O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, anunciou nas redes sociais que quer votar a redução da maioridade legal até o fim de junho.
A possibilidade de reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos será analisada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) até 15 de junho. Depois disso, Cunha pretende levá-la a plenário.
Há pesquisas que indicam apoio da maioria da população à redução, o que para muitos parlamentares justificaria um referendo popular.
Tal questão não pode ser debatida num espaço tão curto de tempo, sem considerar o que a teoria e a evidência empírica pode informar, assim como questões éticas, normativas.
Mas antes de mais nada, cabe notar que temo um referendo, pois numa democracia de massas é dever da elite intelectual educar a população. Explico: eu sou “das massas” quando o tema é células tronco, pois biólogo geneticista não o sou; logo instrução e informação pró e contra pesquisas com elas preciso.
Mas neste caso não sou “das massas”, sou cientista e tenho o dever de alertar a população, educando-a. Sou contra a redução, contudo, não somente por motivos científicos, mas morais.
Em ciência costumamos dizer que há dois tipos de análise: a positiva, factual, que nos mostra como o mundo é e a normativa, referindo-se a como o mundo deve ser. A análise normativa depende da aceitação racional dos fatos, de um lado, e de julgamento moral, do outro, o que envolve paradoxos da escolha (uma de minhas especialidades, por sinal).
Como assim paradoxos da escolha? Note, por exemplo, eu posso mostrar por A mais B que a venda legalizada de rins humanos e de sangue aumentaria o bem-estar dos receptores, diminuindo as mortes. Isso é bom, por um critério neoutilitarista.
Mas para mim, Marcos, o mercado não deve entrar aí: devemos incentivar o altruísmo. Mas esta é minha opinião fundamentada numa visão específica de moral e justiça. Contudo estou ciente de que pessoas morrerão devido ao meu ponto de vista.
O argumento pela redução da maioridade penal deve levar em consideração a análise positiva, objetiva e julgamentos de valor. Mostro abaixo que ele não se sustenta do ponto de vista científico e moralmente é imoral, do meu ponto de vista, claro.
Se o objetivo da redução é diminuir criminalidade juvenil, esqueça, ela provoca exatamente o contrário. Se o objetivo é se vingar de jovens, bem, cada um pensa com seus valores. Mas relativa impunidade dos poucos jovens que cometem crimes gravíssimos não pode justificar fazer da exceção a regra.
A teoria econômica do crime sustenta que se as penas imputadas a crimes são elevadas isso os inibiria. A evidência indica que este tipo de análise se aplica para quem já está definitivamente no crime, contudo não explica o processo lento e gradual de entrada na criminalidade.
Tecnicamente, não dá conta da formação endógena de preferências. Adicionalmente, os dados indicam que penas duras não reduzem crimes, apesar de que há correção e causação entre enfforcement, sanção real da lei, de facto, não de jure, e redução do crime.
O comportamento criminoso em geral está associado, no caso de drogas, à formação de gangues: a racionalidade disso extrapola a econômica. Entrar para gangues é status, inclusão social, e muitas vezes pertencer a uma gangue é impositivo (ver, por exemplo, “Crime and Social Interactions”, de Edward Glaeser, Bruce Sacerdote e José Scheinkman).
O crime juvenil está associado a pobreza e crime. Estudos empíricos indicam que a mudança geográfica das famílias, com seus menores, de regiões “barra pesada”, reduz crime juvenil (ver”Urban Poverty and Juvenile Crime: Evidence from a Randomized Housing-Mobility Experiment” de Jens Ludwig, Greg J. Duncan e Paul Hirschfield).
As redes de relacionamento têm causalidade mais robusta do que as decisões individuais, quando falamos de crime juvenil (ver “Social Networks and Crime Decisions: The Role of Social Structure in Facilitating Delinquent Behaviour”, de Antoni Calvó-Armengol e Yves Zenou).
O aumento do risco do menor de ser punido não tem impacto sobre a redução do crime e da violência. A base analítica que sustenta o contrário parte da teoria da miopia.
O agente racional “menor criminoso” faria um cálculo custo-benefício, se ele está fora da idade penal, da seguinte forma: ele “vê” no presente os benefícios do crime e, como um míope, de forma não muito nítida os custos de ser pego. A redução da maioridade penal eliminaria a miopia, trazendo para a nítida visão do presente custos e benefícios.
O diabo é que a referência empírica não sustenta a teoria (ver “Crime, Punishment, and Myopia”, de David S. Lee e Justin McCrary). Nos EUA houve redução de maioridade penal em alguns estados. Formou-se um grupo de controle e cientistas sociais puderam avaliar por anos se nos estados onde houve a redução caiu a criminalidade, controlando os estados onde ela não diminuiu. O resultado foi negativo.
Ou os adolescentes são muito “impacientes”, como consumidores “racionais” que pagam juros elevados para comprar um bem durável ou, como recomenda a prudência metodológica a respeito dos limites heurísticos de modelos de racionalidade perfeita, há motivos sub-racionais que explicam o fenômeno.
Quando se consideram mudanças legais, de políticas públicas, temos que tomar cuidado com a irracionalidade das massas e com o fato de que os ratinhos do laboratório social são pessoas. Por esta razão reformas como a política e de leis devem ser lentas e graduais, dando tempo ao learning by doing.
O problema de formulação de políticas públicas é que o laboratório experimental muitas vezes depende da própria alteração do ambiente institucional e dos incentivos.
Sou também contra a redução da maioridade penal pois devemos evitar colocar jovens na universidade do crime, presídios, e não podemos, como acima foi dito, considerar casos raros como regra.
Há pessoas, crianças e jovens inclusive, más (ver, por exemplo, “The neurobiology of psychopathy: A neurodevelopmental perspective”, de Yu Gao, Andrea L. Glenn, Robert A. Schug, Yaling Yang e Adrian Raine).
Eu não convidaria Champinha para tomar um lanche. Tampouco tenho pena ou dó de latrocidas menores de idade e de estupradores em igual condição. Mas, se defender redução da maioridade penal se baseia no argumento de que isso reduz crime em geral, a evidência não corrobora.
Se querem vingança – a aplicação da Lei por vezes sim tem este sentido – não se suporta moralmente reduzir a maioridade penal para se fazer higiene social.
Que se altere o ECA e/ou que se debata com calma propostas como as do Senador Aloysio Nunes Ferreira ou que se aumente, e muito, a pena de maiores que usam menores de 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 anos de idade!
Mas jamais podemos tratar tal tema com referendo, muito menos num momento como este onde os nervos estão à flor da pele e ovos de serpente estão a ser encubados.
[Marcos Fernandes G. da Silva é Pesquisador do Cepesp/FGV, Professor-Adjunto Doutor da FGV/Eaesp, coordenador do Núcleo de Análise e Inteligência do Instituto de Finanças da FGV (NAI/IFIN/FGV), pesquisador na área de economia normativa, políticas públicas de regulação do Estado. Seu email é marcos.fernandes@fgv.br]