Pesquisadores discutem como transformar combate ao Covid em legado para as políticas públicas

CEPESP  |  4 de junho de 2020
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Diferentes pesquisadores, que estão desenvolvendo diferentes projetos para estudar a pandemia do Covid-19 e seus impactos sobre a economia e a sociedade brasileira, participaram, nesta quinta-feira, de um debate organizado pelo FGV Clear onde foi lançado o Monitor de Evidências Covid-19. O Monitor quer servir como um repositório de estudos das políticas públicas desenvolvidas para enfrentar a pandemia. Para os pesquisadores, esse é um dos desafios do pós-pandemia: transformar a mobilização atual de pesquisadores e da sociedade em um legado para a saúde e para as políticas públicas baseadas em evidências.

Participaram do debate Lorena Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da USP, pesquisadora do Cepesp e coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária formada para estudar os impactos da covid-19 no Brasil; Ricardo Paes de Barros, professor e pesquisador do Insper; Maurício Barreto, epidemiologista, professor emérito da Universidade Federal da Bahia e integrante da Rede CoVida; Rudi Rocha,  pesquisador do Cepesp e coordenador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde  (IEPS), e André Portela, coordenador do FGV Clear.

Barberia, Rocha e Barreto, no alto; e Portela e Barros, embaixo, sempre a partir da esquerda: esforços para estudar a Covid-19 e seus impactos

Gabriela Lacerda, também do FGV Clear, apresentou o Monitor de Evidências do Covid-19, cujo objetivo é reunir e disseminar alguns dos melhores dados e evidências produzidos sobre o Covid-19, com foco no monitoramento e avaliação das medidas enfrentamento da pandemia. O FGV-Clear vai reunir esses estudos, fazer uma curadoria e deixá-los à disposição dos gestores públicos e dos pesquisadores do Brasil e da África lusófona para que eles possam auxiliar na formulação e manutenção das políticas públicas.

Ricardo Paes de Barros observou que políticas públicas baseadas em evidências são sempre fundamentais, mas essa importância aumenta em épocas de crise e diante de uma situação como a atual. Para ele, a crise do Covid-19 é endógena e o Brasil está indo muito mal na gerência do tamanho da crise. “O tamanho da crise depende do que vamos fazer. Para mim, toda a evidência existente é no sentido de que a melhor maneira de combater a crise é reduzir a taxa de transmissibilidade para um número menor que 1. Antes disso a crise não vai embora”, disse ele. Paes de Barros acrescentou que essa taxa ainda está acima deste indicador no Brasil e por isso é cedo para a adoção de medidas de retomada da economia. O professor ponderou que todos os cálculos que ele tem visto e feito indicam que é difícil pensar que uma redução mais suave da economia com uma duração mais longa da crise possa ter vantagens sobre um tratamento onde se reduz a atividade econômica  com mais intensidade e assim se combate a crise de forma mais radical

Paes de Barros observou que o programa de renda emergencial que foi montado é bastante generoso e pode repor o poder aquisitivo de parcela expressiva da população, pois metade da força de trabalho (cerca de 50 milhões de pessoas) recebe, conjuntamente, em torno de R$ 30 bilhões por mês ou R$ 90 bilhões em três meses enquanto o programa pode entregar R$ 100 bilhões em três meses. Ainda que tenham ocorrido problemas na implementação, o programa é gigante e ajudará a população, segundo ele. Ele também falou sobre as políticas públicas para a retomada e defendeu que o foco para esse período deve ser de reinserção produtiva.

Maurício Barreto apresentou a Rede CoVida, um projeto multidisciplinar de colaboração científica e que já reúne 180 voluntários com foco na pandemia e seus impactos. Entre os objetivos centrais está o monitoramento da pandemia (com previsões periódicas de sua evolução), construir modelos matemáticos com possíveis cenários e sintetizar evidência científicas em tempo real.  “A ideia era reunir informações importantes, que precisam ser enfatizadas, e separar das outras que não são relevantes”, explicou Barreto, acrescentando que comunicar os gestores públicos (para que tomem melhores decisões) e também o público é outro objetivo da rede. Além do monitoramento de dados, a CoVida tem desenvolvido tanto estudos (como o impacto da pandemia sobre a educação pública),  como guias práticos, entre eles o de confecção e uso de máscaras. Barreto explicou que, embora esteja sendo criado um legado acadêmico importante, um dos objetivos da rede é gerar um conhecimento que possa ser rapidamente transmitido de forma mais ampla e inclusiva e não fique apenas restrito aos círculos acadêmicos.

