Impacto do cancelamento de títulos na eleição é praticamente nulo

CEPESP  |  6 de outubro de 2018
COMPARTILHE

Não há fundamentos concretos para afirmar que medida tivesse objetivo de prejudicar algum dos candidatos

urna eletronica
Créditos: Wilson Dias/ABr/Fotos Públicas

Depois do TSE divulgar que mais de 3,3 milhões de títulos eleitorais foram cancelados por falta de recadastramento biométrico, o PSB entrou com um pedido no STF para que estes eleitores pudessem votar nestas eleições. A Corte julgou, no último dia 26, improcedente a argumentação de que o cancelamento era injusto com estes eleitores.

Esta questão gerou debates sobre o possível impacto que teria nos resultados eleitorais. Antes de tentar prever os possíveis impactos do cancelamento de títulos nas urnas, é preciso delinear os perfis dos eleitores que ficarão fora desta eleição. Primeiro, é importante apontar que esse perfil não é homogêneo e muitos destes cidadãos já não faziam parte do eleitorado ativo no país.

Há eleitores que mudaram de cidade e não atualizaram o cadastro; eleitores que estavam doentes durante o período do recadastramento; eleitores com mais de 70 anos para quem o voto não é mais obrigatório; eleitores que faleceram e já não deveriam estar na lista; por fim, eleitores que simplesmente perderam o prazo.

Segundo nossas análises do perfil demográfico do eleitorado em 2014 e 2018, o recadastramento afetou principalmente os eleitores acima de 70 anos. Nas cidades em que o recadastramento não foi obrigatório, houve um aumento de 13% no número de eleitores desta faixa etária. Já nas cidades com a obrigatoriedade de recadastramento biométrico, houve uma redução de 7,6%. Essas estatísticas sugerem que parte considerável dos títulos cancelados era de pessoas que não são mais obrigadas a votar e de pessoas que já faleceram.

É preciso ressaltar que a implantação da biometria elimina pessoas que já faleceram da lista de eleitores, corrigindo assim as taxas de abstenção e impossibilitando tentativas de votar no lugar destas pessoas.

O grupo de pessoas com título cancelado representa apenas 2.2% do eleitorado nacional. Considerando ainda que parte dos títulos excluídos é de pessoas falecidas ou que já não iriam votar como imigrantes, enfermos, e idosos – para quem o voto já não é mais obrigatório –, o impacto é menor ainda.

Para que tivesse algum impacto nas eleições presidenciais, o grupo de pessoas com título cancelado teria que votar desproporcionalmente em um candidato específico. Pensando nesta hipótese, calculamos qual seria a mudança dos resultados eleitorais do primeiro turno de 2014, se o cancelamento tivesse ocorrido em 2014.

Segundo nossas estimativas, a candidata do PT, Dilma Rousseff, teria recebido 37.57% dos votos válidos em vez de 37.59%. O candidato do PSDB, Aécio Neves, teria oscilado de 30.30% para 30.33% e a candidata do PSB, Marina Silva, teria recebido 19.26% em vez de 19.25%. Ou seja, o impacto do cancelamento é praticamente desprezível no resultado final dos votos válidos.

Assim, apesar de o recadastramento biométrico não ter sido obrigatório em aproximadamente 50% dos municípios, não há fundamentos concretos para afirmar que a medida tivesse o objetivo de prejudicar algum dos candidatos à presidência da República.

O impacto do cancelamento de títulos poderá ser maior na eleição para deputados. Candidatos que recebem grande parte de seus votos em cidades populosas que tiveram recadastramento biométrico obrigatório, como Salvador ou Guarulhos, principalmente entre eleitores de maior idade, podem ter mais dificuldade de se eleger. Por exemplo, em Salvador, o número de eleitores com 70 anos ou mais caiu de 132 para 74 mil.

Outro possível impacto do cancelamento de títulos é a potencialização do discurso de fraude eleitoral. Provavelmente haverá casos de pessoas que chegarão às suas seções eleitorais e não poderão votar por causado cancelamento. Se publicadas em mídias sociais, grupos deverão compartilhar estas anedotas dando força à ideia de fraude eleitoral, mesmo tendo sido um processo previamente organizado e comunicado pela justiça eleitoral.

Texto originalmente publicado no site Jota.

****

MAURÍCIO IZUMI – doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV)

GUILHERME RUSSO – cientista político e pesquisador do Cepesp-FGV

BEATRIZ TREVISAN – estudante de jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisadora assistente do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV)

Deixe seu comentário