questionário da pesquisa de opinião do LAPOP, 1500 respondentes foram perguntados até que ponto, em uma escala de 7 pontos (onde 1 significava “Discorda muito” e 7 “Concorda muito”) estavam de acordo com a privatização da Petrobras. Entretanto, metade dos respondentes selecionados de forma aleatória receberam uma informação adicional de que o presidente Bolsonaro declarou ser a favor desta proposta. O enunciado da pergunta foi, com a parte aleatoriamente designada em colchetes:
Algumas pessoas acreditam que o governo brasileiro deveria privatizar a Petrobras.
[O Presidente Bolsonaro disse que é a favor desta proposta.]
E o sr./sra.? Até que ponto concorda ou discorda desta proposta?
O objetivo do estudo, portanto, era saber até que ponto as pessoas mudam de opinião em relação à privatização ao receber a informação da posição do presidente. Para isso, comparamos as respostas do grupo que não recebeu a informação (grupo controle) e as do grupo que recebeu a informação adicional (grupo tratamento), sendo que os grupos são semelhantes em todas variáveis observáveis dado a atribuição aleatória.
Nossa expectativa era de que o efeito da informação adicional seria condicional a como as pessoas avaliam o presidente Bolsonaro. Isto é, saber que Bolsonaro é a favor da privatização deveria aumentar a preferência pela privatização entre aqueles que o avaliam bem, mas diminuir a concordância pela privatização entre aqueles que o avaliam mal. Este resultado implicaria em um efeito polarizador do presidente. Caso não houvesse diferenças entre os grupos tratamento e controle, a implicação é de que a simples informação de como o presidente pensa não tem um efeito sobre a opinião das pessoas, pelo menos no caso da Petrobrás.
No gráfico abaixo, apresentamos o percentual de respondentes que concorda com a privatização (respostas de 5 a 7 na escala) de acordo com a avaliação do presidente (medida antes do item sobre a privatização) e se recebeu a informação ou não.
Figura 2: Concordância com privatização da Petrobrás de acordo com avaliação do presidente estímulo informacional

Na parte esquerda do gráfico observam-se os percentuais de concordância com a privatização entre aqueles que não foram informados sobre a posição do presidente, enquanto à esquerda do gráfico se encontram os percentuais de concordância entre aqueles que não foram informados. À esquerda, um a cada três respondentes que avaliavam o presidente de forma negativa (Ruim/Péssimo) reportavam ser a favor da privatização, enquanto 45% daqueles que o avaliavam bem (Ótimo/Bom) se mostravam a favor. Quando comparamos com os grupos equivalentes que receberam a posição do presidente, à direita na figura, as taxas de concordância são afetadas de acordo com a avaliação do presidente. Entre aqueles que avaliavam a administração de Bolsonaro como positiva, o percentual que reportaram concordância foi de 57%, um aumento de 12 pontos percentuais relativo ao grupo controle. Já entre aqueles que avaliavam mal, o percentual de concordância caiu 10 pontos percentuais, de 33 para 23%. Estas diferenças são estatisticamente significativas e robustas a diferentes especificações.
Estes resultados indicam a existência de um efeito forte da posição do presidente Bolsonaro condicional a preferências anteriores. Em outras palavras, o simples ato de informar como o líder político pensa sobre a questão tende a gerar uma maior divergência nas atitudes em relação à privatização da Petrobras. De forma geral, acreditamos que este resultado possa ser aplicado a diferentes lideranças políticas polarizadoras, principalmente personalidades carismáticas que desenvolvem laços fortes com grande número de eleitores.
Em suma, o experimento de survey nos permite aprofundar sobre mecanismos causais referentes a opinião pública brasileira e entender com melhor precisão o nosso processo democrático. Destarte, o CEPESP se coloca à serviço da ciência e do desenvolvimento democrático do país com base em pesquisas aplicadas sobre temas atuais.
Leia mais sobre essa pesquisa aqui
*Pesquisadores do CEPESP/FGV