Por que, apesar de tudo, os partidos políticos importam?

CEPESP  |  28 de agosto de 2017
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Os partidos políticos brasileiros estão muito desacreditados. Mesmo tendo 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a população pouco se identifica ou se vê representada pelos existentes ou pelos recém-criados. Neste cenário de hiperfragmentação partidária, surgem diversos movimentos políticos que negam a centralidade deste tipo de organização e pedem uma ruptura, uma nova forma de fazer política que prescinda dos partidos. Isto nos traz a seguinte questão: os partidos políticos importam para o bom funcionamento de uma democracia representativa?

Congresso
Sessão da Câmara dos Deputados em Brasília, 2017, com parlamentares de 28 partidos na atual legislatura (Folha)

Para entender a importância dos partidos políticos nas democracias representativas, é fundamental discutir estas organizações a partir de suas atividades core. É possível descrever, segundo o cientista político V.O. Key Jr., que os partidos possuem três atividades principais:

1) organização partidária na arena eleitoral, no momento da campanha política, como a criação da imagem partidária para os eleitores;
2) organização partidária nos governos e na legislatura – o partido atuaria como coordenador de ações em diferentes esferas governamentais;
3) ações relativas a constituição do próprio partido como instituição, como a organização de seus militantes e a gerência de seus recursos.

Os partidos nas eleições servem como mecanismo de coordenação de preferências de eleitores. Em especial no caso brasileiro, onde os eleitores têm muitas opções de votos, eles funcionam como atalhos decisórios, pois conseguem congregar um grande número de candidatos sob uma única “etiqueta”. Muitas vezes é difícil diferenciar um candidato a deputado federal de outro, mas sabendo os partidos de cada um, esta escolha fica mais fácil.

Os partidos, assim, mais do que os candidatos individualmente, seriam representantes das preferências de determinados grupos sociais. Eles representam melhor os interesses coletivos do que candidatos isoladamente.

E depois de escolhidos?

No governo e no parlamento, os partidos facilitam a negociação e a formação de coalizões, permitindo que os políticos eleitos tomem suas decisões e sejam responsabilizados por elas. Os Poderes devem trabalhar em harmonia e cooperação e isso pressupõe a capacidade de se chegar a acordos. É muito mais fácil haver concordância entre partidos do que entre indivíduos. Uma negociação com quase 600 congressistas, entre deputados e senadores, parece algo impraticável.

Os partidos também são importantes para as relações federativas. É possível atribuir um custo transacional menor para se alinhar programas governamentais de diferentes níveis da federação quando estes são governados por um mesmo partido. Há ainda a dificuldade de atribuir responsabilidade aos diferentes atores políticos. Como o eleitorado pode avaliar políticas de governo se estas são resultados do conjunto de ações de vários atores? Os partidos nos ajudam a responsabilizar os grupos políticos pelas decisões coletivas que tomam, tornando-os mais responsivos (accountable) para a população.

Os partidos como organização colaboram para coordenar demandas locais e criar canais de socialização entre seus correligionários. Eles têm também a função de organizar a carreira daqueles que pretendem ocupar cargos políticos, organizando a campanha, criando e fortalecendo alianças entre candidatos. A vida partidária envolve mobilizar recursos e filiados para a promoção de determinada agenda política e para a competição eleitoral. É através deles que os militantes mais ativos têm condições de tornarem-se candidatos. Uma vez eleitos, utilizam as redes de contatos proporcionada pela vivência partidária para conseguir firmar parcerias e acordos. Os partidos, de certa forma, democratizam a construção de um capital social fundamental para o desenvolvimento das carreiras políticas, algo que normalmente é restrito a poucos grupos sociais.

Nas democracias representativas, a representação parlamentar e os governos são formados não por atores isolados, mas por coletividades. As decisões serão sempre fruto de intensa negociação, de uma construção conjunta. Os partidos são fundamentais para agregar preferências e organizar demandas da sociedade nos ambientes de decisão. Eles ajudam a resolver problemas de ação coletiva, como defende o cientista político norte-americano John Aldrich. Além disso, são organizações que facilitam o acesso dos diversos grupos sociais aos ambientes de poder e sua responsabilização quando eleitos.

É verdade que, atualmente no Brasil, muitos partidos não parecem cumprir com estas funções. A situação atual do nosso sistema partidário é fruto da combinação de regras eleitorais, do sistema político e do processo histórico de formação da política do país. Em geral, os partidos são organizações fechadas, pouco democráticas e controladas por uma pequena elite. Contudo, estas não são características intrínsecas a qualquer partido. A superação destes problemas não deve ignorar a relevância e centralidade que os partidos possuem na democracia representativa.

Qualquer reforma que pretenda melhorar o sistema político brasileiro deve reconhecer a importância destas organizações e, dentro do jogo democrático, propor melhorias que as fortaleçam.

A negação do sistema partidário parece uma solução simples para um problema complexo.

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Texto de Ivan Mardegan e Arthur Fisch, pesquisadores do CEPESP, na FGV em São Paulo.

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