Sérgio Praça: Olho nos burocratas

CEPESP  |  14 de dezembro de 2013
COMPARTILHE

Artigo do pesquisador do Cepesp Sérgio Praça publicado na edição deste mês da revista Época Negócios.

Por que desconfiamos dos servidores públicos? Por que o apelido deles – “burocratas” – tem péssima conotação, ligada a ineficiência e corrupção? Uma pesquisa recente do CNI-Ibope mostra que essa desconfiança é comum no Brasil: 73% dos brasileiros acham que o excesso de burocracia estimula a corrupção.

Não importa se a percepção popular está errada, pois ela indica um sentimento que interfere no serviço público. A começar pelo recrutamento: uma profissão com má fama atrai menos gente bacana do que deveria. Essa percepção ainda facilita a corrupção: se o dono de restaurante desconfia da honestidade do fiscal tributário que vai analisar suas contas, pode passar por sua cabeça a possibilidade de uma proposta escusa.

O poder do fiscal, neste caso, e dos burocratas, de modo mais geral, é claro. Não apenas eles fazem um serviço público, que melhora ou piora diretamente a vida dos cidadãos, como o realizam com relativa autonomia. A delegação hierárquica, e falta de informação dos superiores sobre o trabalho dos subordinados, dá o tom do serviço público.

Dentro deste quadro, como seria possível diminuir os atos corruptos dos burocratas? A primeira ideia é melhorar o processo de seleção. Escolhidos através de concurso público, burocratas brasileiros recebem salários mais altos do que a média da iniciativa privada. Isto pode incentivar algo positivo: mentes brilhantes que poderiam trabalhar no jurídico do Google preferem tentar a Advocacia-Geral da União. Mas não há como medir, no concurso, a propensão de um cidadão a cometer atos corruptos.

Pior ainda. De acordo com os pesquisadores Rema Hanna e Shing-Yi Wang, em pesquisa disponibilizada mês passado (“Dishonesty and selection into public service”) pelo National Bureau of Economic Research nos Estados Unidos, alunos universitários que exibem comportamento desonesto têm mais chances de prestar concurso público que os demais.

Claro que muitas outras pesquisas precisam ser feitas para indicar se isto é verdade, mas o problema central permanece: melhorar o processo de seleção dos burocratas de modo a prever sua “honestidade” com a coisa pública é impossível em larga escala.
Outra solução poderia ser limitar a autonomia dos burocratas. Os fiscais que achacaram construtoras em São Paulo permitindo que essas pagassem menos impostos do que deveriam, compondo a “Máfia do ISS”, tinham liberdade excessiva. Regras mais claras sobre o que eles poderiam fazer (ou deixar de fazer) dariam menos espaço para corrupção.

Imagine a situação do fiscal tributário no restaurante, nosso exemplo acima. Como garantir que o burocrata não aceite o pagamento corrupto do empresário? Uma solução é impedir que aquele único fiscal tome a decisão sobre o empreendimento, exigindo a anuência de um colega. Mas isso pode apenas aumentar tanto a propina quanto o custo do serviço público, pois dois fiscais constrangidos pelas regras fariam o trabalho de um fiscal autônomo.

A última solução, também custosa e bem mais lenta que as demais, parece mais razoável: criar mais instituições específicas de controle, com a prerrogativa de investigar denúncias (preferencialmente anônimas, para incentivar a sinceridade do denunciante) contra burocratas. A prefeitura de São Paulo está dando um exemplo com a Controladoria-Geral do Município. Com menos de um ano de existência e menos de 90 funcionários, a CGM desmascarou a “Máfia do ISS” e começou a investigar muitos outros suspeitos de enriquecer ilegalmente na prefeitura.

O trabalho das controladorias é delicado, pois implica desagradar políticos que se ligam a funcionários concursados para estender esquemas de corrupção. Mas a solução para diminuir atos corruptos é essa mesma: controlar, punir e aguentar a pressão política. Não há atalhos.

Deixe seu comentário