CANDIDATAS EM JOGO: 2020 reforça tendência de queda no descumprimento da cota de candidaturas de mulheres

CEPESP  |  27 de novembro de 2020
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Por Ivan Mardegan, Luciana de Oliveira Ramos e Catarina Barbieri*

Vinte e cinco anos se passaram desde a primeira regra que implementava uma cota de gênero em eleições brasileiras. Com o passar do tempo, essa regra foi evoluindo. Hoje, conseguimos dizer que seus efeitos são aparentes. Desde 2012, a proporção de mulheres entre candidaturas a cargos proporcionais tem ficado próxima dos 30% mínimos exigidos por lei. Apesar de positivo, esse dado também mostra como o sistema político tem sido resistente à inclusão desse grupo de candidaturas que, como muitos outros, é historicamente alijado dos postos de poder e liderança no Brasil.

O fato de a proporção geral de candidaturas femininas chegar aos 30% não significa que a cota de gênero é cumprida em sua totalidade. As listas partidárias são avaliadas individualmente, dentro de seu distrito eleitoral. Em uma eleição para Assembleia Legislativa ou para a Câmara dos Deputados, listas são avaliadas por estado. Nas eleições municipais, cada cidade terá suas listas de candidaturas à vereança, que devem seguir com o mínimo de 30% de mulheres. Quando fazemos essa análise, vemos que há um descumprimento crônico da cota de gênero para candidaturas a cargos proporcionais. 

Imagem do livro “Candidatas em Jogo”

O efeito das regras eleitorais sobre o comportamento dos agentes políticos e, consequentemente, sobre os resultados do próprio pleito, tem ganhado muita importância para explicar esse fenômeno. Esse foi o foco do livro “Candidatas em Jogo”, um estudo sobre o efeito das mudanças na legislação eleitoral sobre a representação de mulheres na política nacional. Dados trazidos no primeiro capítulo mostram que, nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, 21,5% das listas partidárias ou de coligações estavam em descumprimento com a cota de gênero. Essa é uma taxa bastante alta 25 anos após a vigência da norma.  

Nesse mesmo capítulo, o livro explora uma das mudanças de regra eleitoral mais importantes ocorridas recentemente: o fim das coligações para cargos proporcionais. Apesar de só terem valido para esse ano, foi analisado como os partidos teriam se saído caso a regra já valesse para 2018. Essa proporção foi 43,5% quando os partidos são analisados individualmente. Das 866 listas partidárias nos estados, 377 teriam menos de 30% de mulheres. O livro deixa claro, no entanto, que se trata apenas de um exercício teórico. Caso a regra fosse implementada naquele ano, os partidos ajustariam suas decisões e, provavelmente, a proporção de descumprimento diminuiria. Apesar disso, essa cifra nos serve como um parâmetro de comparação para as próximas eleições e para levantar a questão de como diferentes tipos de regras podem influenciar a inclusão de mais mulheres na política. 

Como acabamos de passar por um processo eleitoral, temos a oportunidade de comparar essas taxas com a das eleições municipais desse ano e de anos anteriores, observando as principais mudanças que ocorreram nos últimos pleitos e suas possíveis relações com a inclusão de mais mulheres na disputa política. Usando dados do Repositório de Dados Eleitorais do TSE, disponibilizados e organizados pelo CepespData, é possível analisar como diminuiu a proporção de listas de candidaturas a vereadoras/es que estavam em desacordo com a cota no decorrer das mudanças na legislação eleitoral.

Nas eleições municipais de 2008, 13 anos depois da lei que introduziu a cota de gênero para as candidaturas proporcionais, mais de 78% das listas de coligações e partidos que disputaram as cadeiras nas Câmaras Municipais não tinham 30% de mulheres. A regra era praticamente ineficaz. 

Gráfico 1: Taxa de descumprimento da cota de gênero para candidaturas a vereadoras/es

Fonte: TSE e CEPESPDATA. Elaboração própria.

Em 2012, a taxa de descumprimento da cota de gênero caiu para 49,3%, muito possivelmente como resultado de um enforcement maior por parte dos TREs. Com a Lei Federal nº. 12.034 de 2009, que mudou o comando do artigo 10, §3º, da Lei Das Eleições de “deverá reservar” para “preencherá”, houve uma mudança de comportamento frente a regra, principalmente por parte da Justiça Eleitoral, que passou a ser mais rigorosa em sua implementação a partir das eleições de 2010. 

Nas eleições de 2016, novamente, a taxa de descumprimento da cota de gênero caiu, chegando a 38,1%. A ameaça de uma punição mais rigorosa por parte dos TREs passou a ser crível na visão dos partidos políticos. Assim, o efeito contínuo da atuação mais incisiva da Justiça Eleitoral contribuiu decisivamente para a queda na taxa de descumprimento na eleição daquele ano. Essa também foi a primeira eleição após a proibição de doações eleitorais por empresas e antes da criação do Fundo Especial de Financiamento Eleitoral, o FEFC. É mais difícil relacionar essa mudança com a queda do descumprimento da cota, mas é provável que um cenário em que há uma escassez generalizada de recursos para financiar as campanhas seja favorável para a introdução de candidaturas novas, inclusive de mais mulheres. Haveria (pelo menos a sensação) de mais igualdade na disputa.

Agora em 2020, voltamos a observar uma queda acentuada na taxa de descumprimento da cota de gênero, que passou a ser de apenas 6%. Essa queda pode estar diretamente relacionada com as mudanças nas regras eleitorais que ocorreram entre 2016 e 2018. A instituição do FEFC e, mais importante, a obrigatoriedade de destinação de um mínimo de 30% dele para candidaturas femininas pode ter funcionado como um chamariz a novas candidatas e como incentivo para uma ação mais proativa dos partidos em buscar mais mulheres para compor suas listas. Além disso, a proibição de coligações para eleições proporcionais fez com que os partidos – preocupados com a quantidade de votos que precisariam obter para atingir o quociente eleitoral – fossem mais proativos na busca por novas candidaturas, dentre elas as de mulheres. Eles também podem ter ficado mais constrangidos em descumprir com a norma, já que não tinham mais a coligação para se escorarem no caso de descumprimento.

Assim, os dados da eleição desse ano são animadores se comparados com os levantados em 2018. Há uma clara tendência rumo ao cumprimento pleno da cota de gênero para candidaturas proporcionais nas eleições municipais. Contudo, esse fato não exclui desafios importantes. É necessário que haja uma avaliação qualitativa das candidaturas femininas para evitarmos fenômenos como o das “candidaturas laranja”. Ao mesmo tempo, esse conceito precisa ser melhor definido pela Justiça Eleitoral para evitar a impunidade e a condenação das próprias candidatas. Fora isso, é fundamental que haja o comprometimento com ações concretas por parte da sociedade civil, Justiça Eleitoral e, principalmente, dos partidos políticos de modo a transformar essas candidaturas em representação inclusão efetiva de mais mulheres na política brasileira. 


Ivan Mardegan é pesquisador do Cepesp; Catarina Barbieri e Luciana de Oliveira Ramos são professoras da FGV Direito e pesquisadoras do FGV Cepesp

Este é o segundo artigo da série “CANDIDATAS EM JOGO” que aborda (e em alguns casso atualiza para as eleições de 2020) temas presentes na pesquisa “Democracia e representação nas eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero”, da FGV Direito SP e do FGV Cepesp, que deu origem ao livro “Candidatas em Jogo”

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