Por Patricia Alencar Silva Mello*
No último dia 20/12/19, foi publicada a Portaria nº 6.762 pelo Ministério de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC instituindo o Programa Nacional de Apoio aos Ambientes Inovadores. Ela operacionaliza a chamada Lei de Inovação, Lei Federal nº 10.973/2004 recentemente regulamentada pelo Decreto nº 9.283/2018.
Trata-se de uma nova política pública que objetiva fomentar o surgimento e a consolidação de ecossistemas de inovação e mecanismos de geração de empreendimentos inovadores do País. E significa uma opção de promover desenvolvimento por meio da constituição de ambientes inovadores.
O programa confere oficialmente a esse tipo de ambiente o status de política pública e apresenta as diretrizes e os objetivos a serem por eles perseguidos para que sejam beneficiados pelos incentivos por ela concedidos. Ele difere dos PNIs anteriores, cujo enfoque eram as empresas, ao dar prioridade aos ambientes inovadores. Contudo, na atual formulação, as metas a serem perseguidas não são claras, tampouco a maneira como a política deverá ser avaliada ao final.
Determinar tais metas requer uma clareza acerca dos objetivos que deveriam ser esperados de cada um dos ambientes inovadores que a política federal pretende fomentar. Essa não é uma questão trivial dadas as incertezas que envolvem essas iniciativas e a contemporaneidade do assunto. Para garantir o devido monitoramento e/ou uma futura constatação do sucesso ou da necessidade de correções de rota, seria imprescindível um esforço maior no desenho lógico dessa política.
Toda política pública deveria incorporar em seu planejamento a lógica que a guia e expressá-la de forma clara. Essa lógica informaria a mesma causalidade entre incentivos e indicadores que estruturam os ambientes inovadores que pretende fomentar. O marco lógico desses ambientes deveria refletir a formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação do PNI atual. Nela observaríamos, por exemplo, os indicadores que esses arranjos deveriam alcançar e que o PNI deveria incentivar e exigir.
Somente ambientes inovadores estruturados de modo a resolver problemas claros não resolvíveis por outros programas é que deveriam ser beneficiados. De igual modo, deveriam ser priorizadas apenas as iniciativas localizadas em regiões com determinadas condições necessárias, do contrário essas condições teriam que ser antes fomentadas.
Ações concretas seriam enumeradas e monitoradas na implementação desses ambientes inovadores. Os resultados finais esperados decorreriam dessas ações e significariam impactos locais positivos aspirados por esses ambientes. Em outras palavras, o modelo lógico dos ambientes inovadores a serem fomentados pelo PNI estaria guiando essa política em todo seu ciclo.
De acordo com a literatura de avaliação de modelo lógico, o nexo causal entre o problema que uma política deve resolver e o resultado final esperado tem que estar claro na primeira fase do desenho da política. Após determinar o problema a ser resolvido com a política e o público que dela se beneficiará, a seguinte ligação de causalidade deve ser planejada: quais insumos são necessários para causar quais ações capazes de produzir quais resultados, que serão medidos por quais indicadores de impacto?
Os insumos indicam que a política exige certos recursos para operar. Se eles existirem, então podem ser utilizados para que determinadas ações sejam desempenhadas. Se essas ações forem desempenhadas, então determinados resultados serão alcançados.
Em outras palavras: o modelo lógico é um instrumento que permite manter o foco nos elementos relevantes de uma dada política, auxiliando na ponderação de questões que precisam ser levantadas, no que medir e porquê medir.
Ele deveria ser utilizado no planejamento e desenho de políticas públicas, na sua implementação e na contextualização do estágio do programa. Seu principal escopo consiste em demonstrar como uma política funcionará sob certas condições para resolver determinados problemas, visando a tornar transparentes os objetivos de cada programa e sua forma de atuação em múltiplas perspectivas, bem como facilitar qualquer método de avaliação de impacto.
No caso de parques tecnológicos, um dos ambientes inovadores contemplados pelo PNI, espera-se que impactos locais e globais sejam atingidos por sua atuação. Sendo bem sucedida a iniciativa, seria possível observar nas regiões em que esses ambientes atuam melhorias nas seguintes áreas: econômica, inovativa, acadêmica, urbana, social, de cultura inovadora e global.
O desenvolvimento econômico é explicado pela capacidade que esses ambientes teriam de transformar a estrutura produtiva para setores mais sofisticados, por meio do aumento da produtividade intersetorial e do deslocamento da mão de obra para setores que geram maior valor adicionado.
No que diz respeito ao desenvolvimento inovativo, autores neoschumpeterianos demonstram que processos de inovação são mais sensíveis a ambientes como parques tecnológicos que são concebidos em sistema, do que a processos lineares. Diferentes atores participam desse processo complexo, em relações dinâmicas e focadas no aprendizado interativo, cumulativo e interdependente.
O desenvolvimento global decorreria da capacidade que parques tecnológicos deteriam de promover a inserção das suas empresas de base tecnológica nas cadeias de valor global, de novas oportunidades para o aprendizado internacional e atração de atores líderes globais, além da competência para formação de gateway cities, cidades globais de países emergentes que funcionam como intermediárias entre regiões de países emergentes e a economia global.
Academicamente, é esperado também uma evolução em indicadores de educação como resultado da atuação de parques tecnológicos. Assim dispõe a teoria da tríplice hélice, que considera as instituições de ensino e pesquisa e os talentos que formam a principal força impulsionadora de desenvolvimento por meio de sistemas inovadores.
A cultura inovadora também tende a ser impulsionada por parques tecnológicos já que esses teriam maior disposição e capacidade de idealizar e coordenar projetos, por meio da criação de novos negócios ou mudanças em empresas já existentes, em especial quando foca em novo produto/serviço de alta tecnologia.
Estudos sobre economia urbana vislumbram ambientes como parques tecnológicos e enfatizam sua importância como decorrência da sociedade do conhecimento, e argumentam que o desenvolvimento das capacidades humanas estão correlacionadas ao planejamento urbano e à reurbanização que atrai e retém indivíduos criativos (que convivem em ambientes onde seja possível viabilizar trocas.
Nesses ambientes, pesquisas seriam direcionadas à mitigação de problemas específicos (como doenças, falta de alimentos, problemas naturais, e outros) e promoção de inclusão social, razão porque espera-se igualmente que tais ambientes gerem impactos sociais relevantes.
Para cada desenvolvimento esperado um modelo lógico é possível de ser formulado. Os resultados em cada área precisam ser logicamente pensados e monitorados continuamente. Isso não apenas em razão da escassez de recursos que impõem a necessidade de racionalizar gastos, mas também para fins de accountability e para permitir futuros reparos no modelo institucional e/ou redirecionar incentivos envolvidos nesses projetos.
*Pesquisadora do Cepesp/FGV