Marcos Fernandes: Legalize Já!

CEPESP  |  9 de janeiro de 2017
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Califórnia, Massachusetts e Nevada: estes três estados norte-americanos legalizaram a maconha para uso recreativo. Isto ocorreu nas eleições presidenciais de novembro 2016, quando estados colocaram, junto ao pleito majoritário, pautas locais diversas, o que, aliás, fortalece a democracia baseada na liberdade do pacto federativo (a Califórnia escolheu, os eleitores, por exemplo, permitir sexo sem camisinha em filmes pornográficos).

Tais eventos, interessantes, foram ofuscados pela vitória de Trump, que acabou por ocupar totalmente a agenda dos meios de comunicação e redes sociais. Porém, trata-se de mudança importante, que está a levar os EUA na direção da descriminalização, cedo ou tarde, em todo o território nacional.

Se você é contra a legalização da maconha – eu apoio a da cocaína também, mas reconheço que prudente é começar aos poucos com a “erva”, como se diz – você deve começar uma campanha para criminalizar o vinho, a cerveja e todos os destilados: adeus happy hour, ou pelo menos hora feliz ao jeito indonésio (escolha legitima, aliás, daquela sociedade).

O debate sobre o uso e porte de drogas hoje ilícitas precisa da contribuição de economistas, além de profissionais de saúde pública, médicos e juristas.

Aponto aqui razões factuais, práticas e morais para a legalização, em particular do mercado de maconha e cocaína. Sempre é bom lembrar que legalização não é descriminalização do porte e uso privado (o que se debate hoje no Supremo e que está com pedido de vistas). Legalização é permitir que drogas, como maconha e cocaína sejam ofertadas e demandadas dentro da lei e com regulação ampla.

Em microeconomia aplicada ao estudo de políticas públicas divide-se a pesquisa em construção de modelos e estudo dos dados, por meio de tratamento estatístico (análise positiva) e recomendação de políticas sobre o que deve ou não ser feito usando julgamento de valor (análise normativa).

Meu argumento de defesa da legalização segue esta ordem. Inicialmente vamos aos fatos. Como funcionaria um mercado de maconha e cocaína legal? A droga seria produzida com controle de qualidade, a regulação de mercado deveria favorecer a competição no atacado e varejo e o tributo, tal qual ocorre em vários países com bebida e cigarro, seria reserva financeira para tratamento de doenças relacionadas e de políticas de educação.

Como opera, contudo, o mercado hoje? Sendo ilegal, a oferta do produto é menor e como a demanda é pouco sensível a alterações do preço de mercado, isso aumenta o preço muito mais que a queda do consumo. A consequência são lucros maiores para os traficantes, cartelização do mercado, formação de um oligopólio onde os elevados lucros ajudam a financiar compra de armas, subornar agentes públicos e financiar atividades criminosas adicionais. Basicamente este é o modelo mexicano do mercado, foi o colombiano e o americano, quando da proibição do álcool no início do século passado.

Como criminosos do atacado, chefes do tráfico, aceitam operar com riscos elevados e o ganho compensa, geram-se incentivos para a perpetuação do crime. Acompanha a atividade ilegal tal qual ocorreu na Lei Seca americana, corrupção, guerras de carteis e deles com a polícia, com colaterais, inocentes mortos, vidas de jovens, pequenos traficantes do varejinho, acabadas.

A microeconomia do mercado de drogas é esta e não adianta tentar revogar a lei da oferta e da procura: seria equivalente refutar a lei da gravidade. Com base na análise acima, a London School of Economics publicou amplo relatório defendendo a legalização de todas as drogas hoje ilegais (ver também Ending The Drug War, LSE IDEAS, 2014). Ele foi assinado por cinco ganhadores do Nobel em Economia. Contudo, o que chama a atenção são dois signatários: Alejandro Gaviria Uribe, Ministro da Saúde da Colômbia (2014) e aquele que foi o maior defensor da Guerra às Drogas no mesmo país, George Shultz (Secretário de Estado entre 1982 e 1989).

Mas o que a análise normativa nos diria, já que estapear os fatos não seria algo adequado? Nem todos os mercados devem existir, fato. Cada sociedade deve decidir os limites do mercado. Mas o de maconha e cocaína, por exemplo, deveriam existir dentro da lei, no meu entender.

Vamos a alguns fatos adicionais, antes de defesa normativa, da legalização. Se você é contra legalizar maconha e cocaína, por coerência deve propor a criminalização da bebida alcoólica. Estudo publicado na reconhecida revista de medicina Lancet (“Drug harms in the UK: a multi-criteria decision analysis”, David Nutt, Leslie King e Lawrence Phillips) questiona a classificação britânica de drogas de acordo com danos. Ele conclui que de longe, a droga que mais causa danos, ao indivíduo e a terceiros, é o álcool. Depois vem heroína, crack, meta, cocaína, tabaco, anfetamina e canabis, sendo que danos a terceiros são bem menores para todas estas drogas se comparadas à bebida e mesmo os danos ao indivíduo, no caso da cocaína e da maconha.

Precisamos de estudos assim no Brasil, mas há evidências dos danos que o álcool gera ao consumidor e a terceiros (acidentes com carro, por exemplo).

O proibicionismo é irracional perante a teoria econômica, aos fatos. Mas ele o é também na ótica normativa. Em debates desta natureza sempre é lembrado o critério de justiça de J S Mill, qual seja, deve haver liberdade individual para que uma pessoa faça o que bem entender com sua vida, desde que isso não gere malefícios a terceiros.

Evidentemente devemos começar a pensar em políticas públicas para depois da legalização. Este tema fica para outro artigo, junto com a questão das liberdades individuais e da autonomia (ou não) dos consumidores. Mas deve-se notar que legalizar não reduz criminalidade, como muitos acreditam, da noite para o dia. Sem gerar algum tipo de ocupação para os pequenos traficantes e para a baixa hierarquia do tráfico – até o nível médio, talvez – o crime comum e outros, de natureza organizada (sequestros, por exemplo) podem aumentar.

Empregar, portanto, pequenos traficantes no comércio legal de drogas poderia ser uma solução parcial para este problema, assim como a prisão (e isto deveria ser estrategicamente planejado) dos chefes do crime, sem perdão. Esta também é uma preocupação de outros estudiosos de políticas públicas.

Mas há outro argumento ético em defesa da legalização de cocaína e maconha: em 1991 Milton Friedman, também ganhador do Nobel, teve a coragem de dizer que quem cria cartéis de drogas é o governo e o problema da ilegalidade era muito mais moral, pois implicava destruição de vida de jovens pequenos traficantes na cadeia e crianças mortas por balas perdidas. Nota-se alguma semelhança conosco hoje?

Marcos Fernandes G. da Silva é pesquisador associado de políticas públicas (CEPESP/FGV), autor de Ética e Economia (segunda edição ampliada no prelo, GEN, 2017), professor de microeconomia e governo (FGV/EAESP e DireitoGV) e economista da Fundação Getulio Vargas.

(Texto originalmente publicado no JOTA em 14-Novembro-2016)

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