O megapacote fiscal é bom? – 5 perguntas para Felipe Salto

CEPESP  |  11 de novembro de 2019
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Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, avalia que o pacote anunciado pelo governo na semana passada _ composto por três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) focadas em fornecer mecanismos mais eficientes de ajuste fiscal e de controle de dívida tanto na União, como nos Estados e municípios_, “está na direção correta”. Para ele, um dos problemas das medidas é sua ambição. Ao colocar muitas mudanças na mesa ao mesmo tempo, as regras podem ser atrapalhadas pelo tempo político. Salto, economista pela FGV/EESP e Mestre em Administração Pública e Governo também pela FGV-SP, e ex-pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV), falou na quinta-feira passada em um evento conjunto do Cepesp e da Escola de Economia de São Paulo (EESP) com o tema “Os três anos de atuação da Instituição Fiscal Independente e os cenários fiscais do Brasil”. As medidas, ponderou, podem ajudar a conter a trajetória explosiva da relação dívida/PIB que cresceu mais de 27 pontos em seis anos. Na palestra e em uma entrevista na sequência, Salto respondeu cinco perguntas à equipe do Cepesp.

1- Qual sua avaliação do pacote fiscal apresentado pelo governo?

O pacote está na direção correta porque o Brasil está na maior crise fiscal da sua história e você precisa de medidas que ajudem a conter o avanço do gasto obrigatório. Só a reforma da Previdência não resolve esse problema. Ela vai produzir uma estagnação do gasto como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), mas não vai resolver todo o problema do gasto e da dívida pública. A vantagem do pacote é que ele ajuda a ter mecanismos constitucionais de controle do gasto, despesa de pessoal entre eles, como controle de jornada, congelamento de salários, não realização de concurso. Tudo isso parece muito antipopular, mas temporariamente pode ser importante para o Estado se reorganizar. O Estado está muito grande e perdeu a capacidade de executar políticas públicas. Nesse sentido, a visão geral do pacote é positiva, mas os detalhes precisam ser bem analisados porque um pacote tão grande como esse corre o risco de perder o foco.  Quais são as prioridades? A opção do governo foi apresentar todas as medidas junto, mas o risco é que você acabe travando toda a tramitação. Acho que uma parte vai avançar mais rápido, uma parte não vai avançar. Mas é muito ingênuo imaginar que até o primeiro trimestre do ano que vem elas vão ser aprovadas. Não vão.

2- O que pode avançar com maior facilidade no Congresso?

As medidas da PEC emergencial devem andar mais rápido, especialmente àquelas que tratam do ajuste fiscal da União, as que aceleraram os gatilhos. O que acontece hoje? O governo não tem mecanismos para conter salários e despesas porque o teto [dos gastos] só vai ser rompido em 2021 pelas contas da IFI. Então, a gente vai ficar cortando investimentos até zerar o investimento? Me parece que essa parte é a que tem mais chance e onde o governo pode impor pressão para acelerar. A parte que envolve municípios, Estados, contratação de dívida pelos Estados, mesmo a questão dos fundos públicos, é muito polêmico e não vai ser imediato.  A PEC acaba com a lei Kandir, cria o conselho fiscal da República para enquadrar os governadores e os prefeitos, aumenta o poder do TCU sobre eles e como contrapartida distribui as receitas do petróleo, cerca de R$ 400 bilhões em 15 anos. Mas a solução da questão federativa não é dar mais dinheiro. Essa é um pouco, contudo, a lógica do programa que está sendo apresentado como pacto federativo, mas de fato é muito ambiciosa. Pessoalmente não acho que dá para esperar que isso vai avançar tão rápido. Ele não é um fruto maduro como a Previdência.

3 – Uma das principais críticas ao teto dos gastos é justamente esse constrangimento ao investimento. Isso pode ser resolvido por essas medidas?

A única forma é se conseguirmos voltar a gerar um resultado primário melhor. Aí volta a sobrar recursos para investimento. Mas demora um pouco. Outra frente é você conter gastos obrigatórios. Se as PECs avançarem, especialmente a emergencial, esse mecanismo de permitir conter o gasto de pessoal, via salários, contratações e redução de jornada, pode fazer com que sobre algum recurso para investimento, mas não nesse primeiro momento.

4 – Em que horizonte? E até lá, por onde o país pode voltar a crescer?

Três anos à frente, mais ou menos. E acho muito difícil acelerarmos o crescimento. Vamos ficar crescendo entre 1,5% e 2% por um tempo. 2020 vai ser melhor que 2019. Estamos revisando nossa projeção, mas deve ser de 2,2% para o ano que vem, mas é um crescimento muito baixo porque a renda per capita do Brasil comparada com a dos países em desenvolvidos é um quarto, já fazendo a conta em paridade do poder de compra. Nosso principal objetivo é crescer, mas para crescer você precisa de exportações e investimento e para isso você precisa atrair capital privado, ter bons projetos de infraestrutura. O BNDES vai precisar voltar a ter um papel. Fomos de um extremo a outro, de um BNDES muito pesado para o outro, em que ele foi reduzido a um papel muito pequeno. Em todo país que se desenvolveu, você pega a Coreia, por exemplo, você tem mecanismos de fomentar investimentos. Acho que passado esse período de maior dificuldade na agenda fiscal é preciso avançar mais rápido no investimento e nas exportações.  Nesses dois canais que poderiam ajudar a retomar um crescimento mais rápido, o governo está deixando a desejar.

5- Esse ambicioso pacote fiscal diminui as chances de a reforma tributária ser discutida em 2020?

Eu acho que a chance da reforma tributária está perto de zero. Ela é uma das mais importantes para o crescimento porque ela reduz custo de transação, simplifica, reduz o custo de compliance, melhora a competitividade da indústria exportadora, mas há um conflito em torno da questão tributária e o governo não diz o que quer. Depois da queda do Marcos Cintra e da proposta da CPMF, o governo não tem mais um projeto. O governo disse que vai criar uma comissão para discutir as duas propostas, a do Senado e a da Câmara, que são muito boas. Roberto Campos dizia, quando você não sabe o que quer fazer, cria uma comissão. Então é preocupante que o governo não tenha uma proposta própria de reforma tributária e é por essa razão que eu acho que a possibilidade não é muito alta. E se o pacote passou a ser a prioridade máxima, como vai ter tempo político e espaço para discutir a reforma tributária?  Dois corpos não ocupam o mesmo espaço, é física.

Observação: Na sexta-feira, a IFI publicou a primeira avaliação sobre o conjunto das medidas. Ela pode ser acessada nesse link.

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