Dentro de um ano, os brasileiros irão às urnas escolher o novo presidente da República, além de renovar (ou não) o Congresso Nacional, definir os governadores e os deputados estaduais. As eleições de 2018 e suas novas regras podem definir o fim do “estado de crise permanente” que o país está desde o último pleito geral, de 2014. Naquele ano começaram a operação Lava Jato, a crise econômica e a acirrada polarização política. De lá para cá, os principais símbolos empresariais foram presos (Eike Batista, Marcelo Odebrecht, André Esteves e os irmãos Joesley e Wesley Batista), a presidente reeleita foi afastada por processo de impeachment, o segundo colocado (Aécio Neves) teve a prisão pedida pelo Ministério Público Federal e está afastado do mandato de senador por decisão do STF, o deputado que presidiu a Câmara dos Deputados até o ano passado (Eduardo Cunha) e ex-governadores (Sérgio Cabral, Silval Barbosa) foram encarcerados. Estados decretaram falência financeira (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) e o país inteiro se viu discutindo os rumos políticos, tendo as eleições do ano que vem no horizonte.
Há muito em jogo para 2018.
O que poucos se lembram é que em 2016 houve um balão de ensaio eleitoral para 2018. Pela primeira vez eleições foram realizadas com a proibição do financiamento de empresas e o estado de crise já era agudo. Quais, afinal, são os recados de 2016 para 2018?
Para a doutora em ciência política Lara Mesquita, pesquisadora do CEPESP, da FGV em São Paulo, os recados são importantes e devem ser colocados em perspectiva para se analisar o que está por vir. Caso as regras não sejam alteradas, o espaço para aventureiros em 2018 será ainda maior do que foi em 2016. Por outro lado, se um teto ao autofinanciamento for estabelecido nos próximos dias, esse espaço será consideravelmente menor, avalia Lara. Ela também trata dos partidos políticos, da falta de manifestações de rua como possível “exaustão” social e dos possíveis motes que darão significado às eleições do ano que vem.

Graduada e com mestrado em ciência política pela USP, doutorado pela UERJ e atualmente seguindo seu pós-doutorado junto ao CEPESP, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a pesquisadora Lara Mesquita respondeu as 5 perguntas:
1) Desde 2014, os principais temas nacionais tem sido os mesmos: crise econômica, forte salto no desemprego, corrupção generalizada (revelada por operações como Lava Jato, Zelotes, Quinto do Ouro etc.), embates entre os poderes da República, descrédito da política. Como devem se comportar os líderes partidários (tanto os tradicionais quanto o de novos partidos, como Rede e Novo, e de movimentos, como Acredito, Livres, Agora entre outros) neste quadro que desemboca em 2018?
Lara Mesquita: A cena para 2018 ainda está bastante indefinida, e partidos com personalidade distintas vão lançar mão de diferentes discursos. No que tange à disputa presidencial, será o discurso da “experiência necessária para conduzir o país nesse momento de crise” versus o discurso do “novo, limpo, sem vínculos com a corrupção que assola o sistema”. Além disso, importarão também as condições para a realização da campanha. Essas condições são fundamentais na definição das posições em que os candidatos poderão se apresentar. E provavelmente só teremos essa definição no início de outubro.
2) Fazer campanha eleitoral sem financiamento das empresas pode abrir espaço para aventureiros ou, ao contrário, aproximar os candidatos dos eleitores?
