Infidelidade parlamentar e mudança partidária: quem traiu e quando?

CEPESP  |  23 de abril de 2018
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Ao todo, 98 deputados migraram de partido de olho no pleito, procurando alianças, recursos e sucesso

A infidelidade partidária não é bem vista no Brasil, mas é comum no legislativo brasileiro. Enquanto o Brasil assistia a prisão do ex-presidente Lula, chegou ao fim o período de trocas entre partidos, conhecido como janela partidária das eleições de 2018. Apesar de ter se encerrado no dia 07 deste mês, os deputados tinham mais uma semana para informar a Câmara de sua mudança. Ao todo 98 deputados migraram de partido de olho no pleito, procurando alianças, recursos e sucesso no próximo ciclo eleitoral.

O fim da janela e o esgotamento do prazo para mudanças de domicílio eleitoral encerram as possibilidades de mudança e nos permitem analisar todas as trocas partidárias que ocorreram na legislatura iniciada em 2015. Esta análise é muito importante para entender melhor como se comportaram os representantes durante anos de instabilidade política. Um primeiro passo é avaliar quais foram as alterações na composição dos deputados titulares da Câmara Federal.

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A Câmara em abril de 20181 é bastante diferente daquela resultante das eleições de 2014. Alguns partidos ganharam deputados enquanto outros encolheram e até deixaram de existir. Os destaques de crescimento no período são o DEM, PP e Podemos que adicionaram a suas bancadas 22, 14 e 3 deputados respectivamente. Partidos como o PR e PSL e também ganharam deputados e relevância no legislativo.

Os destaques negativos estão concentrados nos partidos detentores das maiores bancadas legislativas. PMDB, PT e PSDB sofreram no último quadriênio e perderam bancada, 13, 8 e 8 deputados respectivamente. No período o PP passou PMDB e PSDB e hoje é a segunda maior bancada. PTB e PSB também sofreram diminuição em seus quadros (10 e 8 deputados saíram destes partidos) e os nanicos PTC, PSDC, PRTB, PRP e PMN deixaram de ter representação no congresso. As alterações observadas mostram um congresso mais fragmentado, revelando a necessidade do Executivo de negociar com um número maior de partidos para avançar sua agenda legislativa.

A atual legislatura foi pródiga em mudanças partidárias. De 2015 até hoje, tivemos ao todo 257 trocas partidárias de deputados. Alguns deputados mudaram de partido mais de uma vez no período. Os campeões de infidelidade foram Adalberto Cavalcanti (AVANTE PE), Major Olímpio (PSL SP), Cícero Almeida (PHS AL), Danilo Forte (PSDB CE) e Valtenir Pereira (PMDB MT) que migraram ao todo 4 vezes nos últimos quatro anos. Há também os deputados que mudaram de partido e em algum momento se arrependeram e voltaram para a legenda pela qual se elegeram, são eles: Eliziane Gama (PPS MA), Altineu Côrtes (PR RJ), Lincoln Portela (PR MG), Alexandre Serfiotis (PSD RJ) e Arolde de Oliveira (PSD RJ).

Já que os deputados mudam tanto uma pergunta, surge a pergunta: em que momento do ciclo político elas ocorrem?

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Dividimos a atual legislatura em 5 períodos de acordo com o momento político, eles são: Governo Dilma, de fevereiro de 2015 até meados de fevereiro de 2016; Janela Partidária 2016 de meados fevereiro de 2016 até fim de março do mesmo ano; Pré Impeachment, de fim de março até setembro de 2016; Governo Temer, de setembro 2016 até o início da última janela em março de 2018; por fim, a Janela 2018, iniciada no começo de março de 2018 até o dia 17 deste mês.

As 257 trocas ocorridas neste período se concentraram nas duas janelas eleitorais abertas pela PEC 113/2015, permitiram que em um prazo de 30 dias os políticos mudem de legenda sem punição por infidelidade partidária. Aconteceram 179 trocas nestas duas janelas, 87 na de 2016 e 92 na atual, o que representa 70% de todas as mudanças da atual legislatura. No governo Dilma 43 deputados deixaram seus partidos, no período governo Temer foram 26 deputados e no pré-impeachment ocorreram 9 migrações no total. A concentração das migrações nas duas janelas mostra que as mudanças partidárias seguem ou uma lógica garantista – o parlamentar espera a janela para não correr o risco de perder o mandato, ou uma lógica eleitoral.

Como os deputados podem mudar mais de uma vez de partido durante a legislatura, é interessante analisar não somente as trocas em si, mas os deputados infiéis, que terminarão seu mandato em um partido diferente do que iniciaram. Estes são ao todo 157. Já sabemos quando as trocas ocorreram, mas ainda não avaliamos em quais estados elas acontecem e de onde saíram e para onde foram os deputados infiéis.