Lorena Barberia apresentou a Rede de Pesquisa Solidária, também um projeto voluntário de pesquisadores formado para estudar a pandemia e as medidas adotadas para combatê-la. Ela disse que a Rede Solidária é muito semelhante e tem o mesmo espírito da CoVida e reúne atualmente cerca de 50 pesquisadores. “Para responder a uma epidemia é preciso pensar no amplo conjunto de medidas que estão sendo adotadas em todas as áreas e não apenas na saúde ou na economia, de forma separada”, ponderou Barberia, acrescentando que também é preciso pensar regionalmente, em todos os níveis (municipal, estadual e federal). Além disso, a pesquisadora observou que a necessidade de responder imediatamente à pandemia em um cenário em que os dados ainda são insuficientes reforça ainda mais a necessidade de comparar experiências para buscar as melhores evidências. “Não podemos trabalhar com achismos, mas fazer análises rigorosas, apesar de ainda termos relativamente poucos dados.”

Lorena Barberia: reação do Brasil à pandemia tem sido muito demorada

Ela explicou que a rede está construindo um monitor de políticas públicas, que integra todas as medidas a nível municipal, estadual e federal, baseado no Oxford Covid-19 Responde Tracker, sobre três eixos de políticas públicas: o eixo de distanciamento social (fechamento e contenção da população e das atividades); o eixo de saúde pública (desde a testagem até os cuidados médicos  intensivos) e medidas econômicas.  No Brasil, diz ela, um desafio é entender como o federalismo ajuda ou atrapalha no desenvolvimento destas políticas, e como a diferença de orientação dos entes afeta a adesão da população e dos agentes às medidas.

A partir do monitor foi criado um índice de rigidez das políticas de distanciamento social e que permite acompanhar, no tempo, como elas funcionaram. “O que vemos, por esse acompanhamento, é que logo após os primeiros casos e óbitos, houve uma reação coordenada e os Estados rapidamente adotaram políticas de distanciamento social, mas com gradações diferentes”, ponderou Barberia. Após a reação inicial, as medidas passaram a ser menos coordenadas, de acordo com os dados levantados pelo monitoramento da Rede de Pesquisa Solidária. Barberia também observou que o Brasil nunca chegou a um lockdown, apesar da palavra ter sido usada em algumas oportunidades. “Nossa reação à pandemia tem sido moderada comparada aos casos internacionais”, pontuou a pesquisadora. “E a adesão da população também tem sido moderada”, acrescentou,

Rudi Rocha ponderou que uma das “boas notícias” do Covid-19 foi a rápida mobilização da comunidade acadêmica e da sociedade civil em torno da pandemia e da saúde, o que pode fazer com que o futuro da saúde pública brasileira seja melhor do que o ponto em que ela estava antes da pandemia. Por isso, disse, uma das suas preocupações é como converter toda essa mobilização em torno da saúde em legado. Ele explicou que o IEPS foi fundado justamente diante do diagnóstico de que a saúde pública precisava de reforços no país. E na pandemia, explicou, um primeiro foco das contribuições do Instituto foi mapear as enormes desigualdades do Brasil na oferta e na demanda de serviços de saúde.

Agora, em uma segunda rodada, o instituto está procurando mapear as respostas dos diferentes entes da federação. E uma primeira sinalização, diz, é que onde existe mais vulnerabilidade de infraestrutura de saúde é onde existe mais atenção primária à saúde, mais Bolsa Família, e são regiões que têm conseguido aumentar o distanciamento social, indicando que, de certa forma, a população se defende das vulnerabilidades. Embora exista essa sinalização positiva, os óbitos per-capita também têm sido maiores nas áreas onde há mais vulnerabilidade.

Rocha terminou lembrando que, apesar dos problemas, o SUS tem mostrado resiliência, como demonstrou em outros momentos, e o sistema tem pontos fortes importantes. Por isso, embora esteja faltado coordenação no combate à pandemia, o sistema de saúde pode sair fortalecido desta crise na opinião de Rocha.

Para saber mais das iniciativas e acessar os estudos dos seus pesquisadores, acesse os respectivos sites: painel CoVida, Rede CoVida, Rede de Pesquisa Solidária, FGV Clear e IEPS.

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