Injusta má fama da representação proporcional

CEPESP  |  16 de agosto de 2018
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No Brasil, a elevada fragmentação partidária pauta o debate sobre a necessidade de diminuir o número de partidos. São 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 20 com assento na Câmara Federal.  Muitos acreditam que a raiz do problema é a representação proporcional (RP). Inclusive o presidenciável Geraldo Alkmin (PSDB), que defendeu durante debate transmitido pela TV Bandeirantes, no último dia 9, a adoção do voto distrital misto nas eleições legislativas. Será justa a má fama da RP?

A análise da memória eleitoral brasileira ajuda a esclarecer o ponto. É preciso lembrar que a RP foi introduzida no Brasil pelo Código Eleitoral de 1932, elaborado pelo governo provisório no poder desde a Revolução de 1930 para disciplinar o processo eleitoral e regrar a restauração liberal. O mecanismo de distribuição de cadeiras adotado era complexo, valendo-se tanto dos quocientes eleitorais e partidários quanto de parâmetros majoritários. Tudo no propósito de dar vozes às oposições sem, no entanto, permitir que elas pudessem se tornar uma ameaça ao governo.

E qual foi o efeito da RP? Antes dela, raramente os candidatos de oposição se elegiam. Não existiam partidos nacionais e a Câmara dos Deputados se constituía por bancadas estaduais unânimes, pois só um partido em cada estado levava todas as cadeiras. Essa situação caracterizava 94,6% dos resultados eleitorais para a Câmara entre 1899 e 1930. Já na eleição Constituinte de 1933, a proporção de candidatos não eleitos pelo partido com melhor desempenho em cada estado ficou, em média, em 18,8%. Um valor que subiu para 24% na eleição de 1934.

A primeira experiência democrática (1946-64) adotou a RP de lista aberta. O novo regramento eleitoral foi reunido na Lei Agamenon, de 1945, também baseada numa fórmula que favorecia o partido mais votado em cada estado. A apuração ocorria em duas fases. Na primeira, calculava-se o quociente eleitoral (QE). Então se dividia o total de votos de cada partido por esse quociente e se entregava a cada partido tantas cadeiras quantas vezes ele atingisse o QE. O total de votos que sobrasse por não atingir o QE (as sobras) era alocado, na segunda fase, para o partido mais votado no estado. Em 1950, porém, outra lei alterou o método de cálculo das cadeiras das sobras, passando a distribuí-las pelo sistema de maiores médias, como ocorre até hoje. Nem por isso, a fragmentação partidária cresceu. Durante 1946-64, o número médio de partidos efetivos ficou em 4,8.

O regime militar interrompeu o enraizamento desses partidos, forjando um sistema bipartidário para inglês ver. Com a redemocratização, multiplicaram-se os partidos. Graças à RP de lista aberta? A experiência de 1946-1964 mostra que a resposta não está aí. Há outros fatores atrelados à fragmentação partidária. A magnitude eleitoral é um deles e se relaciona diretamente com o aumento do número de partidos. Os dados mostram que ela cresceu a passos largos no Brasil entre as duas democracias.

Congresso_Nacional_-_Brasília

Como já foi demonstrado por vários estudos, reduzir a magnitude dos distritos eleitorais poderia ajudar a diminuir a fragmentação partidária. Esse também é um ponto encampado por Alckmin, que defende a redução do número de deputados e senadores, e capaz de fazer grande diferença no quadro partidário sem precisar abolir a RP.

Outro fator também positivamente relacionado com a fragmentação é a falta de cláusulas de barreira – restrições à atuação dos partidos que não atingirem um percentual mínimo de votação. Até agora existia uma cláusula informal: bastava alcançar o QE. Partidos nanicos conseguiam o feito compondo coligações eleitorais. As eleições de 2018 serão as primeiras que correrão sob a cláusula de barreira recém-instituída. Para eleger deputados federais, os partidos deverão obter pelo menos 1,5% dos votos válidos. Um percentual modesto, mas poderoso quando combinado com a proibição das coligações às eleições proporcionais.

Há, portanto, alternativas para diminuir a fragmentação sem voltar à lógica distrital. Melhor dizendo: sem correr o risco do unipartidarismo da Primeira República!

Valor Econômico Online

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Jaqueline Porto Zulini – cientista política e pesquisadora do Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público (CEPESP/FGV)

Este artigo é de responsabilidade do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp/FGV) faz parte da parceria “Eleição em Dados”, será publicado terça-feira em versão digital no Valor Pro e na quarta-feira em versão impressa pelo Valor Econômico.

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