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Os deputados infiéis estão presentes em todos os estados. Por terem mais representantes, a maioria dos deputados que mudaram de partido se concentraram nos maiores estados da federação. O Rio de Janeiro chama a atenção, pois 23 dos seus 46 deputados trocaram de legenda, evidenciando a grave crise política por qual passa o estado. O Ceará também é um caso de destaque, uma vez que 13 (quase 60%) de seus deputados deixaram seus partidos de origem no período analisado, indicando uma possível reconfiguração do sistema partidário regional. Roraima, Mato Grosso e Amapá também tiveram migrações partidárias em metade de suas bancadas. Minas Gerais e São Paulo têm em suas bancadas 18 e 15 deputados infiéis respectivamente.

Para avaliar as mudanças no cenário políticos, procuramos analisar a origem e o destino dos deputados infiéis. O gráfico abaixo apresenta no eixo x os partidos onde os deputados titulares e efetivados começaram seus mandatos e no eixo y, a legenda onde se encontram atualmente.

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É interessante notar que o DEM recebeu, principalmente, deputados do PMDB e PSB. O PP cresceu levando deputados de 14 partidos, seguido do Podemos e DEM que tiraram representantes de 11 agremiações. O PT perdeu bancada para PC do B, PDT, PSB e PROS. Já o PSDB perdeu fileiras para o DEM, PP, PPS, PRB, PSL e PV. O PSB por sua vez perdeu para 11 diferentes partidos. Ao todo dos partidos com bancadas na Câmara, 28 partidos perderam deputados enquanto 25 receberam, o que indica a existência de trocas generalizadas.

Saber qual foi o desempenho dos deputados infiéis na última eleição é também central para entender melhor a dinâmica das migrações. Do total de 157 deputados que trocaram de partido nesta legislatura, 34 deputados estiveram entre os mais votados de sua coligação, 49 foram os últimos eleitos da lista e somente 10 foram os únicos eleitos por seu partido no estado. Eles tiveram em média 95 mil votos e 11% dos votos de sua coligação.

Os deputados infiéis foram em sua maioria para partidos que estavam em coligações que lançaram candidatos em 2014, ao todo foram 131 parlamentares. Destes 131 casos, 120 deputados infiéis foram para listas que fizeram ao menos uma cadeira no distrito pelo qual competiram em 2014, e se dividem em três grupos: 49 mudaram para partidos que faziam parte da mesma coligação pela qual concorreram na última eleição; 21 para listas cuja eleição foi mais difícil em 2014 ( onde a quantidade de votos do último eleito na lista em 2014 foi maior na coligação de destino do que os votos necessários para se eleger na coligação de origem); e 39 foram para coligações em que se eleger seria mais fácil (casos em que a votação do último eleito na lista final é menor do que o necessário para eleição na coligação de origem). Ao todo 26 deputados se arriscaram e migraram para partidos que não haviam participado de nenhuma coligação em 2014 no seu distrito eleitoral. Esse é o caso de todos os deputados que migraram para o Podemos e do Avante.

Apesar de ser um exercício hipotético onde não consideramos a redistribuição de cadeiras, caso os deputados infiéis de todo período analisado tivessem concorrido pelos seus novos partidos em 2014, 22 deles não se elegeriam. Destes 22, 15 são os últimos eleitos de sua coligação e 4 são suplentes efetivados. Estes números mostram que as migrações têm impacto direto na competição eleitoral que está por vir.

Em um cenário de instabilidade política, como o de 2015 até o dia de hoje, é relevante conhecer como os deputados se comportaram para entender melhor as dinâmicas da política brasileira. Notamos que a crise tem efeitos importantes em alguns estados e sobre determinados partidos. Verificamos a diminuição das bancadas dos maiores partidos, como PMDB, PT e PSDB, e o crescimento de siglas médias. Estas mudanças indicam um congresso mais fragmentado e uma competição política mais acirrada em 2018. Os deputados passaram a utilizar bastante as janelas como momento de negociação e troca partidária e o efeito das mudanças partidárias não se deu de forma uniforme pelo Brasil, tendo o Rio de Janeiro, Ceará, Mato Grosso, Roraima e Amapá apresentado intensas trocas.

O legislativo brasileiro muda muito mesmo depois das eleições. A análise das dinâmicas políticas da atual legislatura pode dar subsídios para melhor compreender o que virá nas eleições deste ano. A competição será marcada pelo fim do financiamento empresarial e pelo aumento da proeminência das siglas médias, que se beneficia do fato de gastar menos recursos com eleições majoritárias. Esses movimentos indicam que os deputados e partidos apostam que a taxa de renovação deve permanecer na média histórica. Também é possível especular que a próxima legislatura será marcada por grande fragmentação partidária.

 

1 Dados extraídos da API de Dados Abertos da Câmara dos Deputados em 18/04/2018 e do CEPESPData.

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Arthur Fisch – pesquisador do CEPESP FGV, doutorando em Administração Pública e Governo pela FGV e formado em economia pela FEA USP.

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