Pesquisadores debatem se STF “mudou” na pandemia ou fez ajuste pontual sobre conflitos federativos

CEPESP  |  17 de novembro de 2020
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O Supremo Tribunal Federal de uma forma mais sistemática (embora não única) tem interpretado a Constituição de 1988 no sentido de restringir o poder local (ou estadual) e reforçar o poder da União quando há temas sobre os quais os poderes de legislar e executar políticas se sobrepõem entre os diferentes níveis de governo. No enfrentamento da pandemia da Covid-19, decisões do STF foram tomadas em sentido contrário a este entendimento, garantindo  que Estados e municípios tivessem poderes para adotar medidas e legislar sobre saúde, economia e movimentação das pessoas, como regras de distanciamento social, fechamento de empresas, funcionamento de serviços de atendimento ao cidadão, entre outras. 

Pesquisadores discutem decisões do STF relacionadas à pandemia

Há uma mudança na orientação do Supremo Tribunal Federal quando decide conflitos de competência federativa, ou as decisões da Corte sobre as medidas relacionadas à pandemia foram um ajuste pontual? Esse é o ponto de partida de uma pesquisa dos professores Natalia Pires de Vasconcellos e Diego Werneck Arguelhes, do Insper, que foi apresentada e debatida em webinar organizado pelo Departamento de Ciência Política da USP, Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas & Sociedade e Centro de Política e Economia do setor Público  da Fundação Getulio Vargas (FGV Cepesp) no dia 11 de novembro. Participaram do debate o professor Rogério Arantes, do Departamento de Ciência Política da USP, e  Lorena Barberia, do mesmo departamento , coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária e pesquisadora do Centro de Política Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV Cepesp).

Natália Pires observou que as normas da Constituição que discorrem sobre competências materiais e legislativas estão sujeitas a interpretação e muitas vezes não deixam claro que entes têm poderes para elaborar normas ou realizar políticas em temas específicos. É sobre esse “puzzle” que o STF tem decidido usualmente  no sentido de reforçar o poder legislativo e normativo da União. Ou vinha decidindo assim no cenário pré-covid.

Ao analisar ações judiciais que questionavam a constitucionalidade de medidas provisórias emitidas pelo governo federal sobre a pandemia,  o STF garantiu que Estados e municípios teriam competência legislativa e material para adotar medidas relacionadas à saúde, à atividade econômica e à movimentação de pessoas

Esse posicionamento que favorece os entes subnacionais, contudo, não parece ser uma mudança da jurisprudência do STF sobre o tema das competências concorrentes e comuns. “Nossa análise é que as decisões do Supremo estão mais relacionadas à identificação de um problema político na conjuntura do que uma revisão na jurisprudência do tribunal”, explicou Diego Arguelhes. Na apresentação, eles destacaram uma fala do ministro Edson Fachin em que ele afirma que  “o pior erro na formulação de uma política pública é a omissão”. Para os pesquisadores, as decisões do STF durante a pandemia parecem indicar que o tribunal preferiria que Estados e municípios atuassem dentro de um plano nacional contra a pandemia. Diante de um Executivo omisso, os ministros e ministras da Corte preferem então garantir que a atuação dos demais entes será constitucional. “A visão do Supremo foi garantir múltiplos planos contra nenhum plano”, acrescentou o pesquisador.

Na avaliação do professor Arantes, que fez várias sugestões para os pesquisadores , as decisões do Supremo relacionadas ao combate da pandemia indicariam uma preferência por “policy”, e não apenas um “flerte do STF com a descentralização”. O Supremo se alinharia com as políticas específicas de enfrentamento da pandemia adotadas por muitos governadores (como a interrupção de muitas atividades e isolamento social) e, portanto, estaria chancelando estas escolhas. Não faria o mesmo se os governadores adotassem as regras mais flexíveis defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, como o negacionismo da ciência.

Lorena Barberia encaminhou aos pesquisadores perguntas dos participantes e das participantes. Entre estas perguntas estava a da professora Marta Arretche, que questionava se a posição do governo federal foi de fato uma  omissão, ou se o que ocorrera  era uma disputa entre dois modelos de enfrentamento à pandemia: de um lado, medidas mais restritivas adotadas pelos governos estaduais; do outro, uma política mais frouxa, do governo federal, que poderia colocar o país em uma rota de desastre sanitário. Lorena Barberia lembrou que hoje, olhando para março, fica claro que a decisão do Supremo foi acertada, mas em março, quando ela foi tomada, que informações o Supremo tinha para ter a clareza de que estava agindo para evitar um desastre sanitário? 

Natalia Pires explicou que a pesquisa está olhando para as ações que foram decididas pelo Supremo, e não o que chega ao tribunal. Esta é uma tarefa difícil de ser realizada porque não há como identificar o conteúdo destas ações judiciais pelos sistemas hoje disponíveis publicamente.

Natália Pires e Diego Arguelhes  também observaram que a categoria  “omissão” não é um juízo político feito pelos pesquisadores, mas uma categoria utilizada pelos próprios ministros nas decisões analisadas. “Parece que o Supremo reconstrói o problema em torno de dois elementos: a não ação do governo que nega o embasamento científico”, disse Arguelhes. 

Mais informações sobre os eventos organizados pela Rede de Pesquisa Solidária podem ser encontrados no site do grupo.

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