
Especialistas em mobilidade urbana e representantes de empresas de transporte individual e coletivo por demanda através de aplicativos discutiram o futuro e a regulação do uso desses aplicativos em seminário realizado pela MobiLab (Laboratório de Inovação em Mobilidade da Prefeitura de São Paulo) na tarde do dia 26 de novembro.
Participaram do evento o coordenador do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV (Cepesp/FGV) e ex-diretor da SPTrans, Ciro Biderman, a mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da FGV e também pesquisadora do Cepesp/FGV, Patrícia Mello, Miguel Jacob, da 99, empresa e aplicativo de transporte individual e Danilo Tamelini, da BusUp, plataforma espanhola de locação compartilhada de ônibus fretados. Daniela Swiatek do MobiLab mediou a discussão.
A necessidade de aplicação de formas de regulação inteligentes e inovadoras foi o ponto principal do seminário. Miguel Jacob acredita que já passou a fase de discussão sobre a proibição ou não dos serviços. “Estamos em um ponto de entender qual é a melhor regulação para que a gente colha os frutos dessa tecnologia no futuro”.
Ciro Biderman segue a mesma linha de pensamento e lembra que “se seguirmos regulando pensando no passado, não vamos muito longe”: “A mobilidade não será igual ao que era há cinco anos, não podemos mais pensar em transporte do jeito que a gente sempre pensou”.
Patrícia Mello concorda com a visão do pesquisador. Para ela, há um “despreparo” da classe jurídica para acompanhar o mundo atual. A popularização de novas tecnologias e aplicativos que facilitam o descolamento nas cidades trouxe desafios ao setor público em como regularizar essas ferramentas, porque “a maioria dos advogados” ainda se limita aos modelos tradicionais, sem “se perguntar como que é possível regulamentar as novas tecnologias”.

Ela lembra que, apesar de a Secretaria de Mobilidade Urbana ter sido criada em 2003 com o Ministério das Cidades, a Constituição Federal abordou apenas em 2014 o tema da mobilidade urbana eficiente e sustentável, que compreende as dimensões sociais, econômicas e ambientais – que vão além do transporte.
“Enquanto o Direito não consegue na legislação e na jurisprudência se entender, a mobilidade e suas soluções estão se colocando, existe um mundo novo se estruturando”, observa.
O atraso jurídico para entender e regulamentar de forma eficiente as novas tecnologias de transporte é sentido por Danilo Temelini. Para o CEO da BusUp no Brasil, legislações ultrapassadas criam obstáculos para a inclusão do transporte coletivo privado como um modal complementar “verdadeiro”: “Existe uma trava muito grande, operacionalmente falando, para o fretamento ser mais efetivo”.
A necessidade de liberação da contratação individual fracionada do transporte privado – o que hoje não é legal se não for feito via associação – e a flexibilização e a regulamentação do fretamento nas cidades são alguns dos desafios listados pelo representante da BusUp.
“As empresas estão olhando só para o transporte individual, o coletivo está sendo muito pouco abordado. E essa (fretamento coletivo) é uma alternativa que a gente acredita muito e quer que realmente funcione na cidade, para ser um complemento de todos os modais de transporte”, destaca Tamelini.
Biderman também enxerga que a nova economia de mobilidade por aplicativos está favorecendo muito mais o transporte individual: “eu não estou vendo os ganhos aparecer para os modos coletivos ainda. Estão retirando passageiros do transporte público e levando para o transporte individual e compartilhado por demanda. Ou seja, se a gente não regular direito, vai ter uma meia dúzia de empresas milionárias e, no final do dia, a mobilidade ao invés de melhorar vai piorar”.
O especialista em mobilidade urbana enfatiza que “não adianta nada a gente ter uma cidade inteligente com uma regulação burra”, porque os novos modais não devem substituir os modelos tradicionais de deslocamento, o que vem acontecendo com a generalização desses serviços. “Se não for muito bem regulado, a tendência é piorar”, aposta Biderman.
Além disso, ele acrescenta que a base da ideia da regulamentação é a cobrança de taxas de uso comercial da rua, controlando esse valor por meio do tempo e do espaço percorrido pelos motoristas. A base do preço dessa taxa seria o custo de manutenção do sistema viário.
“25% da terra de todas as cidades, em média, são ruas. Ou seja, ¼ da terra não tem gente morando, tem carro passando. Isso não tem comparação com a quantidade de terra que os governos têm. Eu não consigo entender qual a lógica de não cobrar alguém que está explorando isso comercialmente”, questiona Biderman.
Uma das soluções para a regulamentação inteligente, segundo Mello, é a do desenvolvimento em conjunto de políticas públicas e políticas regulatórias. A aproximação entre os agentes formuladores dos dois eixos permite que a política respeite um modelo lógico e que se estruture para atender aos problemas colocados pela sociedade.
“Assim, a política regulatória incorpora toda essa lógica, podendo dar condições de impor as obrigações finais para derrubar barreiras desnecessárias”, explica Mello. Biderman completa: “Se você quer ter ganhos sociais, precisa regular inteligentemente”.