Suponha que uma mãe que precise levar seu filho ao hospital tivesse de pedir a um vereador para conseguir atendimento. Suponha ainda que o político concordasse em ajudar a criança, mas pedisse que ela “não esquecesse” da ajuda quando fosse votar na próxima eleição. Você acha que isso teria algum impacto sobre o bem-estar dessa mãe?
Essa prática chama-se clientelismo, e é uma das mais difusas nas democracias contemporâneas. Diferente de políticas universalistas, que melhoram a vida dos votantes sem discrimina-los, no clientelismo políticos utilizam o acesso a serviços para influenciar os eleitores. Em alguns casos, eles criam barreiras artificiais para fazer com que votantes sejam influenciados.
Os pesquisadores de Ciências Sociais são prolíficos em mostrar as diversas facetas dessa prática. No entanto, nenhuma pesquisa estudou empiricamente se clientelismo diminui o bem-estar dos eleitores, ou seria somente uma forma de contornar as exigências burocráticas. De um lado, a mãe no exemplo acima conseguiu a consulta para seu filho. De outro, atrelar a ajuda ao voto faz com que o político não seja julgado pelo seu desempenho, mas pela distribuição de um serviço que é direito do cidadão. Portanto, o efeito sobre o bem-estar é obscuro.
Em meu trabalho, proponho uma forma de mensurar os efeitos do clientelismo sobre bem-estar usando o caso brasileiro. Entre 2005 e 2008, o tamanho das câmaras de vereadores foi determinado pela decisão 21,702/2004 do TSE. A decisão enfatizava que para cada conjunto de 47,619 votantes, as Câmaras de Vereadores deveriam adicionar um político extra. Em torno desses cortes populacionais conseguimos isolar o efeito dos vereadores, que são os operadores das maquinas clientelistas em nível municipal.
Os resultados são mistos. Do lado positivo, o aumento no clientelismo melhora mortalidade infantil e aumenta o número de crianças matriculadas nas creches. No entanto, não tem nenhum impacto sobre a qualidade da educação ou sobre programas de saúde preventiva. Portanto, todos os serviços que podem ser distribuídos, como acesso à hospitais e vagas em escolas melhoram. Os serviços que, ou não podem ser distribuídos, ou que o votante não vê nenhum benefício em recebê-lo, não melhoram.
Para assegurar que os resultados vem de aumento no clientelismo, testamos o impacto dos vereadores sobre a política municipal. Os resultados mostram que um vereador extra aumenta em mais de cem o número de cargos de confiança no município. Esses cargos são usados para recompensar os cabos eleitorais, e fazem com que a influência do vereador penetre na máquina pública.
Assim, o resultado principal do trabalho é que mais clientelismo melhora somente os serviços que podem ser capturados e distribuídos pelos vereadores em troca de votos. Nesse sentido, saúde preventiva e qualidade da educação não melhoram, pois os eleitores não tem uma visão clara sobre seu impacto. Vagas em creches e vagas em hospitais, que podem ser negociados em troca de votos, tem aumento expressivo.
Isso propõe uma imagem interessante do porquê o Brasil, e a maioria dos países que se redemocratizaram na década de 1980, apresenta melhorias sociais ambíguas. No caso brasileiro, de 1980 até 2010, as matrículas na educação primária subiram de 81% a 100%. A mortalidade infantil no mesmo período cai de 64 para 24 mortes por mil nascidos vivos. Esses resultados são relevantes, especialmente se considerarmos que foram atingidos em duas gerações.
Por outro lado, políticas programáticas focariam em melhorar os serviços independentemente de considerações clientelistas. Isto se associaria com melhorias em coisas que não teriam apelo eleitoral imediato e/ou que não são possíveis de usar como moeda de troca. No entanto, esse não é o caso quando aumentamos clientelismo. No Brasil, doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti tiveram alta significativa no mesmo período. Mais ainda, em termos de qualidade de educação, o Brasil pontua sistematicamente entre os últimos no teste PISA feito pela OECD. Portanto, todas as conquistas em mortalidade infantil e matrículas em escolas tornam-se menos surpreendentes quando consideramos a qualidade dos serviços prestados.