Lara Mesquita: A resposta vai variar de acordo com a definição das condições do financiamento de campanha. Caso se repita o cenário de 2016 (apenas a verba do Fundo Partidário, sem um grande incremento no mesmo e com a possibilidade de candidatos se autofinanciarem sem limites), podemos esperar maior espaço para aventureiros. Mas se nas mudanças que devem ser aprovadas nos próximos 10 dias ficar definido um teto para esse autofinanciamento, e a verba disponibilizada aos partidos pelo Estado vier a ser incrementada (seja pela criação do Fundo Especial de Financiamento da Democracia, ou por um aumento substantivo da verba destinada ao atual Fundo Partidário), a gestão da maior parte dos recursos volta a se concentrar na mão dos dirigentes partidários, e a chance dos aventureiros diminui. Se a distribuição da verba de origem estatal, qualquer que seja ela, mantiver a lógica de distribuição proporcional a bancada eleita no pleito anterior, poucos partidos terão, de partida, recursos suficientes para realizar uma campanha presidencial competitiva. Por outro lado, a escassez de recursos incentivará partidos e candidatos a aumentarem os esforços em busca de doações vindas de pessoas físicas, o que pode resultar em uma aproximação entre candidatos e eleitores. Mas provavelmente esse será um processo lento, que será construído ao longo de alguns ciclos eleitorais. O mais importante no que concerne à questão do financiamento de campanhas é o estabelecimento de critérios claros e mais justos, que desconcentrem a origem dos recursos. O ideal é que o valor da doação não varie conforme a renda do doador, mas sim que se tenha um teto único, igual para todos. E que a diferença entre quem doa o teto e quem doa menos não seja tão significativa, de modo a incentivar pequenas doações. Dados sobre a eleição de 2014 apresentados recentemente por Bruno Carazza mostram que o que predominou naquela disputa foram doações milionárias. Parte substantiva do recurso disponibilizado teve origem em poucas empresas que doaram montantes altíssimos. Em um cenário de doações milionárias há desestímulo tanto para os partidos e os políticos correrem atrás de pequenas doações, como para eleitores doares pequenos montantes.

3) O fim das coligações entre partidos, aprovado no bojo da reforma política, pode fortalecer os partidos? Ou a criação da nova Federação Partidária é apenas a coligação com outro nome?
Lara Mesquita: O principal efeito do fim das coligações é diminuir a fragmentação do legislativo no Brasil. Facilitará a transição de um parlamento hiperfragmentado, em que os partidos têm dificuldade de ter 10%, 15% das cadeiras, para um cenário um pouco mais concentrado, mas ainda distante do bipartidarismo. Esse efeito não deve ser sentido imediatamente, mas no médio prazo, e deverá melhorar as condições de governabilidade no país. As federações partidárias são bastante diferentes das coligações porque impõem atuação conjunta também após o processo eleitoral, na atividade legislativa. Para fins práticos as federações funcionam como um partido durante as eleições e também durante o exercício do mandato legislativo, só podendo ser desfeita no próximo ciclo eleitoral. A depender da regulamentação para o acesso a recursos por parte dos partidos que formem uma federação elas podem ser vistas como um incentivo para a fusão de legendas nos casos de federações mais longevas.
4) No ano passado, o financiamento empresarial já estava proibido; São Paulo teve eleição concluída em primeiro turno pela primeira vez na história; Rio de Janeiro elegeu um pastor evangélico como prefeito; Belo Horizonte elegeu um prefeito neófito em política partidária etc. Muitos nomes tradicionais da política regional, e mesmo nacional, estão em baixa nas pesquisas estaduais. Que análise você faz das eleições municipais de 2016, como balão de ensaio para 2018?
