Economista formado na FGV-SP e estudante de PhD em Harvard, Guilherme Lichand foi considerado pela revista Technology Review, ligada ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), um dos brasileiros com menos de 35 anos mais inovadores.
Ele foi um dos dez brasileiros considerados mais promissores na área de tecnologia e que podem vir a integrar a lista global da revista, da qual já fizeram parte nomes como Mark Zuckerberg, criador do Facebook.
Cofundador da MGov, empresa de consultoria em políticas pública, ele criou um sistema para ajudar getores públicos a coletar e compartilhar dados por meio de celulares de baixa tecnologia.
Ao blog do Cepesp, Lichand contou um pouco mais sobre o trabalho que o levou a integrar essa seleta lista.
Como você se sentiu ao saber que o seu nome estava na lista da revista Technology Review?
Fiquei muito feliz de ver reconhecida entre os projetos mais inovadores do Brasil uma iniciativa que aposta no analógico (SMS e voz), num momento em que vivemos uma verdadeira “febre” dos aplicativos para smartphone. Se é verdade que os smartphones responderam por mais de 50% das vendas de handsets em 2013, e devem rapidamente alcançar porcentagens cada vez mais expressiva do estoque de aparelhos no Brasil, também é verdade que mais de 78% das linhas seguem sendo pré-pagas, e esse número tende a ser muito mais persistente no tempo, já que temos a telefonia mais cara do mundo. Num contexto como esse, para avaliar políticas públicas e ações de impacto social, não se pode confiar no uso do plano de dados para acessar um app; tem que ser realmente pelos meios tradicionais (tudo isso sem custo para o respondente, e utilizando crédito no celular pré-pago como incentivo à participação). Mais importante que a utilização do celular como canal de comunicação com o público-alvo dessas ações, acredito que o trabalho da MGov Brasil foi reconhecido pelo seu impacto: no Rio Grande do Norte, mapeamos a qualidade da focalização do maior programa social do Estado – que atende cerca de 150 mil famílias por dia – e ajudamos o Governo a identificar os municípios-modelo com relação à qualidade da gestão do programa; no Ceará, num trabalho ainda em andamento, identificamos os efeitos da seca sobre o pequeno produtor sem acesso a irrigação, destacando soluções de políticas de baixíssimo custo capazes de promover impacto substancial sobre a renda e decisões produtivas de milhões de agricultores no sertão cearense. Nossos próximos projetos devem envolver transportes, saúde e educação. Eu e os demais sócios – o Marcos Lopes e o Rafael Vivolo – esperamos levar o impacto da ferramenta a todas as áreas de políticas públicas, em todo o país.
Qual experiência você considera ter sido mais importante na sua formação até agora?
Ter ido para Harvard fazer o PhD expandiu meus horizontes sobre o papel da pesquisa acadêmica. Se antes de ir para lá eu tinha aquela imagem tradicional do pesquisador como um indivíduo sentado no seu escritório refletindo sobre o mundo, em Harvard descobri que os melhores pesquisadores, pelo menos nos meus campos de pesquisa – Economia Política e Desenvolvimento Econômico -, são os mais empreendedores: passam boa parte do tempo em viagens à África ou à Índia, e são capazes de criar soluções criativas para problemas complexos, como mecanismos para tratar água para consumo a baixo custo, ou sistemas para aumentar poupança ou tomada de crédito por produtores muito pobres. Ao mesmo tempo, percebi que quase ninguém vinha ao Brasil fazer pesquisa, embora o Nordeste brasileiro seja tão pobre quanto muitos países africanos. Aos poucos ficou claro que o que estava faltando para isso acontecer era infraestrutura de pesquisa: no Quênia tem laboratórios incríveis para experimentos, na Índia, pesquisadores de campo muito bem treinados, mas no nosso Nordeste, nem um nem outro. Imaginei que o celular (que hoje já está em praticamente 90% dos domicílios brasileiros) poderia fornecer essa infraestrutura de pesquisa. E é exatamente o que está acontecendo: o projeto sobre a seca no Ceará foi até aqui financiado pelas universidades de Harvard e Warwick, em parceria com a Dra. Anandi Mani, professora desta última; outro projeto, sobre transportes, que está em fase de captação, conta com as parcerias do Edward Glaeser, professor de Harvard, e do José Sheinkman, professor de Columbia e professor emérito de Princeton. Estamos trazendo mais cérebros para pensar os problemas do Brasil.
Como funciona o sistema para coletar dados via celular que você desenvolveu?
O celular funciona como via de mão dupla. De um lado, as informações podem ser coletadas via mensagem de texto (SMS) ou Unidade de Resposta Audível (URA), um sistema de voz automatizado que faz perguntas numéricas ou categóricas e armazena as respostas de acordo com as teclas que o usuário pressiona. De outro lado, podemos enviar informações aos participantes, através de SMS, por exemplo. Pode parecer pouco, mas esse sistema é tão flexível quanto a criatividade do pesquisador demandar. No projeto do Ceará, realizamos testes de QI através do sistema de voz, incluindo tarefas de repetição de dígitos para testar memória, de contagem de dígitos repetidos para testar atenção, e de identificação de palavras distorcidas para testar vieses cognitivos. Ainda, nesse projeto, informamos 50% da amostra entrevistada sobre a previsão oficial de chuva no seu município, e posteriormente identificamos que a informação enviada tem efeito causal significativo sobre as expectativas e decisões dos produtores. As grandes vantagens do uso do celular em relação à metodologia face a face são (1) alcance, (2) agilidade, (3) ausência de entrevistador, que permite fazer perguntas delicadas (sobre focalização de programas sociais, por exemplo), e (4) custos, em função de economias de escala na realização de ondas adicionais ao longo do tempo. O sistema pode ser empregado em qualquer área. Por questão de posicionamento, a MGov Brasil se restringe a políticas públicas governamentais e ações de impacto social, realizadas por institutos, fundações ou empresas. Nosso interesse é ajudar a levar a democracia brasileira da era de 1 bit – em que o cidadão é convidado a escolher esse cara ou aquele outro, a cada 4 anos, nas palavras do Cesar Hidalgo, do MIT Media Lab – para a era do terabyte.