Como está nossa gestão pública municipal?

CEPESP  |  20 de maio de 2016
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Três estudantes da FGV-SP, orientados por professores do Cepesp, foram recentemente aprovados em concurso da prefeitura de São Paulo para trabalharem como analistas de políticas públicas. São Yuri Batista, Marianna Sampaio e Giovanna Lima.

Conversamos com eles sobre as expectativas para o novo trabalho, a alocação de cargos dentro da prefeitura de São Paulo, a diferença entre o serviço público municipal e o do Estado e Governo Federal. Veja abaixo, na íntegra, as conversas com os três.

Yuri Batista

Quais temas de pesquisa te interessam?

Fiz a graduação e mestrado em Administração Pública na FGV. No mestrado, estudei o efeito dos impostos de propriedade (IPTU) nos preços dos imóveis. O argumento central é que há uma relação inversamente proporcional, o que estimula o uso do imposto como instrumento de gestão urbana e habitacional.

Como a formação na FGV te ajudou na preparação para o concurso da prefeitura?

No mestrado houve pouco conteúdo aproveitado para o concurso, uma vez que caminhei em temas microeconômicos e o concurso tratava de temas da gestão pública. Para o exercício da profissão o mestrado deve ter mais peso, pois me familiarizei com ciência de dados e me aprofundei em estatística e econometria – campos úteis para a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas. Afirmo isso com certa segurança pois há alguns anos trabalho em uma prefeitura e utilizo rotineiramente tais ferramentas.

Em relação ao conteúdo da graduação, no concurso houve muitas referências às aulas de Direito, Ciência Política e Políticas Públicas que tive na graduação. Porém, curiosamente, no tema de gestão governamental, aquele com maior peso nas duas fases, aproveitei muito pouco do conhecimento adquirido nas aulas da FGV. A maior parte do conhecimento veio de minha experiência profissional e de minha experiência pré-profissional ainda dentro da FGV, sobretudo de instituições que participei como a Júnior Pública e os demais estágios realizados. Acho importante de salientar isso pois a FGV se destaca nas ofertas de aprendizado “prático” para os alunos, principalmente pelas instituições juniores, e elas são muito valiosas.

Você acredita que essa nova carreira paulistana pode ser, a médio prazo, equivalente aos EPPGG do governo federal?

É muito difícil prever – torço para que seja. A carreira no governo federal é bem valorizada, há até um certo “glamour” dos EPPs dentro dos círculos de administradores públicos, provavelmente pela relevância do cargo, a tradição da carreira e a dificuldade do concurso. Alguns EPPs ocupam cargos altos dentro do governo federal e administram políticas públicas estratégicas para o país. Seria ótimo se em São Paulo acontecesse algo semelhante.

Porém, para isso acontecer, é crucial que os próximos prefeitos de São Paulo “banquem” politicamente o cargo. Sabemos o que ocorreu com os EPPs do Estado de São Paulo e isso entristece todos, tanto pela desvalorização da profissão como pelo desperdício de recursos. Acredito que se os próximos prefeitos sustentarem esses novos profissionais (que são muitos), alocando-os em cargos estratégicos da gestão municipal, a cidade terá um novo momento em sua Administração Pública.

Em qual secretaria municipal você deseja trabalhar?

Não foi ainda explicado como funciona o processo de alocação. Ultimamente a Saúde é um tema que tenho me aproximado e me impressiona cada vez que descubro algo novo. Existe uma praxe de alguns administradores públicos que fala que boa parte dos problemas da Educação no Brasil é produto de má gestão. Acho que eles se assustariam se vissem o que acontece com o setor da saúde: são vários papéis, fichas, dados subnotificados, retrabalho, processos mal geridos, gestão de pessoas precária (quando não inexistente)… Perto da Saúde, a Educação parece o jardim do éden dos burocratas.

Acho que gestores públicos podem contribuir muito com a Saúde já que temos conhecimento de ferramentas administrativas que otimizam processos (embora a princípio nos intimidemos com tantos jargões médicos). Porém, a lógica de organização do SUS é surpreendente, ainda que sua operacionalização seja de um desafio ímpar. Há vários indicadores bem construídos, bases de dados com muitas informações, uma lógica de funcionamento bem coesa e, o que mais atraiu meu interesse, uma forte coalizão de defesa em torno de uma saúde pública gratuita, universal, integral e humanizada. Isto me anima bastante pois indica a existência de um objetivo em comum no setor, ainda que eu saiba que o dia-a-dia seja bem mais turbulento.

Entretanto, creio que outras áreas também me chamariam atenção, como Transportes e Educação, pois em ambas tive alguma experiência pretérita.

O serviço público municipal é menos bem equipado do que o federal e estadual? Por quê?

