Em seminário realizado recentemente pelo Cepesp, o pesquisador Diego Correa, pós-doutorando pelo Departamento de Ciência Politica da USP, mostrou os resultados da sua pesquisa sobre o comportamento dos eleitores em países latino-americanos que investiram nos últimos anos em programas de transferência de renda.
O estudo de Correa demonstrou que programas como o Bolsa Família não melhoram a performance política dos governantes da região, como costuma ser difundido pelo senso comum. Segundo ele, o apoio eleitoral ao governo cresce entre beneficiários do programa, ou seja, a população mais pobre, mas cai entre aqueles que se opõem a políticas desse tipo, isto é, principalmente entre as pessoas de classe média e alta.
Correa analisou o cenário de 21 países latino-americanos. Em entrevista exclusiva ao blog do Cepesp, ele conta mais sobre o estudo.
A sua pesquisa mostra que programas de transferência de renda não necessariamente ajudam os políticos que os implementaram a ganhar mais votos. Por que isso acontece?
Programas de transferência de renda geram dois efeitos muito fortes em segmentos diferentes do eleitorado. O apoio eleitoral ao governo cresce entre beneficiários do programa, mas também cai entre aqueles que se opõem a políticas deste tipo. Uma parcela das classes sociais mais altas é veementemente contra a distribuição de dinheiro às camadas pobres e todos os presidentes que investiram em grandes programas de transferência de renda perderam votos entre esses eleitores.
O seu estudo mostra também que esses programas, como o Bolsa Família, provocam um novo rearranjo eleitoral e transformam a base de votos dos candidatos. O que isso significa na prática?
Significa que presidentes que investem em programas como o Bolsa Família podem esperar um crescimento de eleitores pobres e uma diminuição de eleitores de classes média e alta na sua base de votos. No agregado, não dá pra saber precisamente se a base aumenta ou diminui em função desses efeitos. O fato é que nenhum presidente que investiu em programas deste tipo foi reeleito com uma proporção de votos maior do que a obtida na eleição anterior.
Esse fenômeno que você descreve aconteceu também aqui no Brasil?
O mesmo efeito foi observado em todos os países latino-americanos onde o governo investiu em programas de magnitude e visibilidade similar ao Bolsa Família. Nas eleições brasileiras de 2006, Lula ganhou votos entre eleitores de classe baixa, mas perdeu aproximadamente o mesmo número entre eleitores de classes mais altas. Prova disso é que ele foi reeleito naquele ano com a mesma proporção nacional de votos que ele obteve em 2002, mas desta vez com uma base eleitoral radicalmente diferente. Alguns autores defendem que a perda de votos entre as classes mais altas é explicada por motivos diferentes, como, por exemplo, a corrupção. O problema é que este fenômeno é observado apenas em países que investiram massivamente em políticas redistributivas semelhantes ao Bolsa Família. Nos outros países, isso não ocorreu. Portanto, o rearranjo eleitoral observado em boa parte do continente atesta que eleitores de classes altas punem presidentes que investem em redistribuição de renda.
Então não é errado afirmar que as pessoas mais pobres no Brasil votam no PT por causa do Bolsa Família?
O Bolsa Família foi a principal razão para o crescimento do apoio eleitoral do PT entre os pobres em 2006 e para a manutenção deste apoio em 2010. A melhoria nas condições materiais de vida de um cidadão o estimula a apoiar o governo e isto é verdadeiro para qualquer classe social.
Por que há tanta rejeição da classe média e alta a esse tipo de programa?
É comum ouvir cidadãos de classe média e alta dizendo que o programa é um mero artifício eleitoral, uma compra de votos pura e simples. Além disso, muitos argumentam que o programa é um desestímulo ao trabalho e que ele apenas torna o pobre mais dependente do estado. Tudo isso é fruto de preconceito, sem sustentação na realidade. Economistas e cientistas políticos tendem a concordar que o Bolsa Família e outros programas desse tipo não geraram uma redução na oferta de trabalho e que o seu desenho foge consideravelmente do padrão tradicional de políticas clientelistas. No meu modo de ver, a explicação para a reação de certos segmentos das classes média e alta se deve ao fato dos últimos governos estarem mais comprometidos com a redução da pobreza e da desigualdade social do que tem sido a norma no continente. É natural que eleitores reajam negativamente a governos que colocam interesses de outros cidadãos a frente dos seus.
Na sua opinião, qual o impacto que o Bolsa Família e os demais programas implementados pelo governo federal terão nas eleições deste ano?
Provavelmente será menor do que o observado em eleições anteriores, no sentido de que vai estimular uma quantidade menor de eleitores a mudarem o voto. Ainda assim, é provável que alguns dos eleitores de classe alta que votaram na Dilma em 2010 migrarão para a oposição e alguns dos eleitores pobres que não votaram nela passarão a apoiá-la. A manutenção de investimentos no Bolsa Família faz com que os efeitos eleitorais persistam no tempo, apesar de numa dimensão muito menor do que o geralmente observado nas eleições imediatamente subsequentes ao lançamento do programa.
Hoje, nenhum candidato no País é contra o Bolsa Família, mas falam em programas de transferência de renda de terceira geração. O que isso significa exatamente?
Pra ser sincero, não tenho certeza. Têm-se falado em dar uma assistência mais ampla às famílias beneficiárias, algo que não envolva apenas a distribuição de dinheiro. Talvez seja um esforço de se aproximar das famílias mais vulneráveis, com visitas regulares de assistentes sociais, e assim conhecer mais de perto os problemas que contribuem para mantê-las em situação de vulnerabilidade. Dessa forma, as políticas de intervenção do governo poderiam ser adaptadas às necessidades individuais de cada família. Pelo que eu tenho ouvido nos discursos políticos, parece algo na linha do Chile Solidário. A restrição orçamentária do governo provavelmente impediria que um programa dessa natureza alcançasse toda a população beneficiária do Bolsa Família, então eu tenho dificuldades de entender como essas propostas se concretizariam na prática.
Quantos países você analisou? Quais são eles?
Estudei 21 países latino-americanos: Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.