Ineficácia do FPE na redução da desigualdade regional

CEPESP  |  15 de abril de 2013
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Artigo de Felipe Salto e George Avelino publicado no Valor Econômico de 12 de abril.

O Estado federativo brasileiro tem mecanismos próprios de sustentação e manutenção da coesão dos entes federados. Um deles é a transferência de recursos arrecadados centralmente pela União que, no caso dos Estados, é realizada por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O FPE congrega recursos do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que, constitucionalmente, pertencem a todos os entes federados e não apenas à União, como é comum se pensar. Em outras palavras, o IPI e o IR não são tributos do governo central, que os reparte a seu bel prazer com os Estados e municípios (neste último caso, via Fundo de Participação dos Municípios, o FPM). Trata-se de um mecanismo automático de partilha para garantir uma prerrogativa constitucional.

A centralização de impostos como o IR e a criação do IPI datam dos anos 1960, quando se criou a Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda Os trabalhos da comissão, sediada na Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, culminaram na elaboração da Emenda nº 18 à Constituição de 1946. Naquele momento, criou-se o IPI, extinguiram-se tributos cobrados por Estados e municípios e concebeu-se o FPE que, junto do FPM, passou a funcionar como mecanismo de partilha, agora, dos dois impostos (IR e IPI) e não mais do IR, apenas. O FPE foi regulamentado pelo Código Tributário Nacional (CTN) em 1967.

Embora não seja um princípio comum a todas as federações, a função da partilha – conforme se constata na evidência histórica encontrada nos documentos da comissão – era garantir que a extinção de impostos cobrados localmente, com vistas à promoção de eficiência arrecadatória e econômica (estímulo à atividade, principalmente pela simplificação promovida com a cobrança centralizada de tributos), se coadunasse com os objetivos de garantir a equidade fiscal entre as jurisdições locais. A partilha desses recursos seria feita pelo direcionamento das receitas seguindo critérios de renda, população e outros, favorecendo a promoção de equidade e a redução de disparidades regionais do ponto de vista econômico. Os mais pobres receberiam mais, relativamente à arrecadação produzida em seus territórios, o que tinha como objetivo engendrar um processo de desenvolvimento econômico mais integrado da nação.

A fim de analisar esse segundo objetivo, realizamos um exercício empírico para o período de 1985 a 2009, e avaliamos se o FPE, de fato, teve algum papel na redução de disparidades econômicas pretendida quando de seu nascimento. Selecionamos quatro variáveis – gastos estaduais em educação, recursos do FPE, PIB da indústria de serviços públicos (esta última sendo uma forma de medir investimentos em infraestrutura social e urbana) e a própria desigualdade interestadual defasada em dois anos.

Implementamos, a partir dessa seleção, um modelo de dados em painel, com efeitos fixos (uma técnica estatística para tratar o problema), com o objetivo de avaliar o papel do fundo no processo de redução das desigualdades regionais. A variável escolhida para “ser explicada” foi a desigualdade entre os Estados, medida pela distância do Produto Interno Bruto (PIB) per capita estadual em relação à média do PIB per capita de todos os Estados ano a ano.

Os resultados indicaram que os gastos em educação e o PIB da indústria de serviços públicos explicam o processo de redução da desigualdade regional. Mostrou, ainda, que o FPE não colaborou para tal redução, bem como pode até ter-se constituído como um entrave a essa dinâmica. Em verdade, embora seja ainda hoje defendida como instrumento distributivo, as evidências empíricas apontam que a partilha de receitas não teria promovido a pretendida mitigação das disparidades entre os Estados ricos e pobres, no Brasil, ao longo dos últimos 25 anos.

A explicação mais detalhada desse processo não é objetivo deste artigo. Encontramos uma evidência, que poderá ser explorada, mas suspeitamos que a explicação passe pela má alocação dos recursos transferidos pelo FPE aos Estados. Educação e investimentos são negligenciados, principalmente nos Estados mais pobres; como sabemos, estes são dois componentes centrais apontados pela literatura sobre crescimento econômico para explicar as diferenças no crescimento entre países e regiões. De maneira mais direta, é possível afirmar que distribuir receitas, meramente, não gera desenvolvimento ou redução de desigualdades.

Entendemos que há argumentos econômicos e políticos suficientemente fortes para engendrar a construção de um pacto pela nação e pelo seu desenvolvimento integrado. É preciso, entretanto, que sejam apresentadas aos governos locais as evidências empíricas da ineficácia da partilha de receitas, por si só, para promover a desejada equidade econômica entre os Estados menos e mais desenvolvidos. A equalização de receitas fiscais é, sim, garantida, pelo fundo, mas o desenvolvimento permanece como um objetivo distante e sem uma solução construída capaz de equacioná-lo a curto e a médio prazo. Tudo indica que o debate em curso no Legislativo não inovará e alimentará, mais uma vez, esperanças vazias a respeito do papel do FPE.

Felipe Salto é economista pela FGV/EESP, mestre em administração pública e governo pela FGV/EAESP, professor da pós-graduação executiva da FGV.

George Avelino é doutor em ciência política pela Universidade de Stanford, coordenador do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público da FGV (CEPESP) e professor na mesma instituição.

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