O ocaso de PT e PSDB diante de 2018 – 5 perguntas para Cláudio Couto

CEPESP  |  4 de setembro de 2017
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Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, e o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT 

As eleições de 2018, com resultados tremendamente incertos, não representarão o fim da crise política brasileira. O sistema político partidário entrou em colapso, com o PT e PSDB, que representaram o sistema dos últimos 25 anos, em profunda crise e, pelo jeito, sem esforço para mudar até lá. Na avaliação do cientista político Cláudio Couto, professor da FGV e pesquisador do CEPESP, o quadro para os dois partidos é de mais – e não menos – enfraquecimento nas eleições do ano que vem.

Dória é mais um fenômeno de uma nova política que adota um discurso de negação da política, do que um produto orgânico do PSDB. Creio que suas chances de êxito eleitoral passam justamente por não se confundir com o PSDB”, diz Couto sobre o prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), que foi eleito com o slogan de negação da política e que continua sustentando essa retórica depois de oito meses de mandato. Para o PT, Couto é peremptório: “É difícil, contudo, falar em renovação enquanto as lideranças do partido seguem enredadas com problemas de corrupção e apoiando uma ditadura como a da Venezuela. Seguindo por essa senda, o PT caminha ainda mais celeremente para o ocaso”.

Leia abaixo a entrevista exclusiva que Cláudio Couto deu ao blog do CEPESP na seção 5 Perguntas Para:

1) Temos 35 partidos, mas muitos estão tirando o “p” do nome, como Democratas, Podemos, Livres, Solidariedade e agora até o PMDB pode voltar a se chamar MDB. Além deles, novos movimentos (como Acredito, Agora e outros) também tem atuado no debate político. Candidaturas avulsas podem ser um caminho nessa crise de representatividade?
Cláudio Couto: Esse fenômeno de partidos sem nome de partido é mundial, decorrente do desgaste pelo qual esse tipo de instituição tem passado em diversas democracias. Mas note-se que o uso do termo “partido” não é uma regra geral e há vários casos históricos, aqui e fora daqui, em que organizações de natureza partidária não adotam tal denominação formal. Podemos lembrar, entre nós, da UDN, da ANL e da AIB, antes de 1964. Na França, o Partido Socialista já se chamou SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária), os liberais argentinos se denominam União Cívica Radical, e por aí vai. A novidade é que novas agremiações hoje repelem termos que remetem à ideia de uma organização (como partido, união, aliança etc.), preferindo usar apenas um nome fantasia, que evoque algum tipo de valor ou ideal. Daí “Solidariedade”, “Podemos”, “Democratas”, “Livres”, “Avante” etc.. O movimento de Macron, na França, denominou-se “Em Marcha”; na Itália há o “Cinco Estrelas”, e por aí vai. Esse desgaste da ideia de partido tem a ver com o descrédito da classe política profissional e da própria política como atividade profissional – algo que me parece inescapável. Não é à toa que Macron fez questão de montar a chapa legislativa de seu partido predominantemente com pessoas que não tinham experiência política prévia; o mesmo faz com que Dória diga não ser político, mas gestor; assim como o Partido Novo (que se define como “partido”) repele o “carreirismo” na política.

2) O que esperar das eleições de 2018: o fim de uma longa crise política ou seu aguçamento extremo?
Cláudio Couto:
Entendo que as eleições de 2018 são tremendamente incertas. Não creio que representará o fim da crise, nem necessariamente seu aguçamento; é possível que ainda teremos de conviver com a atual crise de representação por mais algum tempo. A incerteza maior decorre, creio eu, do fato de que nosso sistema partidário colapsou. Nos últimos quase trinta anos esse sistema se estruturou nacionalmente com base numa bipolarização entre PT e PSDB. O PT sofreu um duro golpe com os seguidos escândalos que enfrentou, culminando num governo desastroso, que foi o de Dilma Rousseff – uma presidente completamente incapacitada para o cargo, tanto em função de sua inabilidade política, como de sua inflexibilidade ideológica. Eu classifico Dilma também ela como uma não política, entendida aqui a ideia de política como uma atividade profissional. Ela não era uma profissional da política, mas sim um híbrido de burocrata (alguém apegado a rotinas e minúcias administrativas) e militante (alguém apegado a convicções inarredáveis). A consequência dessa combinação foi um governo incapaz de lidar com os políticos profissionais de forma hábil e aferrado a políticas econômicas equivocadas. Somando-se isto aos problemas do partido, chegou-se ao impeachment e à debacle das eleições municipais de 2016, quando o partido perdeu 60% de seus prefeitos. O que sobra ao PT, hoje, é Lula e algum enraizamento na sociedade civil organizada; se Lula não for candidato por força da Lava Jato, o PT se esvai e um dos pilares da disputa política esfarela. Já o PSDB é um partido que perdeu cada vez mais sua unidade e se abraçou a um governo tremendamente impopular, o de Temer. Alckmin deve ganhar a disputa interna no partido, mas terá de muito provavelmente concorrer com sua própria criatura, João Dória, que se não conseguir a candidatura tucana, poderá sair por algum outro partido. Mas ainda há o espaço para candidatos que sejam (como Dória) percebidos, cada um a seu modo, como antissistema: Marina, Ciro e Bolsonaro. Todos eles chegam à disputa com alguma chance de vingar, daí o cenário incerto. De alguma forma, parece-se com 1989, com a diferença de que naquele momento os partidos estavam justamente se afirmando, enquanto hoje estão soçobrando. Ademais, não tínhamos naquele contexto um candidato fascista, como é o caso de Bolsonaro.

