Em Bogotá, na Colômbia, o número de viagens diárias nos ônibus das grandes linhas caiu de 2,4 milhões/dia para 1 milhão durante a pandemia. Nas linhas de menor distância, a queda foi de 50%. Como resultado, a parcela de custos coberta pelo Fundo de Estabilização Tarifária passou de 25% a 30% para 69%. A queda no número de passageiros e a consequente necessidade de maior participação de recursos públicos para custear o sistema de transporte público não foi uma realidade isolada de Bogotá, mas aconteceu em todas as cidades da América Latina e exacerbou uma realidade pré-pandemia: os modelos atuais de concessão e funcionamento do transporte público precisam ser revistos para garantir a sustentabilidade e qualidade deste serviço. Mas o que fazer? Esse foi o tema de webinar organizado pelo WRI Brasil, que contou com a participação do professor da FGV e coordenador do Centro de Política e Economia do Setor Público (FGV Cepesp), Ciro Biderman, Rômulo Dante Orrico Filho, professor da UFRJ, Sofia Zarama Valenzuela, chefe de planejamento do TransMilenio, gestor do transporte público da cidade de Bogotá e Juan Carlos Gonzalez, chefe de gabinete do Ministério de Transportes e Telecomunicações do Chile, que opera o transporte de Santiago, com moderação de Cristina Albuquerque, gerente de Mobilidade Urbana do WRI Brasil.


Os gestores de Bogotá e de Santiago apresentaram o modelo atual de transporte coletivo das duas cidades, onde a concessão foi separada entre quem fornece o capital (os ônibus e/ou microonibus) e quem opera o serviço, uma modalidade de organização do transporte coletivo que não existe no Brasil. Além disso, os dois gestores informaram que nas últimas licitações (2019 para Bogotá, 2018 e agora 2020, para Santiago) foi reduzido drasticamente o tempo da concessão. Em Bogotá ele era de 24 anos e na nova licitação passou para 10 a 15, variando entre veículos a diesel e elétrico. Em Santiago, alguns prazos chegam a ser de 5 a 7 anos. A separação da provisão dos veículos e da operação e a redução do tempo da concessão, aliadas a novas regras de mensuração da qualidade do serviço, permitiram redução do custo da operação (em parte pela redução do custo do financiamento da frota) e melhora do serviço, explicaram Sofia Valenzuela e Juan Carlos Gonzalez.
Romulo Orrico, da UFRJ, observou que no Rio de Janeiro e em outras cidades do Brasil, a demanda de passageiros por transporte coletivo já estava em queda antes da pandemia e foi acentuada por ela. Na sua avaliação, como regra geral, com poucas exceções, o transporte coletivo municipal no Brasil é pouco competitivo, não tem um bom modelo de avaliação de desempenho (que escute o usuário), não é transparente, não possui clareza quanto aos custos operacionais e mantém prazos de concessão muito longo. Além destes pontos, ele considera importante que a revisão do modelo incorpore linhas mais curtas nas grandes cidades (que joguem o usuário para centros de comércio e serviços do seu próprio bairro e não apenas para o centro da cidade) e também maior controle social e transparência do sistema.

Ciro Biderman elogiou o modelo de concessão que divide capital (donos da frota) e operação do serviço (melhor modelo para realmente garantir um frota verde para as cidades), mas acrescentou que também é muito importante separar a tecnologia que orienta o serviço da sua execução, o que permitiria maior transparência ao sistema, como defendido por Orrico. Inclusive, informou Ciro, essa separação entre tecnologia e operação está prevista na concessão do transporte coletivo de São José dos Campos, cujo modelo foi desenhado em parceria entre o Cepesp e a prefeitura local.
Além desta mudança, Biderman defendeu um modelo de ônibus sob demanda em regiões periféricas (e não apenas na zona central das cidades) como elemento de flexibilidade, outra novidade prevista em São José dos Campos. Atualmente, ponderou, o sistema de transporte coletivo tem perdido passageiros nas rotas curtas para os aplicativos, mas os passageiros destas rotas são fundamentais para dar equilíbrio para o sistema, uma vez que o custo do transporte nas viagens longas não paga o custo da operação. Em São Paulo, informou Biderman, os aplicativos tiraram cerca de 2% das viagens antes feitas em ônibus, mas esse percentual não é desprezível porque é concentrado nas viagens curtas. Por isso, insistiu, é preciso pensar em modelos mais flexíveis, que tragam esses passageiros que “saíram” do transporte coletivo e incorpore novos usuários.