Por que há poucas mulheres na política brasileira? – 5 perguntas para Ivan Mardegan

CEPESP  |  6 de março de 2020
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No Brasil, as mulheres são quase 50% dos filiados a partidos políticos, mas no momento de montar a lista dos candidatos à deputado federal, elas ficam com apenas 30% das vagas, percentual mínimo imposto pela legislação eleitoral. E, no final, apenas 15% dos deputados federais são mulheres. Investigar os mecanismos por trás da exclusão feminina da política brasileira foi o objetivo da tese apresentada por Ivan Mardegan à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), como requisito para a obtenção do título de Doutor em Administração Pública e Governo. “Theory and evidence of women’s political exclusion in Brazil” foi orientada pelo professor George Avelino, coordenador do Centro de Política e Estudos do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (Cepesp/FGV). Mardegan também é pesquisador do Cepesp.

1) Na Câmara dos Deputados, só 15% dos parlamentares são mulheres e sua tese defende que o problema é de exclusão. Por quê?

Ivan Mardegan: tese estuda os gargalos na representação feminina

As desigualdades de gênero são estruturais na sociedade. A política é um dos ambientes onde elas operam e geram injustiças. Atualmente, as mulheres são quase 50% dos filiados a partidos no Brasil, mas apenas 30% dos candidatos a Deputado Federal e apenas 15% dentre os Deputados Federais eleitos. Precisamos entender o que gera e onde estão estes gargalos. Na tese – baseado no que se conhece como “política da presença”, conceito desenvolvido por Anne Phillips – eu defendo que o problema da baixa proporção de mulheres na política não é exatamente um problema de representatividade política e sim uma questão de desigualdade no acesso aos cargos de liderança e poder na sociedade. A ausência de mulheres em posições de poder e liderança no mundo corporativo já é bastante estudada sob este aspecto e eu acredito que na política o fenômeno seja bem parecido. Deputado federal é um cargo alto na escala da carreira política tal qual um cargo de diretoria em uma empresa. Os mecanismos que atuam na exclusão de mulheres de postos de liderança no mercado de trabalho são muito úteis para analisarmos a exclusão delas da política.

2) Qual o papel dos partidos e suas lideranças nessa exclusão?   

Os partidos políticos são atores fundamentais não apenas na exclusão, mas também na inclusão das mulheres. Eles são muito importantes para desenvolver o potencial das candidaturas e, se trabalharem para isso, podem ser grandes aliados na diminuição das desigualdades de gênero na política. Acontece que são poucos os incentivos para que eles sejam proativos nessa empreitada. Existe, na política eleitoral – principalmente quando se trata de cargos mais altos como o de deputado federal – uma natureza inercial, avessa a riscos, o que faz com que as lideranças partidárias privilegiem no recrutamento candidatos que já tenham experiências eleitorais relevantes. Como a política é, historicamente, um ambiente majoritariamente masculino, as mulheres são prejudicadas por essa lógica. Na tese, trago evidências de que mulheres e homens com o mesmo nível de experiência na política possuem chances parecidas de serem recrutados e de serem eleitos, porém, mostro também que são poucas as mulheres com experiência eleitoral relevante. Possivelmente, elas não têm tido as mesmas oportunidades de construírem seus capitais políticos como os homens e nisso os partidos devem ter sua parcela de responsabilidade. Eles não vêm aplicando eficientemente os recursos obrigatórios para fomento da inclusão feminina na política e ainda são pouco abertos às mulheres em suas próprias estruturas internas de poder.

3) Se as mulheres tiveram e tem protagonismo em vários episódios recentes (#elenão, morte da vereadora Marielle) por que isso não se traduz em maior presença na política tradicional?

As mulheres, sem nenhuma dúvida, são capazes de se mobilizar e militar politicamente. Qualquer um que diga que elas “naturalmente” não se interessam ou não sabem fazer política está reproduzindo um preconceito, um estereótipo de gênero que não tem nada a ver com a realidade. Mas para que essa energia seja traduzida em presença na política institucional ela precisa virar votos. É preciso que as lideranças desses movimentos entrem para a política institucional, se filiem a um partido, participem das atividades partidárias, se candidatem a vereadoras, prefeitas, deputadas estaduais. Construir um capital político local é um dos principais meios de se cacifar para disputar uma vaga no Congresso Nacional. Novos incentivos e regulações para que os partidos incluam mais mulheres nas suas atividades, especialmente em postos de liderança, e que garantam condições mínimas para o desenvolvimento das candidaturas também podem ser muito importantes.  Movimentos como a Iniciativa Brasilianas, o Vote Nelas e o Elas no Poder, por exemplo, também são muito interessantes porque mobilizam e qualificam candidaturas de mulheres para a construção desse capital político.

4) Por que você avalia que o casamento interfere na construção de uma carreira política? 

Na tese mostro que mulheres casadas possuem menos chances de serem competitivas e de serem recrutadas do que homens casados e do que mulheres não-casadas.  A literatura que eu analisei coloca o casamento – especialmente o fato de as mulheres geralmente destinarem mais tempo que os homens em atividades que envolvem a gestão do lar e o cuidado dos membros da família – como um dos obstáculos para elas desenvolverem seus capitais políticos. O tempo a mais que as mulheres gastam cuidando da casa e dos filhos poderia ser utilizado para atividades partidárias ou de militância política, fundamentais para a construção do capital político necessário para que os partidos decidam lançá-las para a disputa eleitoral. Muitas mulheres escolheriam não disputar cargos mais altos que as forcem a mudar para a capital do Estado ou para Brasília porque não querem ficar longe da família. Os dados que analisei indicam que essa teoria tem fundamento. Nesse sentido, políticas públicas que ataquem a divisão sexual do trabalho (como por exemplo a implementação de uma licença paternidade nos mesmos moldes da licença maternidade) podem contribuir para que haja menos desigualdades nesse aspecto.

5)  A mudança de cotas de candidatura para cotas de cadeiras (número de eleitos) bastaria para resolver essa exclusão?

Não cabe a mim (por ser homem, até) defender que os movimentos feministas escolham essa ou aquela medida para endereçar essa pauta, mas como pesquisador do assunto acho importante ressaltar que a reserva de cadeiras cobra um preço bem alto para todo o sistema eleitoral. Ela é uma medida conhecida como “fast-track” para solucionar o problema da exclusão política. Ela funciona muito bem em sistemas eleitorais proporcionais de lista fechada, como na Argentina, por exemplo. Mas o brasileiro é de lista aberta. A reserva de vagas nesse tipo de sistema eleitoral é bem mais difícil de ser aplicada e gera distorções importantes. Se fosse aplicada no Brasil, ela resolveria rapidamente a exclusão de mulheres, mas traria consigo uma série de outros problemas que impactariam diretamente a saúde do nosso sistema político e a própria inclusão de efetiva de mulheres. Existem meios mais graduais, reformas mais incrementais, que até já vêm sendo introduzidas – como a reserva de 30% de recursos dos fundos públicos de campanha – e que podem atacar as origens do problema e trazer bons resultados nas próximas eleições. De todo modo, eu compreendo a pressa por uma solução mais imediata. Cabe aos grupos que militam pela inclusão feminina na política entenderem com profundidade as consequências, ponderarem se vale a pena ou não ela ser defendida e avaliarem a conveniência política dessa defesa.  

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