O que é uma grande renovação na política municipal?

CEPESP  |  10 de novembro de 2020
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Por Arthur Fisch*

O cenário político brasileiro foi, nos últimos anos, tomado por um forte sentimento de renovação. Candidatos e partidos passaram a utilizar tal sentimento para crescer e se eleger. Iniciativas de promoção de novas candidaturas também surgiram e ajudaram a mudar o quadro eleitoral do país. Em 2018, segundo dados da Câmara dos Deputados, tivemos a maior renovação de mandatos de deputados federais desde a redemocratização, quando 47% dos eleitos e eleitas não tinham ocupado o cargo em disputa anteriormente. Em 2020, a vontade por renovar os quadros políticos permanece grande. Ao menos é o que indica a pesquisa do Instituto Travessia, que mostra que ao menos 51% dos eleitores gostariam de votar em um prefeito de fora da política. Já no legislativo municipal, 41% dos entrevistados querem trocar todos os vereadores e 32% afirmaram desejar substituir ao menos metade dos parlamentares. Neste cenário, é clara a vontade por uma grande mudança, mas como avaliar se a renovação é de fato profunda a nível municipal?

Para analisarmos corretamente se a renovação em uma eleição foi grande ou pequena é preciso ter alguma base de comparação. Geralmente,  usamos os dados históricos para avaliar se a mudança foi relevante. No caso de eleições municipais, é possível utilizar a taxa de renovação de prefeitos ou de vereadores para essa comparação. Aqui escolhemos usar a renovação na Câmara Municipal como parâmetro, pois não há limites de mandatos como para prefeitos e por se tratar, na maioria dos casos, da “porta de entrada” na vida política. A plataforma do CepespData permite analisar estes números.

Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que a renovação nas Câmaras Municipais é alta. Quando analisamos dados agregados de todo o Brasil, em 2016, cerca de 59% dos mandatos para vereador e vereadora foram de novos ocupantes. Isso é indicativo de que a disputa eleitoral é permeável a novos políticos. Não que ela seja fácil, mas é comum entrantes terem sucesso. A taxa de renovação é alta se comparada com o observado para o legislativo federal, o que faz sentido, uma vez que é preciso menos recursos para se eleger vereador do que deputado. O gráfico abaixo traz as proporções de novatos e reeleitos nas Câmaras Municipais de todo o Brasil.

Fonte: CepespData

Apesar de alta, a renovação veio diminuindo de 2008 para cá. No gráfico acima, observamos que 77% dos eleitos em 2008 não haviam ganho a eleição quatro anos antes. Este número caiu para 63% em 2012 e chegou a 59% em 2016. Não é possível precisar uma única causa para tal fenômeno, mas algumas hipóteses podem ser levantadas, como a consolidação da disputa no nível municipal ou também o fim do financiamento empresarial em 2015, que pode ter beneficiado candidatos à reeleição.

Os municípios brasileiros são muito diversos e por essa razão é de se esperar que a disputa eleitoral também seja. Assim, passamos a analisar como é a renovação somente nas capitais do país e encontramos o mesmo fenômeno, apesar de uma proporção de renovação menor. Em 2008, a porcentagem de novatos que foram eleitos foi de 67%. Já em 2016, este número caiu para 50%.

Fonte: CepespData

A diferença entre a porcentagem de renovação que encontramos para todas as Câmaras Municipais em relação ao observado para as capitais é indicativo de que a disputa é mais fechada nos grandes municípios. A hipótese que surge a partir desse fato é a de que quem possui mandato nesses locais tem maior vantagem, o que pode ser explicada através da visibilidade que ocupar um cargo eletivo proporciona. Tal diferença também sugere que a renovação depende muito de condições políticas específicas de cada município.

Em 2020, o desejo de renovação de parte da população irá enfrentar um grande desafio. A pandemia e as recomendações por distanciamento social trazem dificuldades para as campanhas, em especial para a de candidatos novatos que ainda não são conhecidos. As dificuldades estão muito relacionadas à falta de recursos financeiros, a impossibilidade da realização de comícios e uma certa fadiga de “lives” e outros eventos virtuais. Muitos analistas indicam que a pandemia irá beneficiar quem já possui mandato.

Além das particularidades no pleito deste ano decorrentes da pandemia, ainda há outra novidade na eleição: o fim das coligações para cargos proporcionais. Essa mudança nas regras eleitorais pode afetar principalmente os pequenos partidos, dificultando a eleição de candidaturas dessas agremiações, pois elas sozinhas terão que atingir o quociente partidário. O efeito de tal mudança é incerto, mas pode afetar a taxa de renovação.

As eleições municipais são muito disputadas. Temos atualmente mais de 514 mil candidaturas concorrendo a mais de 57 mil cargos no legislativo municipal. Só saberemos se a eleição de 2020 atendeu os anseios por renovação no dia 15 de novembro, quando a apuração estiver terminada. É comum nos discursos políticos observar narrativas construídas na ideia de mudança ou renovação, mas é preciso qualificar o que significa de fato um alto grau de transformação do sistema político. Os números encontrados indicam que é normal uma renovação maior de 50% das Câmaras Municipais. Teremos de aguardar para ver se 2020 será muito diferente do que usualmente observamos.

Arthur Fisch é consultor de inteligência eleitoral da Confirma, plataforma de gestão estratégica de campanhas eleitorais, e doutor em Administração Pública e Governo (FGV). É assistente de pesquisa do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV Cepesp).

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