Minha Casa, Minha Vida é bom? – 5 perguntas para Claudia Acosta e Martha Hiromoto

CEPESP  |  20 de dezembro de 2019
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O programa Minha Casa, Minha Vida foi o maior programa habitacional do país, superando o BNH, que durou 22 anos e garantiu 4,4 milhões de moradias. O MCMV contratou 5,4 milhões de moradias até 2019. Apesar desse resultado expressivo, as pesquisadoras do Cepesp, Claudia Acosta e Martha Hiromoto, encontraram evidências de que ele colocou a população mais pobre em locais mais distantes dos centros urbanos, sem serviços e infraestrutura urbana adequados, o que não ajudou a reduzir a precariedade habitacional no país. Mesmo assim, elas listam pontos positivos e apontam áreas em que a pesquisa sobre o MCMV pode evoluir. Acosta é doutoranda em Administração Pública e Governo pela FGV, mestre em Estudos Urbanos (El Colegio de México) e em Direito e Desenvolvimento (FGV). Hiromoto é mestre e graduada em economia pela USP, doutora em administração pública pela FGV. Confira os detalhes, nas “5 perguntas” que as pesquisadoras responderam ao blog do Cepesp. 


1- O Minha Casa Minha Vida é o maior programa habitacional já implantado na América Latina?  Ele supera o “famoso” BNH?

Certamente é o maior programa realizado no país e o único que contemplou de forma clara a população de baixa renda, em alguns casos inclusive sem renda do país, que é a população com maiores carências habitacionais.  O BNH financiou um número próximo de habitações, mas o fez ao longo de 22 anos e não deu prioridade à população pobre. Na América Latina só tem uma experiência comparável em escala, os programas federais mexicanos “tu casa” e “está es tu casa” desenvolvidos entre 2002 e 2012.  

2- Se ele foi tão expressivo, porque vocês afirmam que não há evidência de que o PMCMV esteja reduzindo a precariedade habitacional e pode até a estar piorando?

Nosso ponto de partida é o seguinte: o esforço público precisa produzir bem-estar superior ao aquele que as pessoas conseguem pelo próprio esforço; diriam os economistas um “aumento do consumo de bem-estar”, ou seja, uma moradia com todos os serviços urbanos necessários (esgoto, água, energia, etc.) e numa localização com oferta de escolas, de saúde,  que considere o tempo da vida  e o custo de locomoção para os beneficiários, e os custos para o governo municipal em prover os serviços até as áreas distantes onde se localizam as novas moradias. Ao estudar o programa MCMV para a faixa 1, destinado à população pobre, encontramos evidências de que o programa seguiu o padrão dos programas para população pobre, concentrando os beneficiários em locais distantes dos centros urbanos, carente de infraestrutura urbana e oportunidades. Também concentrou a oferta de moradias para além da mancha urbana, intensificando a expansão da mancha urbana das cidades, e com poucas exigências que cuidassem da oferta de serviços para as famílias. 

3- Que problemas tem o desenho do programa MCMV? O que não está sendo colocado nos custos? 

O custo de morar longe sem dúvida é o grande custo para as cidades, a sociedade como um todo e para as famílias beneficiárias, e não está sendo colocado na conta.  O programa precisa ser melhor do que o que as pessoas conseguem fazer pelo esforço próprio, propiciando a integração dos mais vulneráveis no tecido urbano, nos locais com oferta de serviços, oportunidades e menores custos para o dia a dia. O programa não pode simplesmente deixar a conta da má localização para o próximo prefeito e para a cidade. O atual equilíbrio político do programa favorece a construção de grandes empreendimentos distantes dos centros urbanos, pois os agentes tomadores de decisão – que não inclui o morador – se beneficiam de volume e não necessariamente de habitação de qualidade, no sentido amplo. A CEF tem um orçamento a cumprir, os governos locais têm todo o interesse em atrair os investimentos para o seu reduto eleitoral, e as construtoras tem uma demanda cativa, na faixa 1, sem os riscos da comercialização. O resultado são loteamentos distantes, onde o preço da terra é menor o que torna os empreendimentos mais lucrativos para as construtoras.

4 – Que sugestões podem ser feitas para melhorar o programa? 

Manter a prioridade no atendimento à população que mais precisa do apoio do governo: a população pobre.  Além do anterior, conciliar os méritos do programa com os aspectos que precisa ajustar. O programa teve muitos méritos do ponto de vista da implantação tais como a cobertura nacional, garantir o ganho político, estabelecer um bom sistema de contratação, ser um programa flexível e adaptável a ampla variedade de condições dos entes subnacionais. Por outro lado, o programa precisa dar atenção a:  a) critérios urbanísticos que favoreçam melhores localizações e estejam localizados dentro da mancha urbana, b) estabelecer incentivos favoráveis ao maior esforço e comprometimento dos níveis municipais assim como estabelecendo obrigações claras com relação aos investimentos públicos necessários à completa habitabilidade dos arredores das moradias, c) garantir que o programa signifique incremento na cobertura de abastecimento de água e especialmente da rede de esgoto, d) introduzir instrumentos que favoreçam projetos com usos diversificados e oferta de habitação para população com renda variável, e) explorar modalidades alternativas de subsídio para a população de baixa renda articuladas a microcrédito que viabilizem a continuidade do programa. 

5- Na pesquisa sobre o programa, quais seriam passos futuros importantes para aumentar o conhecimento e ajudar no avanço de políticas públicas na área da habitação? 

Já temos informação ampla sobre a comportamento territorial do programa, mas precisamos avançar em melhor compreender os efeitos dessa localização na vida das famílias, nas dinâmicas urbanísticas dessas cidades, e nas estratégias dos municípios para atender essas famílias. Precisamos de mais estudos focados no fator “tempo” nas decisões de localização. Também precisamos entender melhor as necessidades locais, o que de fato atende às famílias: titularidade, a casa nova, um local para morar próximo aos centros urbanos, etc. Outro aspecto são as relações políticas entre eleitores e prefeitos e do ponto de vista federativo e dos equilíbrios políticos. Vale a pena também um olhar alternativo para os problemas de localização e sua relação com as regulações urbanísticas municipais. E finalmente, estudos internacionais também podem ajudar a melhor identificar problemas do desenho do programa (e não só sobre sua implantação).  

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