Lara Simielli: Educação e Desigualdade no Brasil (1ª parte)

CEPESP  |  26 de junho de 2015
COMPARTILHE

A pesquisadora Lara Simielli apresentou, recentemente, sua tese de doutorado em Administração Pública na FGV-SP sobre educação e desigualdade no Brasil. “O debate sobre desigualdade e equidade educacional no Brasil tem se concentrado nas desigualdades nas notas e não na desigualdade no acesso aos recursos e processos que impactam estas notas – ou seja, no resultado final e não no processo. Isso é um equívoco.”

Leia, abaixo, a primeira parte da entrevista exclusiva que ela cedeu ao blog do Cepesp.

 

Qual é a contribuição de sua tese para o tema da desigualdade e educação no Brasil?

O debate sobre desigualdade e equidade educacional no Brasil tem se concentrado nas desigualdades nas notas e não na desigualdade no acesso aos recursos e processos que impactam estas notas – ou seja, no resultado final e não no processo.

Eu considero que é necessário avaliar, concomitantemente ao desempenho dos alunos, as condições em que se dá o ensino em nosso país. O foco, assim, continua sendo nos resultados, buscando um padrão mínimo de desempenho a todos os alunos e com dispersão mínima entre as notas; paralelamente a isso, porém, avaliam-se também os recursos e processos presentes no interior das escolas para analisar se há igualdade nas condições iniciais oferecidas a todos os alunos, independentemente de cor/raça, gênero ou nível socioeconômico.

Meu trabalho, assim, busca fazer esta contribuição ao debate ao adotar uma visão mais pluralista sobre o conceito de equidade, avaliando a igualdade de oportunidade dos alunos no acesso a professores qualificados.

O que você entende por “equidade” em sua pesquisa?

Falar sobre equidade em educação não é tarefa fácil, considerando-se o baixo grau de consenso entre os pesquisadores. Nesta tese, uma das minhas preocupações foi em tentar sistematizar o debate, categorizando as definições sobre equidade em três grandes linhas: a) foco no acesso aos recursos e processos: a equidade é entendida como o acesso aos recursos e processos que impactam nos resultados dos alunos; b) foco nos resultados obtidos pelos alunos: a análise da equidade deve estar intrinsecamente ligada aos resultados educacionais; c) abordagem pluralista: a equidade é vista sob um prisma mais abrangente, que engloba os insumos, os processos e os resultados. Há em comum a todas as diferentes visões sobre equidade a atenção aos indivíduos menos favorecidos da sociedade e um relacionamento direto entre equidade e justiça, diferenciando-o do conceito de igualdade.

Minha opção teórica, neste trabalho, está centrada na abordagem pluralista sobre equidade, que avalia como essencial o diagnóstico do acesso, dos recursos e processos, e dos resultados. Dentro da abordagem pluralista adotada, deseja-se que haja a mesma qualidade de recursos e processos para todos os alunos, dentro de um contexto mais amplo de foco no desempenho dos alunos. Não é, portanto, o foco nos recursos e na igualdade de tratamento por si só, mas sim uma perspectiva mais abrangente de equalização de oportunidades a todos com foco no resultado – o foco nos recursos, assim, como parte do processo, mas não como fim.

Quais são as principais conclusões da sua pesquisa?

As quatro principais conclusões do meu trabalho são:

O nível socioeconômico é a característica mais importante na determinação das oportunidades educacionais: dentre as características dos alunos (gênero, cor/raça e nível socioeconômico), a variável relativa ao nível socioeconômico mostrou-se a mais relevante nas análises para determinar a probabilidade dos alunos terem professores mais qualificados.

Estados brasileiros apresentam grande heterogeneidade na qualificação e distribuição docente, com as regiões Sul e Sudeste garantindo maior oportunidade aos alunos terem professores qualificados.

As tendências de desempenho do 5º e 9º anos são semelhantes e apresentam três padrões de evolução para as oportunidades educacionais: as análises revelaram tendências semelhantes de desempenho para o 5º e 9º anos, de 2001 a 2011, com a identificação de três padrões de evolução para as oportunidades educacionais.

O impacto das características dos professores sobre a proficiência dos alunos mudou de 2001 a 2011: as políticas públicas recentes incentivaram fortemente a escolarização dos professores. Com a progressiva equalização da qualificação dos professores, é esperado que o impacto sobre o desempenho dos alunos diminua. Um corpo docente mais homogêneo, com ensino superior e pós-graduação, assim, passa a diferenciar-se em razão das atitudes adotadas em sala-de-aula e de outras características não-observáveis.

Quais são as principais recomendações do seu trabalho em termos de políticas públicas?

Neste trabalho, verifica-se que crianças mais pobres, que moram na zona rural, em estados do Norte e Nordeste, têm menor probabilidade de ter um professor com maior escolaridade e que faça uma maior cobertura do currículo, apesar das melhorias verificadas nos últimos dez anos.

A desigualdade regional no país é enorme. Por conta disso, precisamos direcionar os investimentos para as áreas que mais precisam, levando em consideração as diferenças regionais e os contextos locais.

Para isso, três políticas são centrais na busca por um sistema educacional mais equitativo:

  1. a definição de padrões mínimos de recursos e processos: estabelecimento de padrões mínimos, abaixo dos quais nenhuma escola deveria estar;
  2. a adoção de políticas compensatórias e da discriminação positiva na distribuição dos recursos: diretamente relacionado ao estabelecimento de padrões mínimos, é necessário que haja uma alocação desigual de recursos educacionais, direcionando mais recursos para as áreas mais vulneráveis. Neste sentido, mais do que a igualdade na alocação de recursos, é necessário que haja uma política compensatória, privilegiando as áreas mais vulneráveis;
  3. o investimento nos professores: dado que os professores são o elemento central para uma educação de qualidade, eles devem receber atenção prioritária no desenho de políticas públicas. São três as medidas centrais para o investimento na política docente: política de formação de professores; política de distribuição dos professores; e o desenvolvimento de melhores medidas para avaliação de professores, com foco nas características não-observáveis.

Estas práticas precisam ser adotadas dentro de uma perspectiva que insira a equidade no debate educacional no Brasil. É necessário, assim, colocar esta perspectiva no centro do planejamento de políticas públicas educacionais, com foco nas camadas menos favorecidas e mais vulneráveis da população, ultrapassando as desigualdades de gênero, cor/raça e nível socioeconômico.

Deixe seu comentário