O Ministério Público Federal acaba de denunciar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica (mais detalhes aqui e aqui). A denúncia é feita pelos integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, que investiga corrupção no país desde o início de 2014 e é comandada pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal. Criticada por ser “antidemocrática”, “violadora de direitos civis” e “partidária”, a Lava Jato pode ser tudo, menos isso.
Prova da independência da investigação é o fato de desagradar igualmente membros do PT e do PMDB, os dois partidos que estão no poder desde 2003. Até muito recentemente, é claro, o PMDB era coadjuvante. (Em 2015, com a ascensão de Eduardo Cunha (PMDB) à presidência da Câmara dos Deputados, o PMDB passou a ser protagonista, até tomar o poder com o impeachment de Dilma Rousseff (PT).)
Em ao menos quatro momentos desde o início da força-tarefa, políticos do PT e do PMDB tentaram afetar a investigação ou seus efeitos.
Após a revelação da tentativa de obstrução, Delcídio foi preso e cassado pelos seus colegas no Senado Federal, e Lula virou réu em processo do Ministério Público em Brasília (diferente da força-tarefa da Lava Jato).
A segunda tentativa foi através da edição da Medida Provisória 703/2015, que alterou a Lei Anticorrupção (12.846/2013) para dispor sobre acordos de leniência. Esses acordos são celebrados entre o governo e empresas envolvidas em corrupção. Trata-se de dar vantagens à primeira empresa que confessar ser integrante do esquema – ponto retirado pela MP 703, que estende isso a todas as empresas (veja aqui a excelente análise dos economistas Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello.)
Ao editar essa medida no fim de dezembro de 2015, o governo Dilma tinha como intenção aliviar a barra de empresas corruptas e diminuir os incentivos para que novas informações sobre os crimes fossem reveladas. A Medida Provisória não foi aprovada pelo Congresso Nacional e, atualmente, os acordos de leniência estão frágeis juridicamente por conta da disputa entre órgãos de controle como o Ministério da Transparência, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal para comandá-los.
Além do PT, o PMDB também fez sua parte para tentar atrapalhar a Lava Jato. O ex-senador pelo PSDB e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, investigado pela força-tarefa, decidiu se defender gravando conversas comprometedoras com os peemedebistas Romero Jucá (ex-ministro do Planejamento de Michel Temer, hoje senador), Renan Calheiros (presidente do Senado Federal) e José Sarney (ex-presidente da República e ex-presidente do Senado Federal). A intenção era pressionar o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, para que as punições por corrupção parassem antes de chegar à cúpula do partido.
Resultados? Jucá perdeu o cargo de ministro, mas continua um senador influente, Calheiros é o senador mais importante do Brasil e Sarney está curtindo a aposentadoria.
Por fim, o quarto caso foi a nomeação de Fabiano Silveira, advogado próximo de Renan Calheiros, para o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (ex-Controladoria-Geral da União). Após a perda de validade da Medida Provisória 703, os acordos de leniência com empresas corruptas voltaram a ser tarefa do Ministério da Transparência. Comandar esse ministério, portanto, seria fundamental para, no mínimo, controlar informações sobre possíveis empresas “delatoras”. O então presidente interino Michel Temer achou por bem nomear Fabiano Silveira, flagrado nos grampos de Sérgio Machado como conselheiro de Renan Calheiros, para o cargo de ministro.
A reação dos funcionários da antiga CGU foi visceral e o atual ministro é o advogado Torquato Jardim, mais próximo de Temer e que tem tomado iniciativas de diálogo com outros órgãos de controle – apesar de ainda não ter a simpatia da maioria dos auditores do ministério.
(Texto originalmente publicado no blog “Política com Ciência” em 14-Setembro-2016)