Informações falhas sobre UTIs afetam avaliação sobre combate ao Covid-19, aponta estudo

CEPESP  |  8 de junho de 2020
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O acesso da população brasileira aos serviços de saúde, especialmente às Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), já era desigual antes da pandemia do coronavírus. Agora, o Brasil está combatendo essa pandemia sem informações claras e transparentes quanto à disponibilidade e uso destes insumos, segundo a mais recente nota técnica da Rede de Pesquisa Solidária. A Rede fez um exaustivo e minucioso levantamento dos dados de UTI registrados nas plataformas públicas do Ministério da Saúde (MS) e de 26 secretarias estaduais de saúde, além do Distrito Federal. “Essa falta de transparência impede uma avaliação precisa da capacidade de atendimento da população e da viabilidade de medidas de flexibilização que estão atualmente em curso”, observam os pesquisadores.

Nesse novo estudo, a Rede Pesquisa Solidária mapeou as informações sobre disponibilidade, acesso e ocupação dos leitos de UTI nos estados brasileiros. Foram considerados três aspectos: 1) disponibilidade de leitos de UTI anterior à pandemia; 2) demanda adicional em função dos pacientes graves infectados pelo coronavírus; e 3) o acréscimo e monitoramento de leitos de UTI realizados pelo gestores públicos de 1º de março de 2020 até agora. De acordo com dados levantados e publicados em nota técnica da Fiocruz, os pesquisadores chamaram atenção para a desigualdade no acesso à leitos no sistema de saúde brasileiro e o fato de que, no SUS, 72% das regiões de saúde do país não apresentavam, em janeiro de 2020, o número mínimo de leitos de UTI desejáveis, (10 leitos por 100 mil habitantes).

O estudo mostra que existem (pelo menos existiam antes das mudanças que o governo começou a fazer para restringir os dados sobre o covid-19) duas fontes de informações no Ministério da Saúde (MS) sobre o número de casos confirmados de Covid-19: a Sala de Apoio à Gestão Estratégica (SAGE) e a Plataforma Covid-19. Além desta fonte, os pesquisadores consultaram o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e o Painel de Insumos da Plataforma Covid-19, também do MS, para identificar o número de leitos de UTI. E a comparação destas fontes mostrou uma discrepância de dados. “Na consulta realizada no último dia 02 de junho, a diferença é de quase 25 mil de contaminados a mais e cerca de mil óbitos a menos, segundo o Painel Coronavírus em comparação com os dados da SAGE. Foi também identificada uma diferença superior a 200% entre o valor registrado no Painel de Leitos e Insumos Covid-19 e o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), mantido pelo mesmo MS sobre o número de leitos de UTI destinados ao atendimento de pacientes da Covid-19”, apontaram os pesquisadores.

Outra lacuna de informações foi identificada nos dados estaduais, levantados em cada um dos estados. A partir das informações estaduais, os pesquisadores elaboraram um ranking, onde o indicador 0 se refere ao estado cuja Secretaria Estadual de Saúde não apresentou nenhuma informação referente ao número de leitos de UTI Covid-19 e a classificação 5 indica o número de leitos UTI Covid-19 disponíveis e ocupados, tanto do SUS quanto do sistema privado, informação que só estava disponibilizada desta forma transparente e aberta em 5 Estados: Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo e Sergipe. A imagem abaixo resume as classificações estaduais, considerando o ranking (que também informa o significado de cada um dos 5 scores).

Diante dos dados nacionais do Ministério da Saúde e das informações disponibilizadas por cada Estado, o estudo traz várias conclusões, entre as quais:  

– Não há informação clara sobre o número de leitos de UTI Covid-19 disponíveis no território nacional (há diferenças expressivas entre os dados apresentados nas plataformas oficiais);

– Dois estados brasileiros, Rio de Janeiro e Tocantins, não apresentaram nenhuma informação sobre o número de leitos de UTI Covid-19 em suas plataformas, sendo que o Rio de Janeiro está entre os cinco estados brasileiros que exibem a maior taxa de óbitos causados pelo novo coronavírus até o momento;

– A ausência de informações sobre leitos de UTI Covid-19 se verifica em estados considerados epicentros da pandemia no Brasil, como Amazonas e São Paulo; e

– A inconsistência generalizada dos dados de UTI sugere que as sinergias entre o sistema público e     o privado não estão sendo plenamente exploradas, o que também levanta dúvidas relevantes quanto à eficiência das políticas em execução.

Para os pesquisadores, “o desencontro e a inconsistência de dados dificultam a elaboração, a execução e a avaliação das políticas públicas pela sociedade”. Além disso, eles argumentam que “o desacerto e a presença de dados discrepantes impedem que a população compreenda a importância e o benefício das políticas públicas. Somados à falta de coordenação entre o governo federal, estados e municípios, é possível identificar algumas das razões que explicam a lentidão e a oscilação dos processos decisórios, assim como a baixa adesão da população à muitas determinações oficiais”.

Assinam essa nota técnica: Tatiane Moraes de Sousa (Fiocruz), José Eduardo Krieger (Incor-FMUSP) e Lorena Barberia (USP e pesquisadora do Cepesp), como coordenadores; e os pesquisadores Luciana Garbayo (University of Central Florida), Mariane de Vasconcelos Caetano (mestranda, Fiocruz/PE – Instituto Aggeu Magalhães), Renata Breves (doutoranda, PPGBIOS/Fiocruz) e  Pedro Schmalz (graduando, Ciências Sociais/USP).

A íntegra da nota técnica,  seus anexos e demais referências aos estudos consultados podem ser acessados aqui, na página da Rede de Pesquisa Solidária na internet.  

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