Lara Mesquita: Na eleição de 2016 presenciamos uma confluência de fatores interferindo no processo eleitoral. O discurso do novo na política, que esteve muito presente na eleição de 2012 – embora com menor êxito no que diz respeito ao desempenho eleitoral (escrevi sobre esse fenômeno nas eleições de 2012 aqui) – voltou à carga fortalecido sobretudo com os desdobramentos da Lava-Jato, que teve um pico em 2016, mas ainda estava restrita a um contingente menor de legendas, ainda muito centrado no Partido dos Trabalhadores (PT) e não tendo atingido, até aquele momento, o PSDB e o PMDB, por exemplo. Além da pressão revigorada pelo novo, e o desgaste produzido pela Lava-Jato, tivemos uma mudança importante nas regras de financiamento eleitoral que foi a proibição da doação de campanha por parte de pessoas jurídicas e a não definição de um teto de autodoação por parte dos próprios candidatos. Mas é preciso olhar com atenção os resultados: o prefeito eleito em primeiro turno em São Paulo, embora se apresentasse como um não político, estava chancelado por um dos maiores partidos nacionais, que governa o Estado de forma ininterrupta desde 1994. O prefeito eleito de Curitiba, embora se tenha apresentado por um partido pequeno, tem vasta experiência política, já tendo inclusive governado a cidade anteriormente. O mesmo vale para o prefeito eleito do Rio, que foi senador e ministro antes de se eleger prefeito. Talvez apenas Belo Horizonte tenha eleito um neófito propriamente dito. Se há algum recado de 2016 para 2018 é que ainda será difícil romper o círculo dos partidos tradicionais. Tanto no que diz respeito a complexidade de estrutura necessária para disputar uma eleição nacional, infinitamente maior que a demandada nas eleições municipais, como no que se refere a um aceno para os eleitores. Sobretudo em um cenário de escassez de recursos e no qual candidaturas avulsas não são permitidas. Mas é importante lembrar que de lá para cá, o alcance da Lava-Jato aumentou e mais partidos foram envolvidos nos escândalos, e que a fiscalização dos gastos de campanha deve ser intensificada em relação ao que aconteceu em 2016.
5) A presidente eleita em 2014 sofreu processo de impeachment. Seu vice, agora presidente, foi denunciado duas vezes por crimes de corrupção ativa e organização criminosa. O segundo candidato mais votado para presidente nas últimas eleições teve a prisão pedida. Ex-governadores, ex-senadores e o deputado que presidia a Câmara no ano passado estão presos. As manifestações de rua, no entanto, perderam força e mesmo as greves sindicais do começo de 2017 perderam ímpeto. O país está, de certa forma, anestesiado?
Lara Mesquita: Parece-me que os eleitores estão exaustos. Há uma grande mobilização social no país desde 2013. As manifestações do segundo semestre de 2013 praticamente foram seguidas sem intervalo pelo processo eleitoral de 2014, que não acabou em outubro. Desde o questionamento formal do resultado pelo PSDB, até as convocações das manifestações de rua, tanto pelo o impeachment como em favor da Lava Jato, não houve intervalo. E as grandes manifestações de rua perderam seu ímpeto quando o processo eleitoral de 2016 já estava em pleno curso. Nesse sentido, entendo que há um esgotamento, um cansaço da vida política. Associada a essa exaustão, temos as baixíssimas taxas de aprovação do governo atual, que passam a sensação de que todo o esforço foi inútil. Substitui-se um governo desacreditado pela população por outro com ainda menos credibilidade, a expansão do alcance das investigações contra a corrupção que culminam nos menores indicadores de confiança nas instituições políticas registrados desde a redemocratização e a entrada em banho-maria dos grandes mobilizadores. Não vemos mais a FIESP, o “Vem pra Rua” e o “MBL”, por exemplo, convocando atos nas tardes de domingo, como aconteceu até o primeiro semestre de 2016. Sem ninguém convocando a população para ir às ruas, e com toda a falta de credibilidade associada ao sistema, porque ir às ruas? Em nome de qual alternativa? O importante é que essa desmobilização não se transforme em abstenção eleitoral. Que as instituições, quer seja os partidos políticos ou a sociedade civil organizada, por exemplo nos movimentos que você mencionou acima, consigam mobilizar os eleitores para comparecer às urnas em 2018 e eleger representantes mais alinhados com os anseios – quaisquer que sejam eles – dos brasileiros. É claro que democracia não se resume a participação eleitoral, mas as eleições continuam sendo uma instituição importantíssima. Será um passo importante no caminho da recuperação da credibilidade nas instituições políticas, e a retomada da efetiva participação.
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Perguntas formuladas por João Villaverde, pesquisador assistente do CEPESP, na FGV em São Paulo.
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Lara Mesquita está, também, diretamente envolvida no CEPESPData. Você, leitor, conhece o 1º Desafio do CEPESPData?