Desde a divulgação por parte da Prefeitura de São Paulo do aumento substancial do IPTU nas áreas centrais da capital, alguns críticos alarmaram para uma possível aceleração do processo de gentrificação na cidade – isto é, a tomada do centro urbano pelas famílias mais ricas, “empurrando” as famílias mais pobres para a periferia. O argumento tem a seguinte lógica: com maiores despesas, as famílias mais pobres se veriam impelidas a deixar suas residências no centro para viver em regiões periféricas, onde o custo de vida (e o IPTU) é mais barato. Apesar de coerente, a crítica ignora uma série fatores importantes.
O primeiro é subestimar o verdadeiro responsável pelo processo da gentrificação: o investimento desigual em serviços e infraestrutura nestas regiões. Esse investimento aumenta o preço dos imóveis locais – estes sim fortes fatores de expulsão. Então, não será um baixo imposto que impedirá a ocupação das famílias ricas e a migração das demais famílias a outros bairros, mas o preço dos imóveis. Aliás, é até difícil imaginar uma política capaz de reverter esta tendência mundial.
O segundo é que este argumento leva a aceitar valores mais baixos do imposto no centro de São Paulo. O raciocínio destas pessoas é o seguinte: “se o IPTU é corresponsável pela gentrificação, um valor mais baixo no centro de São Paulo é aceitável pois mantém estas famílias de menor rendimento em suas residências”. Entretanto, ocorre que o centro urbano de São Paulo abriga a maioria das famílias de média e alta renda e a minoria das de baixa renda. Aceitar um IPTU deste local similar ao IPTU da periferia é, portanto, aceitar a manutenção de uma tributação regressiva da propriedade.
Por fim, o terceiro e menos conhecido dos fatores é a capitalização do IPTU no preço de mercado dos imóveis. Sendo este um imposto arcado pelo comprador, quanto maior o valor do IPTU, menor o preço de venda do imóvel, pois esta despesa adicional o desvaloriza frente ao mercado, reduzindo sua procura. Pense assim: se houvesse dois imóveis totalmente idênticos, um ao lado do outro, mas um deles (talvez por um erro da prefeitura) paga R$ 500,00 de IPTU ao mês e outro R$ 50,00, qual seria o mais disputado no mercado? Naturalmente, o segundo. Como a procura é componente fundamental do preço de um bem, espera-se deste imóvel com menor IPTU um preço de mercado maior em relação ao outro – afinal, quantas pessoas estariam dispostas a pagar R$ 500,00 em um imóvel idêntico a outro que paga R$ 50,00 logo ao lado? Este exemplo serve para demonstrar o argumento básico em torno da capitalização: quanto maior o IPTU, menor o preço de venda do imóvel.
Assim, se a capitalização por conta do aumento do IPTU no centro for relevante, a queda nos preços destes imóveis facilitará sua compra, pois preços reduzidos significam, entre outros, maior facilidade em se adquirir financiamento. Atualmente, a dificuldade das famílias mais pobres em comprar imóveis no centro não é o valor do IPTU, mas o valor da propriedade, que impõe sérias restrições no acesso ao crédito imobiliário.
Um grande ponto da capitalização é sugerir um trade-off: o dinheiro antes destinado a instituições de crédito e imobiliárias para adquirir o imóvel agora vai para os cofres públicos. Para o comprador, apenas muda o credor – a dívida é basicamente a mesma. Como, em tese, o poder público deve usar este dinheiro em prol do cidadão, é melhor uma maior tributação da propriedade, onde o dinheiro retorna sob a forma de serviços públicos, do que uma baixa tributação, onde fica retido sob a forma de lucros bancários e imobiliários.
Se essa capitalização de fato ocorrer, algo ainda necessário de explorar em estudos, o processo de gentrificação não aceleraria por conta da elevação do IPTU, pois seu aumento é compensado pela redução do valor de compra da propriedade. Mais: se este aumento do IPTU também for aplicado em conjunto com descontos especiais a proprietários de baixa renda (e não pelo valor venal, como é atualmente), haveria um perfeito casamento urbano: imóveis mais baratos no centro e com menor IPTU para os mais necessitados – justamente o efeito contrário da gentrificação.
Yuri Camara Batista é mestrando em Administração Pública e Governo pela FGV-EAESP na linha de Política e Economia do Setor Público.