No dia 4 de junho, foram divulgados os primeiros dados do Barômetro das Américas no Brasil. A rodada de pesquisas de opinião foi realizada pelo Cepesp/FGV e CLEAR/FGV-SP, e coletou a opinião da população brasileira sobre diversos temas.

Saiba mais na entrevista com o pesquisador do Cepesp/FGV, Guilherme Russo:
1- O que é o LAPOP? E o que é o Barômetro das Américas?
O LAPOP, chamado oficialmente de Projeto de Opinião Pública da América Latina (Latin American Public Opinion Project, em inglês), é um centro de pesquisa hoje sediado no departamento de Ciência Política da Vanderbilt University em Nashville, EUA. O centro foi criado pelo professor Mitchell Seligson, quem começou a estudar nos anos 1970 na Costa Rica o que as pessoas pensavam sobre tolerância e democracia.
O LAPOP tomou forma como centro de pesquisa no começo dos anos 2000, quando começou a fazer pesquisas de opinião pública a cada dois anos em diversos países da América Latina. Este conjunto de pesquisas de tipo survey, com amostras representativas da população, coletadas com periodicidade, leva o nome de Barômetro das Américas.
Assim, o Barômetro das Américas é o principal projeto do LAPOP, e é o único estudo que cobre todo o continente americano, incluindo os países do Caribe e da América do Norte. Para se ter uma ideia, na edição 2016/17, o Barômetro fez pesquisas de opinião em 34 países durante o período de um ano. Isto significa que o questionário do Barômetro é traduzido para diversos idiomas além do espanhol, inglês e português, como K’iche’ (falado na Guatemala) e quíchua (falado no Peru e Bolívia). Além disso, conduzir o Barômetro envolve um trabalho gigantesco de desenho do questionário e amostragem da população, testes qualitativos e pré-testes no campo, controle da qualidade durante a coleta dos dados, e por fim, o processamento e análise dos dados.
É importante ressaltar que toda a informação técnica, questionários e dados do Barômetro das Américas estão disponíveis de forma aberta e gratuita no site do LAPOP.
2- Qual foi o papel do Cepesp/FGV no Barômetro das Américas no Brasil este ano?
O CEPESP/FGV-SP, juntamente com o CLEAR/FGV-SP, foi o parceiro do LAPOP na preparação para a pesquisa do Brasil. A nossa equipe contribuiu para a realização do estudo de diferentes formas. Primeiro, ajudamos na tradução de parte do questionário e na elaboração de diversas perguntas. Depois, fomos a campo fazer o pré-teste com o pessoal do IBOPE, empresa encarregada da condução das entrevistas por todo o país. Isso significa que fomos entrevistar pessoas na rua para avaliar se entendiam o significado das questões e como poderíamos melhorar o questionário. Esta é uma etapa fundamental para a melhora de qualquer tipo de pesquisa, e que no nosso caso, serviu para mudarmos o enunciado de algumas perguntas.
Algumas semanas mais tarde, nós, pesquisadores da FGV, fomos responsáveis pelo treinamento dos entrevistadores. Durante estes dias, apresentamos o objetivo da pesquisa e discutimos uma série de procedimentos e boas práticas que os entrevistadores devem seguir para manter a validade da pesquisa. Por exemplo, os entrevistadores não devem mudar o enunciado da pergunta ou ajudar o participante em selecionar suas respostas. Neste sentido, todos os procedimentos implementados pelo LAPOP são criados para que as pesquisas possam ser comparadas entre países e através do tempo.
Por fim, o CEPESP organizou três eventos de disseminação de resultados para a mídia, acadêmicos e outros interessados. O primeiro deles ocorreu aqui na FGV-SP com participação do diretor-associado do LAPOP, professor Noam Lupu, o co-coordenador do CEPESP, George Avelino, e o coordenador do CLEAR/FGV-SP, professor André Portela. O segundo e terceiro evento de disseminação aconteceram na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Brasília (UNB), respectivamente. Durante estes seminários, apresentamos alguns resultados inovadores sobre as preferências da opinião pública brasileira.
3- Quais foram os resultados encontrados mais interessantes?
Ao analisar os dados da nova pesquisa, encontramos 3 resultados que nos chamou muita atenção. O primeiro é de que houve um aumento significativo no percentual de respondentes que se identificam com a direita. Perguntados onde se posicionavam numa escala de um a dez, onde um significava esquerda, e dez direita, 39% se auto-posicionou entre sete e dez na escala. Este resultado indica um aumento de 11 pontos percentuais na população, e está provavelmente associado à eleição do presidente Bolsonaro e outros governadores de partidos mais à direita no espectro político.
O segundo resultado é que enquanto a maioria da população (60%) relata apoiar a democracia como melhor forma de governo, apesar de ser um número menor que os 74% em 2010, uma parte considerável da população (principalmente dentre aqueles que se identificam como seguidores da direita) apoia alternativas não-democráticas em momentos difíceis. Por exemplo, 35% dos respondentes indicaram que se justificaria que os militares tomassem o poder através de um golpe de Estado diante de muita corrupção. Este valor é mais alto entre aqueles que se identificam com a direita (43%) comparado àqueles que se identificam com a esquerda (31%) e centro (30%).
O terceiro resultado foi o aumento de pessoas que reportaram que teriam uma arma de fogo (como um revólver ou espingarda) para proteção, se pudessem. Enquanto em 2012, o percentual de brasileiros que respondeu positivamente a esta pergunta foi de 21%, neste ano, o percentual praticamente dobrou, chegando a 43% dos respondentes. Notamos também que o percentual de pessoas que dizem que teriam uma arma de fogo é significativamente maior entre aqueles que moram em área rural (51% contra 42% de área urbana) e entre aqueles que foram vítimas de algum crime no último ano (54% contra 41% dos não-vitimizados).
4- O Barômetro é realizado em diversos países, foi possível realizar alguma comparação interessante entre o Brasil e esses países?
Sim, uma das vantagens do Barômetro é não só a possibilidade de compararmos a opinião dos brasileiros através do tempo, mas também como nossas opiniões diferem dos outros países da região. Um resultado muito claro da pesquisa deste anos com as de outros países foi justamente o aumento do desejo por armas de fogo no Brasil, mas não em outros quatro países também perguntados em 2012 e 2019 (Peru, Equador, Guatemala e El Salvador).
Outro resultado interessante é que a confiança nas Forças Armadas continua muito alta no Brasil. Sete em cada dez brasileiros diz que as Forças Armadas são confiáveis. Este resultado nos deixa em segundo entre os 13 países onde a pesquisa já foi feita: apenas atrás do Equador (73%) e à frente vizinhos como Colômbia (54%), Peru (53%) e Chile (53%).
Por sua vez, os partidos políticos continuam a sofrer com desconfiança. Apenas 13% dos brasileiros confia nos partidos, um número apenas acima de Panamá, Chile e Peru (12, 10 e 7% respectivamente), e bem abaixo do México, Paraguai e Equador (22, 20 e 20% respectivamente). (Os resultados das pesquisas na Argentina, Uruguai, Canadá e Estados Unidos ainda não estavam prontos para serem publicados até a semana passada).
Em Setembro, o LAPOP divulgará uma série de outros resultados comparando os países, além da publicação dos dados e uma plataforma para análise no site.