Sem sombra de dúvidas que é. São 5.570 municípios, a esmagadora maioria com menos de 100 mil habitantes. É muito difícil municípios pequenos conseguirem profissionais e tecnologias adequadas para uma gestão eficiente. Por exemplo: a utilização de tecnologias de geoinformação está cada vez mais relevante para o planejamento das políticas públicas, mas tanto o técnico como os softwares são muito caros. Além disso, o município cuida de muitos serviços urbanos básicos que não são nem alvo da preocupação dos governos federais e estaduais, como plantio e poda de árvores e recapeamento de ruas e calçadas.

Claro que São Paulo provavelmente é uma exceção, já que a cidade possui um orçamento maior que de alguns estados da federação e isso permite pagar profissionais mais qualificados e melhores tecnologias. É bem capaz que ela seja tão bem equipada como os governos estaduais mais ricos. Vamos torcer para que as novas carreiras (de APPGG e auditor) a tornem ainda melhor.

Marianna Sampaio

Como foi sua trajetória acadêmica até aqui?

Sou formada em Direito pela USP e abandonei uma graduação em Ciências Sociais, também na USP. Estou no segundo ano do mestrado e pesquiso processo decisório institucional no Ministério Público do Estado de São Paulo.

Como a formação na FGV ajudou você na preparação para o concurso?

Economia, Teoria Política e Políticas Públicas foram importantes (estudei muito pouco essas matérias especificamente para o concurso, o preparo veio mesmo do que já havia estudado nas aulas). A pesquisa da qual partipei no Cepesp, sobre federalismo fiscal, acabou me ajudando na segunda fase, quando foi cobrada uma questão sobre políticas públicas nacionais.

Você acredita que essa nova carreira paulistana pode ser, a médio prazo, equivalente aos EPPGG do governo federal?

Espero que sim, mas é muito cedo para falar. Acho que a remuneração – apesar de menor do que a da carreira federal – é suficiente para atrair gente capacitada, o que já é um bom começo.

Em qual secretaria municipal você quer trabalhar?

Como fizemos o primeiro concurso, o processo de alocação será uma novidade. Eu tenho mais afinidade com as matérias das secretarias meio, mas também me interesso pelas questões de competência da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Sinceramente, espero ser alocada onde eu possa ser mais útil ao município.

O serviço público municipal é menos bem equipado do que o federal e estadual?

Historicamente, o serviço público federal é mais bem equipado (muito em razão da maior capacidade fiscal da União), mas acho que a cidade de São Paulo deu um passo muito importante com as novas carreiras da Controladoria e da Secretaria de Gestão.

Giovanna Lima

Qual é seu tema principal de pesquisa?

Sou formada em Relações Internacionais pela PUC-SP. Fiz o mestrado e o doutorado na FGV. Eu pesquiso constitucionalização de políticas públicas e emendamento constitucional.

A formação na FGV te ajudou no concurso?

Concordo com a Marianna. As leituras durante os cursos de Mestrado e Doutorado cobriram grande parte da bibliografia prevista para o concurso. Por isso, não foi preciso estudar especificamente para o concurso para passar. Para mim, teve uma ajuda a mais que as aulas do curso em si – por ser aluna do Programa, fui convidada para atuar numa Secretaria Municipal durante o Doutorado. O conhecimento prático da experiência foi o que faltava para que pudesse aprender aquilo que na FGV não foi tratado com profundidade, principalmente questões ligadas ao município de São Paulo e a direito administrativo.

O salário de analista de política pública é atraente?

O salário conseguiu atrair gente mais capacitada. Agora caberá à Administração retê-las, que foi o problema da carreira no governo do estado de São Paulo. Conheço muito pouco da carreira do gov. federal para opinar com profundidade.

Em que secretaria municipal você deseja trabalhar?

O processo de alocação nas secretarias não está claro. Outras secretarias em seus concursos utilizam a ordem de classificação para a ordem de escolha das oportunidades disponíveis. Penso que esse critério fará parte do critério da SMG. Quanto ao meu desejo de trabalho, tenho um perfil mais voltado para as secretarias fim. Já trabalhei em Secretaria meio (Cooperação Internacional, em Campinas) e fim (Segurança e Assistência Social, em São Paulo), e me identifiquei mais com as finalísticas.

O serviço público municipal é pior do que o federal e estadual?

Na minha experiência de gestão, a esfera que está de fato impactando a vida das pessoas é o governo municipal, mesmo quando ele está viabilizando programas federais ou estaduais. Estes programas costumam não estar adaptados às realidades municipais – especialmente considerando quão outlier é o município de São Paulo. Então, não entendo que o serviço público municipal seja menos equipado; mas sim, entendo que as demandas são muito maiores que as capacidades. Contudo, na minha visão o lócus de resolução de problemas me parece estar no município.

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