A recente recessão econômica no Brasil _ quando o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou queda superior a 7% _ provocou um forte aumento na taxa de desemprego e está associada a uma alta na taxa de mortalidade do país, segundo estudo do pesquisador Rudi Rocha, do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV), em conjunto com outros seis pesquisadores, de diferentes países. O estudo foi publicado na The Lancet Global Health.
De acordo com o estudo, mais de 30 mil mortes podem ser associadas ao aumento da recessão e do desemprego durante os anos de 2012 e 2017, quando a taxa de desocupação praticamente dobrou no país até atingir 13,7%. Neste período, a taxa de mortalidade aumentou 8%, de 143 mortes por cem mil habitantes para 154 mortes por cem mil, e parte desta alta está associada ao desemprego e piora de condições econômicas da população. O trabalho cruzou dados de mortalidade do Ministério da Saúde, por doença e região, com os dados de desemprego da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e foi publicado no The Lancet Global Health.
De acordo com o estudo, os aumentos mais expressivos nas taxas de mortalidade foram registrados em populações de raça negra e mista, homens e indivíduos de 30 a 59 anos, e principalmente por câncer e doenças cardiovasculares. De acordo com o trabalho, “considerando que essas populações geralmente têm uma saúde pior do que a das mulheres e dos brasileiros brancos, é provável que a recessão econômica tenha aumentado as desigualdades existentes na saúde”.
O recorte regional também indicou que os municípios com maiores gastos em programas de saúde e proteção social apresentaram aumentos de mortalidade mais baixos ou inexistentes. Na outra ponta, os efeitos negativos da recessão sobre a taxa de mortalidade foram maiores nos municípios mais pobres, justamente porque a população depende mais da saúde pública, que se ressente da falta de recursos.
Em entrevista para o jornal Nexo, Rudi Rocha ponderou que ao Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil é muito dependente de recursos, e uma “uma vez que há menos recursos, há uma restrição da oferta. Começa a faltar medicamento, aumentam as filas, você fecha unidades de saúde e perde contratos com entidades privadas que atendem pelo SUS. Você descontinua tratamentos, principalmente os que demandam uso contínuo de medicamentos. A oferta fica restrita, tanto em acesso como em qualidade”, explicou.
Rocha também ponderou que com as demissões durante a recessão, muitos trabalhadores podem ter perdido o acesso à saúde (inclusive privada, via planos relacionados ao emprego formal), o que afetou a saúde da população. Doenças cardiovasculares, por exemplo, estão diretamente relacionadas ao controle da hipertensão, cujo controle por sua vez depende de acesso à atenção primária de saúde.
A associação anticíclica entre recessão e mortalidade, identificada no estudo, contradiz o que foi encontrado em muitos estudos realizados, especialmente em países de renda mais alta. Mas outros estudos latino-americanos também mostraram tendência semelhante a do Brasil.
A íntegra do estudo pode ser acessada aqui.