RODANDO OS DADOS – O paradoxo estratégico de Bolsonaro

CEPESP  |  29 de junho de 2020
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Por Jairo Pimentel Jr*

Desde o começo de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro vem sofrendo paulatinas rachaduras em sua base de apoio eleitoral, sendo isso mais evidente durante o atual período de pandemia e da sucessiva queda de ministros em seu governo.  Em que pese a existência de um núcleo duro fiel, Bolsonaro se viu nas cordas com a CPI das fake news e as denúncias de rachadinha envolvendo seu filho Flávio. Como resposta estratégica, o presidente passou a apostar na chamada “velha política”, aproximando-se do centrão para evitar uma possível cassação ou impedimento de seu mandato.

Mas sua estratégia não parou por aí. Bolsonaro sinaliza estar disposto a ampliar sua base eleitoral para além do seu núcleo duro. Para tanto, passou a tentar atrair os públicos que foram mais refratários a sua candidatura em 2018: os mais pobres e os nordestinos.

Essa nova estratégia é provavelmente derivada da popularidade obtida a partir da ajuda financeira do auxilio emergencial de R$ 600,00 oferecido durante a pandemia, bem como uma forma de recompor a perda de apoio entre as classes mais altas e escolarizadas, que lhe deram suporte em 2018.

Em meados de abril/maio essa estratégia parecia fazer sentido. Várias pesquisas apontaram crescimento entre segmentos de baixa renda e escolaridade, enquanto observa-se uma expressiva queda entre os setores de classes mais altas (que passaram a reprovar cada vez mais o presidente). Entretanto, os dados mais recentes, referentes ao mês de junho, mostram arrefecimento dessa tendência de melhora entre os mais pobres e os eleitores de menor escolaridade.

Fonte: Datafolha


Fonte: Datafolha

Não obstante, a estratégia de comunicação em suas redes sociais continuou a  apostar no atributo da proximidade com o povo, com postagens que o colocam junto a eleitores mais pobres e emocionados com a presença do presidente. A recente finalização da transposição do São Francisco (e o seu inerente apelo ao Nordeste) também sinaliza essa inflexão bolsonarista que, em última instância, pode alçá-lo a um populismo de direita mais alinhado ao conceito de “pai dos pobres”, epiteto que já pertenceu a Vargas e Lula. Nesse sentido, consolidando-se essa estratégia e logrando-se sucesso (o que é discutível), o Bolsonaro de 2022 pode chegar as urnas com um perfil eleitoral mais parecido com o PT de Lula e Dilma do que o próprio Bolsonaro de 2018.  


Fonte: Datafolha

Pode-se supor que, ao apostar nisso, Bolsonaro pretende também dirimir as chances eleitorais do PT, roubando, ao menos em parte, a base eleitoral do principal partido de oposição. Entretanto, essa aposta estratégica pode se mostrar um tiro no pé, pois Bolsonaro precisa de um PT relativamente forte, que seja capaz de chegar ao segundo turno, se quiser aumentar suas chances de reeleição.

A diferença entre o remédio e o veneno é também neste caso a dose. Enfraquecer muito o PT (que já foi muito enfraquecido em 2018, sobretudo  no Sudeste) significa viabilizar as chances de um candidato de centro ir para o segundo turno contra Bolsonaro. Com uma dose mais branda e com o PT no segundo turno, Bolsonaro aumenta em muito sua chance de vitória dada a ainda presente prevalência do antipetismo no eleitorado brasileiro, sobretudo nos mais altos estratos de escolaridade e renda que hoje o reprovam. Com uma dose muito severa e sem o PT (e o antipetismo) no segundo turno, Bolsonaro corre o risco de ser surpreendido por forças que representam a nova política, que o atual presidente não foi capaz de incorporar em seu mandato.

Bolsonaro foi responsável, pela primeira vez, em tirar o PSDB do segundo turno nas eleições presidenciais. Com uma estratégia como essa ele pode também ser responsável por tirar, pela primeira vez, o PT, mas isso, paradoxalmente, pode também significar perder a cadeira presidencial.

*Jairo Pimentel Jr é pesquisador do Cepesp

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