Cláudio Couto
Cláudio Couto, cientista político, professor da FGV-SP e pesquisador do CEPESP

3) Há grande expectativa quanto a mudança na PGR depois da gestão Janot. Isso acontecerá agora, no dia 18 de setembro. Como deve se comportar a PGR e o MPF no ano eleitoral?
Cláudio Couto: Creio que os promotores e procuradores das instâncias inferiores do Ministério Público Federal seguirão fazendo o que fazem hoje, incomodando os políticos e tentando ditar sua própria agenda ao país. O que acontecerá na PGR é ainda incerto. Por um lado, Janot deixará para sua sucessora uma série de processos que ela terá dificuldade de simplesmente engavetar, embora possa tirar deles a prioridade. Mas isto é, ao menos neste momento, uma conjectura; a nova PGR poderá usar da independência do cargo para perseguir uma agenda que seja sua e não a de quem lhe nomeou. Caso se mostre uma nova “engavetadora geral da República”, produzirá uma grande reação interna ao MP, pois a instituição chegou a um ponto de não retorno em seu ativismo. De qualquer modo, o fato é que o Ministério Público é uma instituição cuja lógica é, paradoxalmente, a de ser reforçar justamente pela concessão de uma desmesurada independência a cada um de seus membros individuais; é isto o que move o MP tanto no âmbito federal como no estadual. Aliás, é daí que emerge o problema da falta de responsabilização de seus membros por quaisquer abusos no exercício da função.

4) Temos um número maior de políticos religiosos, em especial os evangélicos, que constituem bancada relevante no Congresso e ganharam o comando de cidades importantes, como o Rio. Eles se inserem nessa “despolitização” demandada pela sociedade? Quer dizer, ao dizer que não são políticos tradicionais?
Cláudio Couto:
Não consideraria os evangélicos políticos não tradicionais. Aliás, creio que sob vários aspectos eles levam o tradicionalismo ao paroxismo; basta ver como votam no Congresso, a que partidos pertencem e com quem se aliam. Entretanto, é forçoso reconhecer que o uso da religião, da forma como o fazem os políticos evangélicos, é fato novo. Mas a novidade decorre de uma mudança demográfica da população, com o crescimento das religiões evangélicas, bem como de uma mudança tecnológica, com a difusão da fé e dos valores a ela associados pelos meios de comunicação de massa e, agora, a internet. Quando a religião politicamente dominante no país era o catolicismo, as condições eram outras sob o aspecto tecnológico. Ademais, a Igreja Católica tem hoje uma relação bem mais distanciada da política partidária do que os evangélicos. No caso destes, igreja, partidos e lideranças políticas se misturam muito mais. E a onda conservadora que vivemos é, ao mesmo tempo, consequência do avanço e fator de reforço dos evangélicos. Por isto mesmo, creio que a presença na política de temas religiosos, ou de uma moral religiosa, vieram para ficar por muito tempo.

5) De São Paulo partem três dos projetos mais competitivos para 2018: o governador Geraldo Alckmin, em fim do segundo duplo mandato; o prefeito em primeiro ano de mandato, João Dória; e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no campo da esquerda. Aliás, o plano B do PT também é de SP – o ex-prefeito Fernando Haddad. Que análise o senhor faz dos desdobramentos recentes do PT e do PSDB à luz do que está por vir em 2018?
Cláudio Couto: Como eu já apontei, entendo que PT e PSDB (sobretudo o primeiro) estão numa crise séria, o que lhes enfraquecerá em 2018. A meu ver, Dória é mais um fenômeno de uma nova política que adota um discurso de negação da política, do que um produto orgânico do PSDB. Creio que suas chances de êxito eleitoral passam justamente por não se confundir com o PSDB. Até nisto ele leva vantagem sobre seu mentor, que deve ficar para trás caso a disputa caminhe para uma candidatura de Dória por outro partido. E, quanto ao PT, se tiver de lançar a candidatura de Haddad, será muito provavelmente para perder, mas tentar sinalizar com uma renovação do partido. É difícil, contudo, falar em renovação enquanto as lideranças do partido seguem enredadas com problemas de corrupção e apoiando uma ditadura como a da Venezuela. Seguindo por essa senda, o PT caminha ainda mais celeremente para o ocaso.

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Perguntas formuladas por João Villaverde, pesquisador do CEPESP, na FGV em São Paulo

 

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