VOTO A VOTO: As (difíceis) viradas de segundo turno

CEPESP  |  30 de novembro de 2020
COMPARTILHE

Por Guilherme Russo, George Avelino e Jairo Pimentel*

Esse artigo foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, na véspera do segundo turno, sábado dia 28/11. A versão abaixo foi levemente reformulada para contemplar os resultados do domingo, 29/11.

Eleitores de 57 das 95 cidades com mais de 200 mil eleitores retornaram às urnas no domingo, dia 29 de novembro, para escolher seus prefeitos. Diferentemente do que afirmam alguns analistas políticos e candidatos que estão atrás na corrida, o segundo turno não é “uma nova eleição”. Desde 1998, 75,5% das 208 eleições municipais de segundo turno no Brasil foram vencidas por quem terminou o primeiro turno à frente; um resultado similar às 74 eleições de segundo turno para governador. Em 2020, esse percentual foi um pouco menor: 71,93%, ou 41 de 57 disputas.

Por que as viradas – vitórias do segundo colocado no primeiro turno – são improváveis? Primeiro, eleitores dos candidatos que disputam o segundo turno não mudam seus votos entre um turno e outro. Segundo, a abstenção tende a ser um pouco maior no segundo turno, reduzindo o número de eleitores disponíveis para a virada, o que foi confirmado nessas eleições. Terceiro, os resultados do primeiro turno importam. Quanto maior a soma de votos dos candidatos que avançaram e maior a distância de votos entre eles no primeiro turno, mais difícil se torna a virada. Por exemplo, se o primeiro colocado teve 40% dos votos e o segundo 30%, embora a diferença seja de apenas 10%, a virada só ocorre se o segundo conseguir mais de 20% dos 30% de eleitores que não votaram em nenhum dos dois no primeiro turno.

Portanto, nem todas as eleições de segundo turno são iguais. Há corridas em que o candidato com mais votos no primeiro turno chega perto dos 50% de votos válidos necessários para uma vitória direta, como em Pelotas (RS) onde a candidata líder teve 49,7%. Outras vezes o mais votado recebe um percentual baixo, como em João Pessoa (PB), onde o líder teve 20,7%.

A distância de votos no primeiro turno entre os concorrentes também é chave. Em Vitória da Conquista (BA), o mais votado teve 47,6% dos votos, mas o segundo teve 45,9%, o que é um cenário bem diferente de Boa Vista (RR), onde o primeiro turno terminou em 49,6% contra 10,6%.

Baseado nas eleições passadas e nos percentuais de votos no primeiro turno desta eleição, geramos uma probabilidade de virada para cada disputa. Em Pelotas e Boa Vista, a probabilidade de virada era de apenas 3%. Já em Vitória da Conquista, onde a diferença de votos entre os candidatos foi bem menor, a probabilidade já era de 29,7%. Nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, onde os líderes não chegaram a 40% dos votos, mas conseguiram uma vantagem considerável sobre seus adversários, as probabilidades eram de 25% e 19,1%, respectivamente. Em todos estes casos, assim como sugeria a previsão, quem venceu o primeiro turno acabou vencendo a disputa final.

Em 9 das 57 eleições, nossa análise indica que a probabilidade de virada era menor que 10%. Nestes casos, o líder do primeiro turno teve mais de 40% dos votos e uma distância maior que 20 pontos para o segundo colocado (no primeiro turno). De fato, ganharam o segundo turno os nove candidatos que tinham essa larga liderança. Se um candidato tem essa vantagem na eleição presidencial argentina, nem há segundo turno. Lá, é declarado vencedor quem tenha 45% dos votos válidos ou 40% com diferença de 10 pontos para seu adversário.

Não obstante, outras disputas se mostravam bem acirradas neste ano. A probabilidade de virada em Manaus (AM), onde a primeira votação resultou em 23,9% contra 22,4%, era de 51,1%, cenário parecido com João Pessoa e Recife (PE) onde as disputas eram quase um cara ou coroa. Dessas 3 cidades, houve a virada em Manaus, mas não em João Pessoa e Recife. De 6 cidades onde a probabilidade de vitória era maior que 47%, a virada ocorreu em 3 delas.

Cabe salientar, no entanto, que os candidatos de cada corrida também não são iguais. Como a disputa no segundo turno é decidida pelos eleitores de candidatos já derrotados, o melhor cenário é concorrer contra um candidato rejeitado por esse grupo. Assim, a inclusão de variáveis como o histórico e ideologia dos candidatos deve melhorar a previsão, provavelmente indicando mais chances de viradas para os candidatos situados no centro ideológico.

Cabe adicionar aqui que, de fato, os candidatos dos partidos de esquerda (PSOL, PC do B e PT) tiveram um desempenho ruim no segundo turno. De 18 disputas, os candidatos desses partidos ganharam apenas 5 (28%), sendo que o PT responde por quase todos esses casos: foram 4 vitórias de 15 disputas, sendo 3 vitórias de 7 como líder, e 1 virada de 8 possíveis. Já três partidos comumente chamados de “centrão”, MDB, PSD e PP, tiveram um ótimo desempenho nessas corridas. Foram 19 vitórias de 23 disputas (83%), sendo que o MDB responde por grande parte desses casos: foram 10 vitórias de 12 disputas, sendo 6 vitórias de 7 como líder, e 4 viradas de 5 possíveis.

*Guilherme Russo é pesquisador do  FGV Cepesp e doutor em Ciência Política pela Universidade Vanderbilt

*George Avelino é coordenador do FGV Cepesp, doutor em Ciência Política pela Stanford University e professor da FGV EAESP

*Jairo Pimentel é pesquisador do FGV Cepesp e doutor em Ciência Política pela USP

Voto a voto – Esta coluna é uma parceria da Folha com o Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cepesp).


Deixe seu comentário