Por que os candidatos mudam sua declaração de raça? – 5 perguntas para Andrew Janusz

CEPESP  |  6 de outubro de 2020
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Um a cada quatro candidatos que concorreram nas últimas eleições e estão participando da disputa de 2020 mudaram sua declaração de raça em relação ao que informaram à Justiça Eleitoral em 2016. Este não é um fenômeno novo, e já foi estudado por Andrew Janusz, professor-assistente do Departamento de Ciência Política da Universidade da Flórida e doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia. Para Janusz, “a resposta simples é que os candidatos mudam a forma como se identificam para melhorar suas chances de ganhar um cargo político”, mas as regras eleitorais também fazem parte da explicação. Para o pesquisador, a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de obrigar os partidos a dividir igualmente recursos e tempo de TV entre candidatos de todas as raças, não é a saída para ampliar a representação de afro-brasileiros na política. ” A principal solução virá de fora da política”, disse Janusz, que já participou dos seminários da linha de pesquisa em Política e Economia do Setor Público (PESP), do mestrado e doutroado acadêmico em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, a qual o Cepesp é ligado. Confira a entrevista:

Andrew Janusz: ausência de regras oficiais para categorização racial

1. Você vem estudando a mudança na auto-identificação racial no Brasil antes de 2020. Por que esse é um tema interessante e especialmente no Brasil?

Normalmente pensamos que a raça é objetiva e imutável. Que os indivíduos nascem como membros de um grupo racial e morrem como membros desse mesmo grupo. Entretanto, esse não é necessariamente o caso. Estudos mostram que os indivíduos que podem afirmar com credibilidade a participação em vários grupos raciais podem mudar a forma como se identificam publicamente ao longo do tempo. Isso ocorre nos Estados Unidos e na América Latina. No entanto, é provável que seja especialmente comum no Brasil. O alto nível de mistura racial do Brasil e a ausência de regras oficiais para a categorização racial fornecem aos indivíduos notável liberdade para escolher como se identificam e podem optar por mudar a forma como se identificam ao longo do tempo. Quando os brasileiros percebem que pertencer a outro grupo racial proporciona maiores privilégios e suas características os qualificam como membros do grupo favorecido, pode-se esperar que eles mudem a forma como se identificam racialmente.

2. Em 2020, a exemplo do que você  já havia registrado em seus estudos (27% de mudança entre 2014 e 2016), candidatos mudaram sua auto-identificação.  Por que os candidatos escolhem mudar?

A resposta simples é que os candidatos mudam a forma como se identificam para melhorar suas chances de ganhar um cargo político. As divisões raciais estão cada vez mais salientes na arena política do Brasil. Os políticos reconhecem isso. É por isso que um número crescente de candidatos usa apelos raciais e busca cultivar apoio. No entanto, em algumas eleições, os candidatos não podem vencer apelando apenas para brancos ou apenas para negros. Como os candidatos que concorreram ao cargo em 2014 e 2016 competiram em diferentes distritos eleitorais, muitas vezes tiveram de apelar para constituintes raciais díspares. Minha pesquisa sugere que, a fim de atraí-los, os candidatos rotineiramente mudavam sua raça autodeclarada.

3. Qual é o papel das regras eleitorais nesse processo?

As regras eleitorais são um determinante crítico da reclassificação racial. Os candidatos que concorreram aos cargos em 2014 e 2016 não apenas competiram em diferentes distritos eleitorais, como também competiram em eleições regidas por regras eleitorais diferentes. Os prefeitos no Brasil são eleitos com base em regras de pluralidade, enquanto os vereadores são eleitos de acordo com a representação proporcional de lista aberta. Esses diferentes arranjos eleitorais incentivam os candidatos a se comportarem de maneira diferente. Como os candidatos a prefeito devem ganhar mais votos do que qualquer outro candidato, eles são incentivados a se identificar publicamente como membros do maior grupo racial do município em que concorrem. Em contrapartida, os candidatos a vereador normalmente precisam de apenas uma pequena parcela dos votos para serem eleitos. Como resultado, eles frequentemente se identificavam como membros de pequenos grupos raciais. Agora que os recursos estão reservados para candidatos negros e os eleitores estão observando de perto como os candidatos se identificam racialmente, os candidatos provavelmente modificarão seu comportamento.

4. Seu trabalho busca explicar o porquê da baixa representação dos negros no Congresso brasileiro. O que explica esse fenômeno? 

Há uma série de razões pelas quais a representação negra é baixa no Congresso brasileiro. Minha pesquisa indica que é ainda mais baixa do que os números oficiais sugerem. Há um número crescente de negros que se identificam no cargo, mas não tem pele negra. Há três razões pelas quais acredito que a representação afro-brasileira é tão baixa. Primeiro, os afro-brasileiros carecem de recursos financeiros. Isso era verdade antes da reforma do financiamento de campanha, era verdade depois dela, e acredito que continuará a ser verdade mesmo que tenha fundos reservados para afro-brasileiros. Isso me leva à minha segunda razão pela qual os negros são sub-representados – os partidos políticos. Os partidos políticos historicamente nomeiam os negros porque o apoio eleitoral que atraem ajuda o partido, mas não lhes fornecem os recursos de que precisam para realmente vencer. Um dos motivos pelos quais os líderes partidários podem reter recursos dos candidatos negros é porque eles acham que os eleitores não os apoiam. A terceira razão é que os eleitores não votam em negros. Os afro-brasileiros sofrem discriminação racial em todas as facetas da vida, é lógico supor que os eleitores os discriminam quando votam.


5. Alguns países, inclusive na América Latina, reservam cadeiras no parlamento para afro-descendentes. No Brasil, por enquanto, está em vigor uma regra que exige distribuição igualitária dos recursos partidários  e do tempo de TV para candidatos de diferentes raças (uma situação que você também estudou). Quais os bons caminhos para ampliar a representatividade dos negros na política brasileira?

É bom que os partidos políticos agora sejam obrigados a distribuir o tempo proporcionalmente aos candidatos brancos e não brancos. Alguns dos meus próximos trabalhos com Luiz Augusto Campos mostram que historicamente os partidos têm privilegiado os brancos na distribuição do tempo na TV. No momento, porém, os partidos não são obrigadas a relatar como distribuem o tempo de TV, então é possível que não cumpram essa regra. Além disso, mesmo que cumpram, dependendo de como é distribuído, pode levar a ganhos marginais. Assentos reservados para negros são uma forma de abordar as lacunas raciais na representação. Não acredito que esse tipo de mudança institucional tenha apoio político suficiente. Outra opção são cotas em listas partidárias. Embora os líderes partidários e políticos eleitos possam estar mais dispostos a apoiar esse tipo de reforma, acredito que o impacto das cotas seria mínimo.  A lei de cotas para mulheres é uma lei que não pega.  É provável que uma lei de cotas para negros também não funcionasse. Como resultado, a principal solução virá de fora da política. As organizações do movimento negro podem responsabilizar os partidos e ajudar os candidatos e eleitores preocupados com a raça a se conectar.

Os trabalhos de podem ser encontrados na sua página na internet.

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